"As crianças e os professores" Brasília, domingo, 02 de dezembro de 2001 Receitas de um pediatra Dr. Marcos Lisbôa
Uma das principais preocupações dos pediatras é a educação das crianças. No processo educacional, que começa no primeiro dia de vida ou até antes e nunca termina, pode ser identificado um período crítico, que vai do nascimento aos três ou seis anos. Esse é o período em que se estruturam os valores, a personalidade e o caráter. Ou seja: a saúde mental das pessoas depende de acontecimentos e vivências ocorridos nesse período. A responsabilidade principal cabia à família. Com a institucionalização cada vez mais precoce das crianças, ela passou a ser dividida com as creches, escolas maternais, jardins de infância, o que aumentou bastante a responsabilidade dos professores (as). Hoje, as famílias e os professores dividem a tarefa de de formar os futuros cidadãos do mundo. A principal preocupação das escolas não é mais a aquisição de conhecimentos, mas contribuir para o desenvolvimento da personalidade, do ajustamento pessoal e social, da preparação para a vida em comunidade, tendo como meta a formação de bons cidadãos. Os professores não podem limitar seus conhecimentos à Pedagogia Educacional, mas têm que ter, tal como os pediatras e psicólogos, conhecimentos profundos de higiene mental. Devem dar mais importância à formação da personalidade do que ao simples exercício intelectual. Como a saúde mental depende primordialmente do ambiente, e as crianças vivem anos em instituições, pode-se inferir a importância do ambiente e das pessoas que cuidam delas, principalmente dos professores, na formação de sua personalidade. Quanto menor a criança e quanto mais ela se sentir ameaçada, maiores serão as repercussões sobre o seu desenvolvimento afetivo e emocional. Infelizmente, grande parte dos professores não sabe as peculiaridades e necessidades das crianças, em relação às faixas etárias. E, por ignorância, podem provocar estragos definitivos na saúde mental. Uma professora que castra a criatividade de crianças pequenininhas, quando pede que façam, por exemplo, um desenho de um animal, e ao observar que cada um fez uma coisa diferente, vai para o quadro e ensina-lhes como é que adulto acha que aquilo deve ser feito? Ela deixa de elogiar a criança, de enaltecer sua criatividade, para bitolá-la. São professores que nunca leram o ''Pequeno Príncipe'', que deveria ser leitura obrigatória nos cursos de formação desses profissionais. Nunca me esqueci de minha primeira professora. Ao escrever meu primeiro livro dediquei-o à ela e à minha mãe. E a D.Judith não era fácil. Com freqüência eu ficava ''preso'' após o término das aulas para fazer composição, coisa que eu odiava. Em frente ao flanelógrafo eu escrevia: ''Peri é um menino. Tem um cachorro que se chama Tupi. Tupi é preto e branco. Peri também tem uma bola toda azul...''. Embora odiasse tudo isso, eu sentia que ela gostava de mim, que queria que eu fosse um bom aluno. Eu queria que todas as crianças, ao entrarem na escola, encontrassem uma D.Judith, firme, justa, carinhosa, que fizesse com que nos sentíssemos amados. Para ilustrar mais a importância do comportamento dos professores em relação aos alunos, vamos relatar uma experiência realizada pelo psicólogo americano Robert Rosenthal, que convocou doze alunos e deu a cada um deles cinco ratinhos. Depois, deu-lhes um prazo para que os ensinassem a se orientar em um labirinto. Cochichou no ouvido de seis alunos que seus ratinhos tinham sido selecionados porque tinham um bom senso de orientação; aos outros seis alunos, disse o contrário. Na verdade, os 60 ratinhos eram iguais. Rosenthal observou que os superestimados haviam obtido resultados supreendentes, enquanto os subestimados não tinham conseguido nada. Resolveu repetir a experiência com professores e alunos. Determinou o QI de alunos selecionados ao acaso e condicionou os professores de que alguns tinham um maior potencial de êxito. Quatro meses após o início das aulas fez um novo teste, que seria repetido no final do ano, e um último, no ano seguinte. Os alunos que pertenciam ao suposto grupo de ''maior potencial'', progrediram muito mais rapidamente que os outros. Um menino mexicano com QI 61 no primeiro teste, passou a 106 no segundo, ou seja um aluno ''retardado'', se tornou um ''bem dotado''. Uma aluna mexicana passou de 81 para 128. Os alunos ''esquecidos'' foram nitidamente piores. E o pior: se algum aluno do grupo dos ''esquecidos'' se destacasse, era rebaixado, pois perturbava as previsões do professor. As profissões de pais e professores se assemelham bastante. Existem comportamentos que devem ser comuns aos bons pais e professores, em relação aos filhos ou alunos: tratá-los com afeto, atenção, segurança; compreendê-los e respeitá-los; usar o diálogo de preferência às repreensões e punições; contribuir para o aumento da auto-estima; usar de autoridade, e nunca serem autoritários ou permissivos; serem justos e disciplinadores; cobrarem limites. Sou pai há quase meio século. Fui professor durante 34 anos. Usando esses conselhos, nunca tive um problema sério, que não pudesse ser resolvido com um diálogo, com meus filhos e meus alunos. Sempre fui respeitado. Nunca desautorizado. Pode ser que eu esteja enganado, mas meu amor sempre foi correspondido, pois deles só tenho recebido provas de carinho. Ter sido pai, professor e pediatra, são as maiores alegrias de minha vida. Aos meus filhos e alunos os meus agradecimentos pelo muito que vocês me ensinaram. Cartas para o dr. Márcio Lisbôa devem ser enviadas para Correio Braziliense - Redação - SIG Quadra 2, Lote 340, Brasília, DF. CEP: 70.610-901 Com
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