Conflitos no Médio Oriente

Correio Braziliense

Brasília, segunda-feira,

28 de janeiro de 2002

Conflitos no Médio Oriente

O mapa das rotas de saída do petróleo e gás do Mar Cáspio ainda está para ser traçado. Dependendo de por onde sairão esses recursos, alguém vai sair ganhando mais do que os concorrentes nesse jogo.

Juan José Verdesio

O leitor já deve ter se feito as seguintes perguntas: por que não é atingida a paz no Médio Oriente? Por que a Rússia arrasou a Chechênia? Foram somente conflitos étnicos e sociais mal resolvidos no passado que causaram o banho de sangue na ex-Iugoslávia? Por que os EUA intervêm militarmente no Afeganistão sem consultar a ONU? A mídia tem dado muito destaque aos aspectos culturais, históricos e sociais que originaram tais conflitos. Pouco destaque tem sido dado à origem econômica: a luta pelo controle das últimas e maiores reservas de petróleo e gás natural do mundo. O telão de fundo desses conflitos foi e será o controle das fontes energéticas fósseis pelos países que mais as consomem. Vejamos mais em detalhe por quê.

Os atentados ocorrem pouco depois de assumir a presidência dos EUA um texano, legítimo representante das oligarquias que controlam boa parte da exploração e comércio do petróleo e do gás natural. Ocorrem pouco depois de o presidente Bush ter lançado um programa nacional para acabar com a crise de energia elétrica no seu país, onde se privilegiam as fontes fósseis e a energia nuclear. Nesse programa estão incluídas medidas de afrouxamento das restrições ambientais à exploração mineral nos territórios árticos, reserva última de petróleo e gás natural dos EUA.

Ocorre também depois de Bush ter se negado a assinar os acordos de Kyoto sobre limitação das emissões de gases de efeito estufa, atitude perfeitamente coerente com o seu programa energético. Ainda mais, ele declara que não está disposto a assiná-lo porque os EUA são a locomotiva da economia mundial e sua economia tem que crescer. Os EUA crescendo, todos os países do mundo sairiam ganhando também. Os americanos continuam pensando que podem continuar impunemente consumindo duas vezes mais energia por habitante do que a Europa ocidental, que é tanto ou mais desenvolvida do que os EUA.

Observemos agora o mapa da região em volta do Afeganistão. A maior reserva mundial de petróleo e gás natural continua e continuará estando no Médio Oriente. É um fenômeno geológico raro mas que não tem como contornar. As grandes reservas do mundo já foram todas localizadas. O único lugar pouco conhecido é a Antártida, que é inacessível devido a sua grossa camada de gelo; 77,8% das reservas mundiais de petróleo estão no Irã, Iraque, Kuwait, Arábia Saudita e nos Emirados Árabes Unidos (só a Arábia Saudita tem 25%). Esse petróleo é o mais barato para ser produzido, 3 a 5 dólares por barril. O nosso petróleo no mar custa entre 9 e 12 dólares por barril para ser encontrado e extraído.

Os EUA só possuem 2,7% do petróleo no mundo. O Oriente Médio fornece 60% do petróleo que é consumido nesse país. Somente 8,1% das reservas mundiais pertencem aos países da OECD: Europa Ocidental, América do Norte, Turquia, Austrália e Nova Zelândia. Os países da ex-URSS contam com 6,4% das reservas mundiais. O grosso do comércio mundial do petróleo está concentrado nos países mencionados. Os países que mais consomem são os EUA, o Canadá, a Europa Ocidental e o Japão, com 65% do consumo mundial. Os países com maiores reservas, o Oriente Médio e a Rússia, produzem 41% do petróleo mundial.

Por outro lado, a abertura comercial dos países da ex-URSS depois do colapso do regime soviético disponibilizou para o comércio internacional as enormes reservas ao redor do Mar Cáspio. Ocorreu uma corrida gigantesca de todas as companhias de petróleo do mundo para tentar ganhar um pedaço do bolo caspiano. Calcula-se que, entre as reservas já provadas e as possíveis, o petróleo do Cáspio represente um quarto ou mais do que já está reservado no Médio Oriente. As reservas de petróleo no Cáspio representam tanto quanto as existentes nos EUA mais as do Mar do Norte.

Voltando a olhar para o mapa da região, observamos que o entrave principal à exploração desses recursos reside em como chegar até o mar com esses recursos. O traçado dos oleodutos pode ser feito por rotas diferentes. É do interesse da Rússia que um deles passe pela Chechênia. Lembrem que o atual presidente da Rússia arrasou esse país. Agora entendem por que ele se entende tão bem com o Bush a respeito do Afeganistão?

Outra via passa pelo Afeganistão e o Paquistão ou pelo Irã. É a via mais interessante para os EUA porque vai diretamente ao mar aberto, sem passar pelo Golfo Pérsico. Uma outra passa pela chamada Grande Estrada da Seda. Esse último traçado resultou de um acordo internacional entre a União Européia e 12 países do Cáucaso e da Europa Oriental. No caminho que vai para o Norte e Noroeste está no meio a Croácia. Lembram da Guerra da Croácia? Esse é um traçado que ligaria o Mar Báltico ao Mediterrâneo e ao Mar Cáspio passando pela Ucrânia e Hungria de vital importância para a Rússia.

O mapa definitivo das rotas de saída do petróleo e gás do Mar Cáspio ainda está para ser traçado. Dependendo de por onde sairão esses recursos, alguém vai sair ganhando mais do que os concorrentes nesse jogo.

E o Brasil? O que devemos fazer para não ser envolvidos nos conflitos pela posse da energia?

Em primeiro lugar, devemos manter a matriz energética que temos: 60% de fontes renováveis. Podemos e devemos nos propor chegar a ter uma matriz próxima de 100% renovável. Devemos pesquisar muito mais tanto no desenvolvimento e diminuição dos custos das energias renováveis como na procura de novas maneiras de estocar energia. As pesquisas em andamento sobre as pilhas ou células a combustível deveriam fazer parte de um programa maior e mais ambicioso. Uma mudança radical da matriz energética não se faz sem pesquisa original. Podemos importar muitas das tecnologias atuais, como as da energia eólica. Mas na biomassa devemos procurar soluções próprias.

A atual crise de energia elétrica mostrou a todos o quanto desperdiçamos energia. Devemos então ser mais racionais no consumo da energia. Devemos tomar consciência de que teremos uma energia provavelmente de melhor qualidade mas que será cada vez mais cara. Devemos também nos esforçar para tornar as nossas cidades menos dependentes do transporte individual. Não podemos continuar permitindo que as cidades cresçam desordenadamente, sem os devidos meios de transporte coletivos eficientes e baratos.

Podemos ser um exemplo universal criando uma economia energeticamente sustentável, livre de importar petróleo. Já fomos pioneiros mundiais com o Pro-Álcool. Competência não nos falta. Mãos à obra!

Juan José Verdesio é professor da Universidade de Brasília

Email verdesio@unb.br

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