Brasília, segunda-feira,

29 de outubro de 2001

Crônica da Cidade

Por Rogério Menezes

rogerio@correioweb.com.br

Homens-celulares estão entre nós

Colega-de-redação veio até minha mesa de trabalho e pediu: - Por favor, escreva crônica sobre esses caras que não desligam celulares nem quando vão ao banheiro...

Contou ocorrência do dia anterior. Entrara em banheiro de shopping center e, naquele exato momento, íntimo e pessoal, em que, relaxado-mas-contrito, contemplava parede forrada de ladrilhos e fazia xixi, assustou-se: vozeirão ecoara no compartimento ao lado.

O colega-de-redação, indignado, perguntou: - Pode? Em pleno ato de satisfazer necessidades fisiológicas o cara ficar pendurado no celular, discutindo negócios ou seja lá o que for?

Acrescentou, cheio de ira: - Ainda bem que aparelhos celulares não transmitem cheiros. Já pensou?

Em conversa com velhos conhecedores dos hábitos da cidade, percebi: o colega-de-redação tem, de fato, motivos para pânico. O homem-que-não-desliga-o-celular-nem-quando-vai-ao-banheiro é tendência do mundo moderno e, ecos da globalização, prática de domínio público também no DF.

O comportamento remeteu-me a outro, flagrado em caminhadas pelo Eixão-dominical, Parque Olhos D'Água e Parque da Cidade. Em pleno ato de oxigenar o cérebro e de se desvencilhar das agruras da vida diária, brasilienses não abrem mão de falar ao celular.

Pergunta que não quer calar: o que diabos haveria de suma importância para conversar nesses momentos que deveriam ser de lazer e de relaxamento?

Ouso diagnosticar: trata-se de mero cacoete, gesto mecânico, vício de comportamento. Sugiro: - Saiam dessa lama. Desarmem-se de celulares. Apreciem a paisagem. Cumprimentem os que encontram pelo caminho.

Dia desses, caminhando no Parque da Cidade em manhã de sábado, dei de cara com um desses homens-celulares. Usava sunga preta, tênis, meia, e, claro, telefone celular.

Uma hora depois, ao concluir volta completa pelo Parque da Cidade, deparei com o mesmo homem-celular. Continuava ao telefone. Parecia não ter mudado milímetro sequer, mexido músculo sequer, da postura anterior.

Delirei 1: aquele homem, como aquelas estátuas humanas que infestam a região central de quase todas as cidades do mundo, teria se cristalizado naquela incômoda posição - e talvez precisasse de ajuda.

Pensei em retornar e ajudá-lo a voltar a ser homem como outro qualquer. Não o fiz. Ao contrário, delirei 2: vi milhares de homens-celulares surfando em pranchas-em-formato-de-celulares no Lago Paranoá.

Livros de ciências das crianças do futuro registrarão a seguinte informação: o homem se divide em cabeça, tronco, membros e aparelho celular.

© Copyright CorreioWeb Fale com a gente Publicidade