Pioneiro em ecoturismo

ESPECIAIS

Correio Braziliense

Brasília, sábado,

26 de janeiro de 2002

Pioneiro em ecoturismo

Reserva particular em Pirenópolis foi uma das primeiras criadas no país e hoje registra mais de dez mil visitantes por ano. Dentro da mata, há fauna e flora típicas do cerrado.

Paola Lima

Da equipe do Correio

Ao alto, o Jatobá de 300 anos. No final da trilha, recompensa pela caminhada: a cachoeira. Acima, Evandro Ayer, dono do santuário ''Nem tudo que nasce torto é errado Veja as pernas do Garrincha e as árvores do cerrado'' Nicolas Behr. São 17 hectares de mata nativa do cerrado. Um cenário que encanta até os mais céticos dos visitantes. Imensas árvores, flores estranhas, pequenos animais. Tudo a menos de cinco quilômetros da cidade de Pirenópolis, em Goiás. Intacto. E aberto à visitação. É o Santuário de Vida Silvestre Vagafogo, uma Reserva Particular de Patrimônio Natural (RPPN), reconhecida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que há dez anos - época em que o ecoturismo ainda nem era termo da moda - trouxe para o Centro-Oeste a prática de explorar a mata sem degradá-la.

De propriedade do casal Evandro Ayer e Catarina Schiffer, o Santuário Vagafogo comemora dez anos de existência como ponto turístico em plena ascensão. Nos últimos três anos, o número de turistas cresceu cerca de 20% ao ano. Só em 2001, foram 10,2 mil visitantes. Todos atrás de percorrer a trilha dentro da fazenda. ''Nossos visitantes têm um perfil parecido. São pessoas que entendem a importância da preservação ao meio ambiente e vêm aqui atrás de conhecer e curtir a natureza'', define Evandro.

A tão procurada trilha dura, em média, uma hora e meia. O passeio é simples, feito sem guia. Pelo caminho, algumas paradas são memoráveis. Em uma delas, um jatobá com 3,6m de circunferência e quase 40m de altura - o equivalente a um prédio de 20 andares - aparece imponente no meio do caminho. Com mais de 300 anos, ele ainda está em fase de crescimento. À sua frente, foi construído um banquinho. ''Para sentarmos e pensarmos no quanto somos insignificante'', brinca Evandro. No final da trilha, ela não poderia faltar: a cachoeira. Não é grande ou volumosa. Mas bonita o suficiente para encerrar o passeio.

Os atrativos naturais não são a única recompensa das andanças pela mata. O
Santuário Vagafogo oferece também um brunch (mistura de café da manhã e almoço) aos visitantes. A farta refeição mais parece uma homenagem à Organização das Nações Unidas. Tem geléias e sucos feitos com frutas típicas brasileiras; tem os chutneys - molhos agridoces da comida indiana; tem os tradicionais waffles e muffins americanos. Além de pães, biscoitos, salgados. Quase tudo produzido na própria fazenda. Quase por acaso.

O santuário como centro de visitação pública nasceu quase por acaso. A idéia de Evandro e Catarina era morar perto da natureza e preservá-la. Para bancar o sustento da família, o casal apostava no plantio de frutas e na fabricação de produtos caseiros. A trilha na mata era mera diversão para família e amigos. E foram eles, os amigos, que deram impulso ao local. Empolgados com a beleza natural da fazenda, insistiam nas visitas. E levavam outros amigos para conhecer o lugar.

O casal percebeu que as visitas poderiam se tornar uma fonte de renda. E no final dos anos 80, transformaram o quintal de casa em um ponto turístico do cerrado. Aliaram-se à Fundação Pró-Natureza (Funatura) - Organização Não-Governamental (ONG) que ajudava na preservação de áreas particulares e registraram o local, em cartório, como santuário ecológico.

Logo depois, o Ibama criou as RPPN. ''Era o projeto perfeito para nós'', lembra Evandro. A fazenda recebeu o título de RPPN em junho de 1990. Era uma das seis primeiras propriedades particulares do país e a primeira de Goiás a ser reconhecida pelo governo como reserva ambiental.

Exemplo ambiental

A inauguração oficial, porém, só aconteceu dois anos depois, com a construção de um centro de visitação e o aperfeiçoamento da trilha, obras bancadas pela Embaixada Britânica e pelo Fundo Mundial para a Natureza (WWF). A solenidade não poderia ter sido mais nobre: contou com a presença do príncipe Philip, marido da rainha Elizabeth e presidente da entidade. ''A visita do príncipe, um ambientalista apaixonado, foi suficiente para que todo o país passasse a conhecer Vagafogo'', orgulha-se Evandro.

Hoje, o trabalho do Vagafogo não se restringe apenas à visitação turística. Durante todo o ano, escolas de Brasília e Goiânia visitam o santuário como parte de um cronograma de educação ambiental para os alunos. Além de conferir in loco a vegetação nativa do cerrado, eles assistem a palestras e aprendem sobre preservação. O Santuário Vagafogo não está mais sozinho na luta pela preservação. Hoje, a fazenda divide espaço com outras 40 RPPNs em Goiás. Só em Pirenópolis foram criadas quatro dessas reservas. São as fazendas Vargem Grande, Arruda, Santuário de Gabriel e Santuário Flor das Águas. Em todo país existem 421 RPPNs. Duas delas, no Distrito Federal.

''O Vagafogo pode ser considerado um exemplo, não só por ter sido pioneiro como reserva particular, mas pelo trabalho de conscientização ambiental que realiza dentro e fora da reserva'', afirma Analuce Freitas, coordenadora de políticas públicas da WWF. Ela ressalta também que, tanto na Mata Atlântica como no cerrado e no pantanal, são as RPPNs as responsáveis por preservar a vegetação nativa. ''Já perdemos 80% da cobertura nativa do cerrado'', alerta.

RESERVAS PARTICULARES DO PATRIMÔNIO NATURAL

O que são as RPPNs? As Reservas Particulares do Patrimônio Natural são áreas reconhecidas pelo Ibama que recebem proteção ambiental especial. Com o título, não podem mais ser alteradas. Para virar RPPN, o dono da área tem de solicitar o título ao Ibama, que vistoria o local e comprova a importância ambiental da reserva. Com o título, o dono da fazenda conta com alguns benefícios: isenção do Imposto Territorial Rural referente à parte que virou reserva, prioridade na concessão de crédito oficial e ajuda especial no controle de incêndios.(P.L.)

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