Desenvolvimento e meio ambiente Correio Braziliense Brasília, domingo, 30 de dezembro de 2001 Desenvolvimento e meio ambiente Cuidar dos impactos ambientais não pode ser algo ''deixado para depois'' ou objeto de medidas corretivas, mas deve ser incluído no próprio projeto de modo a evitá-los na medida do possível Por José Goldemberg Há uma característica do movimento ecológico mundial que merece análise mais profunda da que é feita usualmente. Não há a menor dúvida de que um meio ambiente limpo, belo e saudável é a aspiração de toda a humanidade, mas o que a história mostra é que poucos no passado podiam se dar ao luxo de tê-lo. Roma, entre todas as civilizações antigas, é a que chegou mais perto disso com cidades bem construídas, com suprimento de água potável trazida de longas distâncias por aquedutos e uma rede de esgotos. O resto da humanidade, há dois mil anos, vivia na mais completa barbárie do ponto de vista de confortos materiais. Passados
vinte séculos, há vários estados do país e milhões de brasileiros que
não têm nem água limpa nem esgoto, como mostra o recente censo do IBGE.
Para essas populações, desenvolvimento é a palavra de ordem. E o acesso
às amenidades às quais têm direito os habitantes das grandes cidades é
objeto central de suas preocupações. Todo o sistema político do país
gira em torno dessa palavra de ordem e de como atender às necessidades
das populações mais carentes, seja por reformas estruturais, grandes
obras de engenharia ou até Sucede que muitas delas, cuja finalidade é dar maiores oportunidades à população e torná-las mais afluentes, podem trazer conseqüências ecológicas negativas. Exemplo claro é a abertura de estradas na Amazônia, que até agora tem sido sempre associada ao desmatamento. Outro exemplo é a construção de usinas hidrelétricas que inundam certas áreas indispensáveis para os reservatórios que regulam o fluxo das águas e permitem garantir energia durante o ano todo e não apenas no período chuvoso. Outro ainda é a construção de usinas termelétricas que queimam gás, que é agora disponível na região Sudeste do país. Essas usinas, apesar de menos poluentes do que usinas que queimam carvão, exigem água para resfriamento dos equipamentos e emitem certos gases indesejáveis como resultado da tecnologia usada. O que fazer em todos esses casos? Não construir estradas, usinas hidrelétricas e térmicas - reduzindo, portanto, os impactos ecológicos - mas ao mesmo tempo negando à população as vantagens que as estradas e energia trazem? Temos de fato presenciado grupos ecológicos se opondo a todas essas obras e levando até o Poder Judiciário a bloquear obras importantes, como ocorreu recentemente com a proposta da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Norte, e usinas termelétricas no Sudeste. Esse tipo de ação é freqüente nos países mais ricos, como os Estados Unidos ou Suécia, onde até a construção de linhas de transmissão ou moinhos de vento tem sido interditada por razões estéticas, uma vez que alteram o cenário local. A nosso ver esses países ricos podem se dar ao luxo de fazê-lo porque têm um nível de afluência elevadíssimo e sua população pode abrir mão de mais energia ou mais produtos de consumo em nome da preservação da beleza natural. Não nos parece correto copiar a mesma postura no Brasil sem uma análise crítica. Os problemas dos mais necessitados, tanto na zona rural como nas favelas urbanas, são os de atingir um nível mínimo de desenvolvimento mesmo que haja, em decorrência, problemas ambientais. O que é preciso em todos os casos é fazer um balanço entre custos ambientais e benefícios que o desenvolvimento traz. É procurar um compromisso entre eles. A procura desse compromisso é a missão dos planejadores, que não podem - como no passado - se engajar em grandes obras de engenharia sem antes analisar seus impactos. Mais ainda, o que nos parece indispensável é incluir no próprio projeto (seja uma estrada, um porto, uma usina para produzir energia ou uma fábrica que emite certos poluentes) medidas que reduzam os impactos ambientais ou que os evitem. Cuidar dos impactos ambientais não pode ser algo ''deixado para depois'' ou objeto de medidas corretivas, mas deve ser incluído no próprio projeto de modo a evitá-los na medida do possível. Essa é a estratégia a seguir e não a de negar o desenvolvimento em nome da proteção ambiental absoluta, que só os mais ricos podem exigir. José Goldemberg, físico, foi reitor da Universidade de São Paulo e secretário de Meio Ambiente © Copyright CorreioWeb Fale com a gente Publicidade |