Trabalho de formiga

Correio Braziliense

Brasília, terça-feira,

22 de janeiro de 2002

Trabalho de formiga

O número de excluídos digitais no país é enorme, mas vários programas tentam levar o computador e a Internet às populações que não têm contato com PCs. No exterior, organismos internacionais reconhecem e discutem o problema.

Tatiane Freire

Da equipe do Correio

Adauto Cruz

A escola do Fercal capacita alunos em informática, com apoio do CDI O trabalho de empresas e organizações não-governamentais (ONGs) que tentam resolver o problema da exclusão digital no Brasil é, no mínimo, árduo. A meta dessas pessoas - a disseminação do conhecimento sobre informática e do acesso aos computadores e à Internet - está ainda longe de ser alcançada, tanto que ninguém se arrisca a prever quando o problema será resolvido. Mas, ainda assim, estas entidades têm o que comemorar quando avaliam o trabalho desenvolvido no último ano.

Hoje no Brasil, apenas 7% da população tem acesso à Internet. Cerca de 10% têm contato com PCs, seja no trabalho ou em casa. Ou seja, 90% dos brasileiros estão alheios à revolução tecnológica trazida pelos computadores e pela web. E, portanto, com cada vez menos condições de usarem o computador para se desenvolverem como pessoas e profissionalmente. Levando em conta todos os países latino-americanos, o retrato é ainda pior: 3,2% das pessoas têm acesso à web, enquanto na Europa essa proporção é de um internauta para cada três europeus.

Uma realidade que vai de encontro aos ideais românticos traçados décadas atrás, em que a Internet surgiria como a ferramenta capaz de democratizar a informação, colocando pobres e ricos em igualdade de condições para brigar no mercado de trabalho. ''Legiões de excluídos digitais estão se formando, e a tendência é que se crie uma nova casta social, com estas pessoas que estão à parte desta nova realidade'', diz Rodrigo Baggio, diretor-executivo do Comitê para Democratização da Informática (CDI).

Várias ONGs foram criadas, e muitas empresas desenvolveram programas sociais para tentar reverter a situação. O CDI, de Baggio, foi um dos pioneiros. Criada em março de 1995, a ONG já capacitou 170 mil pessoas de baixa renda em informática e criou 379 escolas de informática e cidadania em 19 estados brasileiros e no exterior. ''São escolas auto-sustentáveis, em que o aluno paga uma mensalidade de apenas R$ 10,00'', diz Baggio, que foi eleito líder global para o amanhã pelo Fórum Econômico Mundial pela iniciativa de fundar o CDI. Entre as empresas parceiras do CDI estão a Vale do Rio Doce, a Telefônica e a Souza Cruz.

Estrutura existente

No Distrito Federal existem 33 escolas do CDI. A última delas foi lançada na semana passada e vai funcionar na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), formando trabalhadores da agência encaminhados pelo Centro Salesiano do Adolescente Trabalhador (Cesam). ''As empresas têm informação e máquinas, mas muitos funcionários não têm contato com os computadores porque a função que exercem não exige isso deles'', diz Marcelo Costa, diretor-presidente do CDI-DF.

A Microsoft é outra grande empresa que tem contribuído para programas de combate à exclusão digital. Além de doar verbas para o CDI, a empresa de Bill Gates também viabiliza programas de capacitação, treinamento e informatização de escolas junto com o Sampa.org e o Instituto Ayrton Senna.

O mundo contra a exclusão digital

Organizações não-governamentais e até mesmo os países do G-8 desenvolvem iniciativas para tornar a informática acessível a todos

Ricardo Borba

Olga Fonseca, coordenadora do laboratório de informática da Escola Parque 210/211 Norte: micros são usados para aula de educação física Na área governamental, também são vistas algumas iniciativas. Recentemente, a prefeitura do Rio de Janeiro lançou o projeto Cidadania Digital, que prevê a instalação de 30 centros de treinamento em informática para as camadas mais pobres da população, nos mesmos moldes das escolas do CDI. A previsão é que R$ 500 mil sairiam dos cofres da prefeitura carioca para a compra de máquinas e mobiliário na fase de implantação do projeto. Dois programas se destacam na esfera federal: o Programa Nacional de Informática na Educação (Proinfo), lançado em 1997, e o desenvolvimento do computador popular, do começo do ano passado.

Estes são apenas alguns exemplos do que está sendo feito por empresas, governo e ONGs para reverter o problema da exclusão digital no país. Ainda não há números que indiquem os resultados dessas iniciativas, ainda muito recentes, mas já se percebem algumas vitórias nos últimos dois anos. ''Desde o ano passado, o tema exclusão digital entrou na pauta de discussão dos grandes organismos internacionais e governos, como uma prioridade para o desenvolvimento humano'', conta Baggio.

Em julho de 2001, o Grupo dos Oito (G8) - que reúne os líderes dos sete países mais ricos do mundo mais a Rússia - aprovou um plano para combater a chamada digital devide (exclusão digital), elaborado pelo grupo de estudo Digital Opportunity Task Force (dot.force), que reúne representantes dos governos do G8, organizações internacionais e organizações sem fins lucrativos.

O plano prevê a criação de estratégias de tecnologia da informação em cada país em desenvolvimento para melhorar o nível de vida população. O grupo foi criado há dois anos, durante a reunião do G8 no Japão. Recentemente, a exclusão digital também entrou na pauta de discussão da Unesco, Banco Mundial, ONU e Bid.

Outro indicativo importante é a inclusão de um índice de avanço tecnológico no relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) do ano passado. ''O relatório reconhece a inclusão tecnológica como um dos fatores mais importantes para o desenvolvimento humano'', diz Baggio, que faz parte do Dot.force.

Ainda assim, é cedo para comemorar. ''Isso não é suficiente, não será uma ONG, um governo e uma empresa que vão resolver um problema complexo como esse'', afirma Baggio. O número de excluídos é grande, e o abismo entre os que estão fora e dentro desta revolução tende a ficar cada dia maior.

Potência tecnológica

No relatório do PNUD sobre o índice de avanço tecnológico, o Brasil, que é hoje a nona economia mundial, ficou em 43º lugar entre 72 países pesquisados. Atrás de países como Panamá, Trinidad e Tobago e Romênia. O Brasil, de acordo com o relatório do Pnud, é visto como uma grande potência tecnológica, mas conseguiu uma colocação ruim porque esta tecnologia não chega igualmente a várias camadas da população.

Além disso, iniciativas importantes, como o Proinfo e o computador popular, ainda não alcançaram os resultados esperados. Até dezembro do ano passado, o calendário de repasses de verbas do Proinfo estava atrasado, e apenas R$ 113,2 milhões dos R$ 450 milhões prometidos haviam sido liberados. Dos 100 mil PCs que seriam entregues até 2001, os alunos das escolas públicas até agora só viram a cor de 23,4 mil máquinas. Até agora também nenhuma fábrica de computadores demonstrou interesse em produzir os computadores populares. (Tatiane Freire)

Computador nas escolas

''O mundo hoje é cada vez mais dependente da tecnologia''

Cláudio Salles

Diretor do Proinfo

Da Redação

Apesar de parecer uma realidade usual na vida de muitas pessoas, a informática ainda é um sonho distante para a maioria da população brasileira. Só quem tem poder aquisitivo razoável acha que e-mail é a coisa mais comum do mundo. A maioria dos alunos de escola pública, por exemplo, não tem acesso a um micro.

Em Brasília, fatos recentes apontam para essa situação. Existem 623 escolas públicas no Distrito Federal, sendo que 66 têm laboratório de informática, segundo dados da Secretaria de Educação. Do total, 251 apresentaram projetos para concorrer aos computadores do Programa Nacional de Informática na Educação (Proinfo), do Ministério da Educação. Dessas, 96 foram selecionadas. E dessas últimas, apenas 26 receberam as máquinas. Outras 50 conseguiram comprar micros por iniciativa própria, com dinheiro de doações e parcerias.

De qualquer maneira, as tentativas são válidas. O que não se pode fazer é ignorar a importância da informática. ''O mundo hoje é cada vez mais dependente da tecnologia'', afirma Cláudio Salles, diretor do Proinfo. Ele explica que, como a escola deve preparar o cidadão para o mundo, a informática é um aspecto que deve ser abordado durante o ensino.

Segundo Salles, os micros permitem que os estudantes tenham acesso à Internet, contato com língua estrangeira, comunicação interpessoal mais rápida por meio de e-mail e conhecimento de uma tecnologia existente no mercado de trabalho. Ele enfatiza, entretanto, que ''não se quer uma aula de informática, e sim uma aula com apoio da informática''.

Os computadores entregues recentemente pelo Proinfo têm processadores Pentium III, de acordo com Salles. São utilizados em associação às disciplinas comuns. Por exemplo: na Escola Parque 210/211 Norte, os micros são aplicados até em Educação Física. Táticas de futebol e regras de xadrez são mostradas aos alunos no monitor, segundo Olga Fonseca, coordenadora do laboratório de informática.

Em Artes, os estudantes utilizam um programa que monta histórias de teatro, criam histórias em quadrinhos, visitam sites de museus e até fazem releituras de obras de grandes mestres. ''Os alunos adoram vir para o laboratório'', conta Olga. Em média, eles têm aula com auxílio dos micros uma vez por semana, com duração de 1h20.

Caic

No Caic de São Sebastião, há 1.800 alunos. E dez computadores no laboratório. Até o ano passado, os estudantes só usavam os micros quando havia uma atividade programada. ''Alguns professores ainda têm resistência à utilização dos computadores'', afirma Aline de Souza, que coordena o laboratório. ''É o ser humano com medo do novo'', completa. Para mudar essa situação, as atividades com apoio dos PCs entrarão definitivamente na grade horária dos alunos neste ano.

O Centro de Ensino 7 da Ceilândia recebeu dez máquinas em 1999, segundo a diretora Rita de Cássia. Para tanto, apresentou um projeto ao Proinfo que envolvia informática para deficientes auditivos. No ano seguinte, ganhou mais sete micros, desta vez com um projeto apresentado ao Instituto Ayrton Senna. Hoje o laboratório da escola conta com 20 computadores.

Mas os colégios informatizados ainda são uma exceção. E o problema é que, segundo Cláudio Salles, ''a esmagadora maioria dos alunos de escola pública só terá contato com a tecnologia na escola''. Ou seja, os que não forem beneficiados a tempo pelo Proinfo e se formarem antes de suas escolas receberem os computadores poderão passar a adolescência inteira sem ter acesso à informática.

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