Pertinho do Dedo de deus

Correio Braziliense

(Suplemento: Lugares)

Brasília, quarta-feira,

23 de janeiro de 2002

Pertinho do Dedo de Deus

O Parque Nacional da Serra dos Órgãos, a 80km da cidade do Rio de Janeiro, é um dos preferidos por quem gosta de fazer trilhas e escaladas e está cheio de boas novidades.

 Marcelo de Paula (textos e fotos)

Especial para o Correio

Fique atento à beleza das flores do parque. Para ver a bicharada de perto, são necessários paciência e silêncio. Na última foto, um filhotinho de quati. A ligação é imediata. Falar de Rio de Janeiro é falar de praias. Mas que tal voltar os olhos para o outro lado? O que se encontra é a Serra do Mar, uma cadeia fantástica de montanhas, que começa no Espírito Santo, atravessa os estados de Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e só vai terminar no norte de Santa Catarina. Uma amostra das belezas dessa paisagem é encontrada nos 11 mil hectares do Parque Nacional da Serra dos Órgãos, que fica a 80 quilômetros da capital fluminense. A Serra dos Órgãos foi batizada pelos colonizadores portugueses, inspirados pelo formato dos picos da cadeia de montanhas da região, que lembravam os órgãos das igrejas européias. Por aí já dá para imaginar a beleza do parque, que foi criado em 1939. Sua área abrange os municípios de Teresópolis, Petrópolis, Magé e Guapimirim.

Em pouco mais de uma hora e meia de estrada, a diferença climática para quem deixa o Rio em direção ao parque é tão grande que a gente sai da cidade derretendo, sob um calor de 37 graus, e passa as noites no parque dormindo de moleton, embalado em edredom. À noite, além do clima, o silêncio e o ar puro renovam as forças para encarar as trilhas, de dia. Essa é a química local. Uma noite dormida na serra equivale ao descanso que se tem em dez noites no Rio de Janeiro, durante o verão. Ainda mais em tempos de apagão, com ar-condicionado e ventiladores praticamente servindo de enfeite dentro de casa.

Longe do calor excessivo e do mar, não quer dizer, necessariamente, longe do sol e das águas. O Parque Nacional da Serra dos Órgãos é abundante em rios e cachoeiras fantásticas para banho. Tanto que sua piscina natural já foi batizada de Prainha de Teresópolis, por causa da quantidade de visitantes que recebe nos finais de semana. Basta ficar alguns minutos exposto ao sol da montanha e a coragem para um mergulho nas águas frias da piscina logo aparece. Elas são ótimas também para ajudar a recarregar as energias gastas depois de horas (ou até dias) de caminhada pelas trilhas.

Com 62 anos de existência e preservação, o Parque Nacional da Serra dos Órgãos atingiu a terceira idade com fôlego de menino. Ganhou novas trilhas de visitação, muro de escalada, pousada, placas informativas sobre extensão e dificuldade das trilhas, sinalização de trânsito, equipamentos modernos de combate ao fogo e socorro a montanhistas e uma série de novos atrativos.

Hoje é considerado o parque nacional mais bem estruturado do Brasil para prática do montanhismo. Pudera! Seus inúmeros picos escaláveis variam entre os 1.320m, do Dedo de Nossa Senhora, aos 2.263m da Pedra do Sino, que é o ponto mais alto. Mas, a grande vedete do parque é o Dedo de Deus, símbolo da região. Com os seus 1.692m, é encarado pelos montanhistas como um grande desafio, pelo grau de dificuldade e também por sua fácil identificação ao longo da rodovia Rio/Teresópolis.

Se você não é montanhista mas gosta de enfrentar aventuras radicais, saiba que no Parque Nacional da Serra dos Órgãos há guias autorizados pelo Ibama para conduzir os novatos até o cume dos picos mais difíceis. Eles levam equipamentos profissionais e fazem acompanhamento metereológico por computador, para saber se as condições climáticas são favoráveis. Dão até dicas das técnicas do alpinismo. É possível escolher trechos mais ou menos complicados. Tudo depende do gosto do freguês.

Olhos grudados no céu

No verão, tudo fica mais bonito. Mas a estação é também o período em que
chuvas e raios podem causar problemas a quem se aventura sozinho

O Dedo de Deus (acima) não é o pico mais alto. Com 1.692m, perde para a
Pedra do Sino, que tem 2.263m. Em compensação, ganha em popularidade pelo seu formato e visibilidade, a partir da estrada que liga o Rio a Teresópolis. Nos fins de semana do verão, a piscina natural (primeira foto) vive cheia de gente, apesar das águas geladas. Na segunda foto, a bromélia imperial, uma das mais vistosas do parque Como a maioria dos guias que trabalham no Parque Nacional da Serra dos Órgãos, Wilson Soares mora em Teresópolis. Freqüenta o parque desde pequeno e presta ajuda à equipe do Prevfogo do Ibama, durante o período da seca (que vai de maio a agosto). ''Conhecemos cada pedra dessas montanhas. Fomos criados aqui, acostumados a escalar os picos cedo. Já passamos muito aperto e aprendemos a respeitar e conhecer a natureza local'', conta.

No verão, a densa floresta da Serra dos Órgãos e seu maciço rochoso atraem as chuvas para o território do parque. É um fenômeno natural, provocado pelo intenso calor, que esquenta as águas do mar, condensadas rapidamente sobre a
mata. Uma atração natural que garante o clima ameno e o verde intenso da região.

Mas é também a época em que a experiência dos guias se torna ainda mais importante para os que visitam o local. ''Só subimos as montanhas em condições ideais. Não queremos nenhum turista dentro de uma tempestade de raios nos picos do parque'', avisa Wilson. Quando isso acontece, a única solução é atirar para fora da barraca de camping todo equipamento de metal que possa atrair um raio e se posicionar de cócoras para diminuir a área corporal de contato com o solo. E rezar.

Embora seja o verão a época menos favorável à prática do montanhismo, é justamente nessa estação que o parque fica mais florido. É quando também os animais são mais visíveis. Os passeios mais recomendados são a travessia de Petrópolis para Teresópolis, com duração de três dias, e a escalada de terceiro grau ao Dedo de Deus, em um dia - excelente para principiantes.

Bromélias e bichos

Nos dez dias em que fiquei no parque nacional, visitei as trilhas novas e encarei os 11,5km de subida para a Pedra do Sino, ponto mais alto da reserva. Embora a estação chuvosa tivesse me impedido de ver os picos da Serra e a bela Baía de Guanabara ao amanhecer, valeu testar a disposição corporal de caminhar cinco horas, com a mochila lotada de equipamentos fotográficos e alimentos, e poder ver de perto bromélias de diferentes cores e tamanhos e alguns animais típicos da fauna.

A subida da Pedra do Sino parece interminável. O caminho serpenteia a montanha até seu topo, ora por dentro de uma mata densa, ora por cima de pedras e penhascos. Do alto, podemos ver a cidade de Teresópolis, a própria cobertura natural da floresta e a cadeia de montanhas. No verão também é fácil encontrar água potável da melhor qualidade ao longo da trilha.

Para fazer o caminho, o ideal é estar calçado com botas próprias - de preferência impermeáveis, pois as chuvas deixam enormes poças e lamas. Para se aproximar de pássaros e outros animais, manter o silêncio é fundamental. Para fotografar, esteja com a câmera do lado de fora da mochila. Dificilmente você vai ter tempo e disposição para pegar o equipamento o tempo todo.

Depois de quase duas horas de trilha, chega-se à cachoeira Véu de Noiva. Formada pelo Rio Bonfim, é uma das preferidas pelos rapeleiros iniciantes, com 35m de altura. Uma das melhores pedidas é aproveitar para tomar banho no poço formado pela queda d'água, antes de retomar a trilha. Como em todas as outras cachoeiras do parque, a temperatura da água no poço da Véu de Noiva é muito baixa. Nessas horas, é preciso entrar com cuidado, mergulhando primeiros os pulsos e molhando a parte de trás do pescoço, para que o corpo se acostume. A vontade que a gente tem é de passar o resto do dia ali, aliviando o cansaço da caminhada. Mas é bom é não ficar muito tempo. Se a gente deixa os músculos esfriarem, falta força para completar o trecho.

Quando a noite cai na trilha, as flores e folhas da floresta exalam um perfume refrescante que oxigena todo o corpo para mais algumas horas de caminhada - um momento inesquecível para quem vive mergulhado no estresse dos centros urbanos.

Fáceis e belas

A cachoeira Véu de Noiva cai em um poço ótimo para tomar banho e descansar. Fica na subida para a Pedra do Sino

Das novas trilhas, a da Primavera e a Suspensa destacam-se pela facilidade de visitação. Foram feitas para quem quer conhecer as belezas naturais da região e não tem condicionamento físico ou tempo suficiente para uma exploração mais detalhada.

A Trilha da Primavera foi projetada por alunos da Faculdade da Terceira Idade de Teresópolis, junto com profissionais do Ibama. Ela é plana, com extensão de 1km, em formato de U. Sua entrada fica na estrada principal do parque e não há maiores dificuldades no percurso. O visitante caminha por dentro da floresta, com possibilidade de ver espécies da fauna e flora típicas da Serra dos Órgãos.

A operadora de telemarketing Leandra Gaspar Bianchi e sua filha Lara, de 1 ano, ficaram de boca aberta com o que viram na Trilha da Primavera. Estavam maravilhadas com a beleza local: ''Nunca pensei que minha filha pudesse, nessa idade, caminhar por tanto tempo numa trilha sem cair. É uma ótima oportunidade para mostrar a Lara a natureza em estado bruto'', festeja Leandra, que aprendeu a apreciar a natureza com o incentivo de seus pais, que fizeram o mesmo que ela faz com sua pequena Lara.

Uma espécie de ponte suspensa, com apoio para as mãos em toda sua extensão, a Trilha Suspensa é uma novidade. Inaugurada em setembro do ano passado, ela fica no final da estrada principal do parque, junto à Barragem. É a trilha favorita dos estrangeiros, pela facilidade de se observar as copas das árvores bem de pertinho. Para ver saíras, beija-flores e outros pássaros, basta chegar à Trilha Suspensa antes do amanhecer e ficar quietinho. Eles pousam bem ao lado da gente, sem vergonha nem medo.

Mirante do Dedo de Deus

Quando fui à Trilha do Mirante do Dedo de Deus, ela ainda não havia sido oficialmente inaugurada. Por isso, fui acompanhado por um guia do Ibama. Ela não é das mais fáceis, requer um pouco mais de preparo físico para chegar ao seu mirante. A recompensa é ficar de frente para o principal cartão-postal da região.

Cheia de altos e baixos, a trilha é escorregadia porque acumula água das chuvas. Muitos animais vivem por ali, talvez atraídos pela grande quantidade de frutos silvestres. O que se vêem com maior freqüência, fazendo estripulias sem parar, são os macacos.

O sacrifício da caminhada é rapidamente esquecido pelo lindo visual do mirante. Além dos picos do Escalavrado, Dedo de Nossa Senhora, Dedo de Deus, Cabeça de Peixe, Verruga do Frade e Pedra do Sino, ainda vê-se quase a totalidade da Baía de Guanabara. Vale lembrar que o dia tem de estar claro, sem névoa ou formação de chuvas. Isso, é óbvio, serve para 90% das trilhas da Serra dos Órgãos.

O Parque Nacional da Serra dos Órgãos homenageia um dos filhos mais ilustres para o alpinismo nacional, nascido em Teresópolis: Mozart Catão. Morto em 1998, ao tentar vencer a parede sul do Aconcágua, na Argentina, Catão foi o primeiro brasileiro a alcançar o topo do Monte Everest. Uma trilha foi batizada com o seu nome. Embora não seja perigosa, demora-se aproximadamente 45 minutos para completá-la e apreciar a vista do seu mirante, que fica debruçada sobre a sede do Parque. É um ótimo local para ver o nascer do sol!

DICAS DO AUTOR

O Parque Nacional da Serra dos Órgãos fica a 80km do Rio. A melhor maneira de chegar nele é sair do Rio pela Linha Vermelha e seguir as placas que indicam o caminho para a região serrana. Há apenas um pedágio de R$ 4,30.

A entrada para o parque custa R$ 3,00, por pessoa, mais R$ 5,00 por veículo. Quem quiser escalar os principais picos por conta própria é obrigado assinar um termo de responsabilidade na portaria. O bilhete de entrada vale por todo dia, dando opção para quem desejar fazer uma refeição na cidade de Teresópolis. Existem ótimos restaurantes próximos ao parque.

Botas confortáveis, cantil, lanterna, faca, uma muda de roupa e um par de meias secas, agasalho, isolante térmico, saco de dormir e barraca são equipamentos imprescindíveis para quem vai enfrentar as trilhas mais longas.

Se você for principiante, contrate um dos guias autorizados pelo Ibama. Os preços começam em R$ 350,00, para um grupo de cinco pessoas na travessia entre Petrópolis e Teresópolis, com duração de três dias; e R$ 300,00, para duas pessoas na escalada do Dedo de Deus. Informações: (21) 2742.0811 ou pelo e-mail mundodemato@ig.com.br.

A alimentação deve ser leve, à base de frutas, sanduíches, massas e sopas desidratadas. Chocolate, mel, guaraná em pó, granola, barra de cereais ou qualquer outro energético são bem-vindos nas trilhas.

A pousada Refúgio do Parque fica dentro da reserva. As diárias incluem café da manhã e uma sopa noturna. Os preços variam de R$ 45,00 a R$120,00. Quartos com beliches e ducha coletiva: R$ 25,00. Reservas: (21) 9221-9147 ou refugiodoparque@bol.com.br.

Para um bom mergulho nas águas do parque, indico a piscina natural e os poços Verde e da Preguiça. Não esqueça o protetor solar porque o sol da montanha é de lascar a pele.

O clima seco do inverno é o melhor para o montanhismo. Mas se quiser apreciar o verde e passear , o ideal será visitar o parque no verão.

Novos tempos

Antigamente, o orçamento do parque era maior que o do município de Teresópolis. Na década de 60, o dinheiro minguou e os visitantes foram afastados. Hoje, as coisas mudaram. E para melhor

A nova trilha suspensa pode ser conhecida de bicicleta

Quem conhece Serra dos Órgãos nos dias de hoje não sabe das dificuldades que ela atravessou antes das reformas. Na época do milagre econômico brasileiro, o orçamento do parque era maior do que o do município de Teresópolis. Depois do golpe militar de 64, o dinheiro minguou. E muito. Foram 30 anos de estagnação e o parque foi fechado à visitação.

Os conceitos de proteção ambiental relacionados à pesquisa e integração social, trazidos pela Eco 92, impulsionaram o país para uma política de resgate do seu patrimônio natural. Jovelino Muniz, diretor do parque, diz que a área de preservação foi criada para proteger os recursos hídricos da região serrana e também um pedaço considerável da Mata Atlântica - um dos ecossistemas mais ameaçados do mundo.

As atuais modificações e manejo são tópicos de um plano de ação do Ministério do Meio Ambiente, que tem por objetivo terceirizar os serviços de todos os parques nacionais, cabendo ao Ibama apenas fiscalização e educação ambiental e pesquisa.

''A grande missão do Ibama é humanizar os Parques Nacionais em função da sociedade. Aqui na Serra dos Órgãos, temos uma média de visitação de 20 mil estudantes por ano. Com nosso programa de educação ambiental, Cenário Verde, estamos mais próximos dos alunos e professores dos municípios no entorno do parque'', diz Jovelino.

O diretor argumenta que não adianta mais manter as Unidades de Conservação fechadas em si, distantes da sociedade. O apoio das comunidades, a parceria com organizações governamentais e não-governamentais estão sendo ideais para transformar o Parque Nacional da Serra dos Órgãos em um referência nacional e internacional de proteção ambiental e ecoturismo.

Uma faceta interessante dessa política é a participação das universidades, que hoje executam 30 diferentes pesquisas na Serra dos Órgãos. Algumas são voltadas para a ação da comunidade em benefício de melhorias para o próprio parque - como é o caso dos estudos sobre a Bacia do Rio Paquequer, um dos principais da região, que tem sua nascente no parque e termina poluído pela cidade fora dele.

Para saber mais

A mata que corre perigo

Além de ser conhecido como sede brasileira do montanhismo, o Parque Nacional da Serra dos Órgãos abriga uma imensa reserva de Mata Atlântica, onde encontram-se diversas espécies da fauna (como micos-leões, lontras, araras azuis e onças pintadas) e flora (como palmito, cedro e bromélias diversificadas) ameaçadas de extinção.

Para se ter noção do risco que a Mata Atlântica corre, à época do descobrimento do Brasil a floresta apresentava uma área equivalente a um terço da Amazônia. Cobria 1 milhão de quilômetros quadrados, ou 12% do território nacional. Hoje restam apenas 7% da sua área original.

Estatísticas indicam que 70% da população brasileira vivem na região da Mata Atlântica. Nessas cidades litorâneas e serranas estão concentrados os pólos industriais, petroleiros e portuários do país. Os benefícios proporcionados pela mata são muitos. Protege e regula o fluxo dos mananciais hídricos que abastecem as grandes metrópoles, garante a fertilidade do solo e controla o clima. Além disso, tem a maior biodiversidade do mundo e preserva um patrimônio histórico de valor inestimável.

Em 1817, os naturalistas Spix (austríaco) e Von Martius (alemão) vieram para o Brasil estudar fauna e flora. Em 10 mil quilômetros percorridos, catalogaram 6.500 variedades de plantas e 3.411 animais. A Serra dos Órgãos fez parte da rota dessa expedição, que auxiliou na demarcação da reserva, mais de um século depois.

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