Brasília, sexta-feira,

26 de outubro de 2001

Crônica da Cidade

Por Rogério Menezes

rogerio@correioweb.com.br

O 11º mandamento da lei de (meu) Deus

O fenômeno parece ser basicamente brasiliense. Amigo-meu, morador desta cidade desde quando nasceu, há 36 primaveras, disse-me na semana passada: esse mau-hábito é coisa nossa. Temo que seja verdade.

Basicamente brasiliense ou não, é gravíssimo. Trata-se do seguinte procedimento: no ambiente de trabalho ou em evento social, não responder a bons-dias ou boas-noites. Ou ainda, cumprimentá-lo num dia e no outro virar-lhe o rosto - como se nunca o houvesse visto mais gordo.

Criado por pai e mãe gentis que cultuavam a gentileza e a prática de saudar as pessoas ao entrar e ao sair de algum ambiente, ou ao encontrá-las eventualmente, ainda não me habituei a esse mau-hábito. Não quero me habituar. Às vezes fico com cara de tacho ao cumprimentar alguém - e não ser correspondido. Ou dar bom-dia ou boa-noite e receber de volta o mais sepulcral silêncio.

Há quem diga: trata-se de pura timidez. Ou decorrência do corre-corre frenético da vida moderna. Discordo. É, até prova em contrário, coquetel que mistura doses iguais de falta de educação e mau-humor, batidos, sem gelo para amenizar o sabor acre da grosseria, no liqüidificador.

Às vezes reajo com bom-humor à descortesia, dou de ombros, e sigo, galhardamente, em minha solitária caminhada até a mesa de trabalho. Ou até realizar volta completa no Parque da Cidade. Às vezes não: amaldiçôo mentalmente a mal-educada criatura até a enésima geração e tenho ímpetos de xingar-lhe a progenitora que não o educou adequadamente.

Já cheguei a pensar em me dirigir às pessoas que não respondem a meus cumprimentos ou me cumprimentam num dia e no outro me viram o rosto, e perguntar-lhes: por que agem assim? Desconfio: não saberão a resposta.

Ou talvez não tenham ainda sido avisados que cometem incivilidade de
primeiríssimo grau.

Se ninguém avisou, estou avisando agora.

Já pensei seriamente em aderir ao mau-hábito, tal a recorrência com que o fato ocorre. Ontem mesmo senhora-que-costuma-me-cumprimentar-efusivamente quase se chocou comigo, e agiu como se transparente eu fosse. Escreveu certo por linhas tortas. Acabou inspirando-me a escrever esta crônica, digamos, educativa.

Prometo solenemente: 1) não aderir a esse mau-hábito. 2) insistir na gentileza de dar bom-dia e boa-noite. 3) continuar cumprimentando as pessoas, dia sim outro também.

Talvez, agindo assim, possa merecer os epítetos de asno, lunático e anacrônico. Prefiro correr esse risco.

Se Deus fosse, elaboraria 11º mandamento: - Não ignorarás o cumprimento do teu próximo.

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