As mãos da (in) segurança

Correio Braziliense

Brasília, domingo,

27 de janeiro de 2002

As mãos da (in) segurança

Flávio Dino de Castro e Costa

Uma mão espalmada foi o símbolo da campanha do presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1994. Nos dedos, as cinco prioridades, uma das quais a segurança pública. Sete anos se passaram, tempo suficiente para que uma ação governamental prioritária produza resultados. Contudo, o que temos? Todos com as mãos à cabeça, em desespero com sucessivos crimes horrendos, e muitos com as mãos no queixo, formulando soluções milagrosas para a segurança pública.

Alguns estranhamente abandonaram a denúncia das causas estruturais da violência urbana: concentração de renda, políticas públicas ineficientes, desemprego. Lamentável. Tal denúncia tem uma virtude fundamental: lembrar às elites econômicas, aos ''deuses'' do mercado, que eles têm responsabilidades que vão além de cobrar medidas dos governos. É impossível eliminar os crimes bárbaros com a situação social que temos. Esta não justifica nem legitima a violência, mas - quer queiramos ou não - a gera.

O reconhecimento dessa causa maior não substitui o debate imperativo sobre medidas tópicas. Aí, é preciso reconhecer ações relevantes adotadas nos últimos anos - novas leis foram aprovadas (sobre porte de armas, escuta telefônica, tortura), o programa de proteção às testemunhas ameaçadas foi implantado, criaram-se as centrais de penas alternativas. Porém, como os fatos provam, é pouco, diante das emergências e daquela onipresente mão das cinco prioridades.

O que fazer agora? A primeira coisa é saber o que não fazer. Por exemplo, perder tempo com propostas ineficazes e inexeqüíveis como pena de morte e prisão perpétua. Nossa Constituição proíbe a edição de emenda ou lei sobre a matéria, que, por estar enquadrada nas cláusulas pétreas, só pode ser alterada por uma nova Assembléia Constituinte.

É também desperdício de tempo gastar os dedos das mãos a elaborar novos planos contingenciais. Os que já existem são suficientes para delinear as providências de curto prazo. Em primeiro lugar, enfiar as mãos nas gavetas do Congresso Nacional que guardam utilíssimos projetos de lei, como os que tratam do inquérito policial, da prisão preventiva e da supressão de benefícios excessivos a réus. Por segundo, investir no sistema penitenciário, pondo fim às espetaculares fugas e construindo os indispensáveis presídios federais, sempre anunciados e nunca edificados. Em terceiro lugar, modernizar as Polícias, para que consigam realizar um policiamento preventivo e cumprir os cerca de 100 mil mandados de prisão expedidos pelo Judiciário e ainda não atendidos. Em quarto, melhorar os controles de nossas fronteiras, tarefa para a qual é imprescindível e constitucionalmente possível a atuação das Forças Armadas. Por fim, o Judiciário tem que fazer cada vez mais, porque a crise da segurança pública é também alimentada pela morosidade dos processos judiciais.

É urgente também a adoção imediata de um modelo de segurança pública em que vigore o federalismo cooperativo, combatendo o ''jogo de empurra'' entre as esferas federal e estadual. Segurança no Brasil é também um problema federal, por vários motivos jurídicos e fáticos. Cabe então aos órgãos da União assumirem o seu papel de coordenação nacional, articulando as demais instâncias da Federação e quantificando os repasses de recursos federais aos estados de acordo com os resultados por estes apresentados.

O resto, é seguir o popular - e talvez nunca tão preciso - chamado: mãos à obra!

Flávio Dino de Castro e Costa é presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe).

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