NADA JUSTIFICA O TERRORISMO

MAHAMJUD DARWIX

A catástrofe que golpeou Washington e Nova York tem apenas um nome: terrorismo enlouquecido.  Esse acontecimento catastrófico não foi nem um obscuro filme de ficção científica nem o dia do Juízo Final.  Foi terrorismo, sem nacionalidade, cor ou credo, independentemente de quantos deuses, divindades e sofrimentos humanos possa enumerar para se justificar.

Não há nenhuma causa, nem sequer causa justa, que possa legitimar a matança de civis inocentes, independentemente do tamanho da lista de acusações e injustiças sofridas.  O terror não abre caminho para a justiça, mas é o caminho mais curto para se chegar ao inferno.

Deploramos esse terrível crime e condenamos quem o planejou e perpetrou, com todas as palavras de repúdio e condenação de nosso léxico.  Não o fazemos apenas por obrigação moral, mas também para reafirmar o compromisso com nossa própria humanidade e fé nos valores humanos, que não distinguem entre um povo e outro.

Nossa simpatia pelas vítimas, por suas famílias e pelo povo norte-americano em momentos tão difíceis é a expressão do profundo compromisso com a unidade do destino humano.  Porque uma vítima é uma vítima, e o terrorismo é terrorismo, aqui ou ali, não conhece fronteiras nem nacionalidades e não carece da retórica da matança.

Não há nada, absolutamente nada, que possa justificar o terrorismo que funde a carne humana com ferro, cimento e pó.  Tampoco não há nada que possa justificar a polarização do mudo em dois blocos que jamais poderão encontrar-se: um de bondade absoluta, outro de maldade absoluta.

A civilização é resultado da contribuição das sociedades humanas ao patrimônio do mundo, cuja acumulação e interação conduzem à  elevação da humanidade e à nobreza da consciência. Nesse contexto, a insistência dos modernos orientalistas de que o terrorismo reside na própria natureza da cultura árabe e islâmica não contribui em nada para o diagnóstico do enigma e por conseguinte, não nos oferece nenhuma solução.  Torna a solução mais enigmática, pois fica presa sob o jugo do racismo.

Portanto, quando os Estados Unidos procurarem os motivos que expliquem a animosidade frente a sua política (uma animosidade que não está dirigida contra o povo norte-americano e sua cultura mundialmente popular), deverão distanciar-se do conceito de “conflito de culturas”.  Também deverão deixar de lado a necessidade de identificar um inimigo onipresente, necessária para afirmar a “supremacia do Ocidente”.

Pelo contrário, os Estados Unidos deveriam fazer um exercício de reflexão para meditar sobre a sinceridade de sua política externa.  Na prática, deveriam refletir sobre seu êxito no Oriente Próximo, onde os grandes valores norte-americanos de liberdade, democracia e direitos humanos deixaram de funcionar – especialmente no contexto palestino, onde a ocupação de Israel continua sem precisar responder ao direito internacional já que os Estados Unidos lhe proporcionam a racionalização e justificativa necessárias às práticas que beiram o “terrorismo de Estado”.

Sabemos que os Estados Unidos foram profundamente feridos e sabemos que esse momento trágico é um momento de solidariedade e compartilhamento da dor.  Porém, também sabemos que os horizontes do intelecto podem ultrapassar as paisagens devastadas.

O terrorismo não tem lugar nem fronteira, não reside em uma geografia própria: sua pátria é a desilusão e o desespero.

A melhor arma para erradicar o terrorismo é a solidariedade internacional, o respeito aos direitos de todos os povos do planeta, a vida em harmonia e a diminuição das diferenças cada vez maiores entre o Norte e o Sul.  A forma mais eficaz de defender a liberdade é compreender plenamente o significado da justiça.  As medidas de segurança em si não são suficientes, porque o terrorismo traz em si uma multiplicidade de nacionalidades e não reconhece fronteiras.  O mundo não pode se dividir em duas sociedades, uma para os rebeldes e outra para os agentes da lei.  Porém não há nada, absolutamente nada, que justifique o terrorismo.

MAHAMJUD DARWIX É POETA PALESTINO, AUTOR DE EL FÉNIX MORAL. O PRESENTE TEXTO, PUBLICADO NO JORNAL PALESTINO, AL AYYAM, FOI SUBSCRITO, ENTRE OUTROS, PELOS INTELECTUAIS PALESTINOS HANNA NASSER, SARI NUSSEIRBA, SALIM TAMARI, REMA HAMMAI, IZZAT GHAZIWI, HASSAN KHADER E HANNAN ASHRAWI.

 CORREIO BRAZILIENSE
BRASÍLIA, 06 DE OUTUBRO DE 2001.