ROMANCES E MODINHAS

Os romances foram trazidos de Portugal com os colonizadores, adquirindo aqui características próprias.  No Nordeste, encontram-se ainda exemplos de romances em suas formas mais antigas, semelhantes aos originais medievais, com caráter épico-narrativo.  Popularizados pelos cantadores e pela literatura de cordel, abordam temas do cotidiano político, feitos absurdos e histórias de amor.  Diferem da modinha, entretanto,  porque esta em geral é  de domínio urbano e de fundo lírico, não conta casos, conta queixas e pensamentos abstratos, na maioria de referência amorosa; seu contorno melódico é fixo e pouco melismático, não permitindo muito espaço para a improvisação. O romance, pelo contrário, vem do domínio rural e tem fundo dramático, conta casos e histórias que fazem referência ao tempo, a pessoas e lugares; possui caráter melódico mais livre, improvisatório, assemelhando-se a um recitativo ou, melhor ainda, à  maneira de cantar dos menestréis medievais.  Alguns autores, entre os quais Sílvio Romero, consideram Gregório de Matos (1623-1696) como um dos precursores da modinha no Brasil.  Este autor refere-se ao célebre poeta baiano como “delicioso cantor de modinhas e tocador de viola”.  Na gênese da modinha com características brasileiras, o padre mulato Domingos Caldas Barbosa (1740-1800), brasileiro emigrado para Portugal, figura como uma referência fundamental.  Sua atividade musical fez furor na corte portuguesa no final do séc. XVIII, existindo testemunhos de sua particular habilidade de cantar e tocar a viola.  Publicou um livro, “Viola de Lereno”, em Lisboa (1798), onde constam suas modinhas, infelizmente sem a notação musical das melodias e do acompanhamento.  Uma grande parte das modinhas são de autores anônimos e foram transmitidas oralmente através de gerações de seresteiros, sendo finalmente anotadas, após vários processos de transformação, por algum douto estudioso.  Em nosso programa, ressaltamos este caráter informal das modinhas, escolhendo preferencialmente aquelas que permaneceram na memória musical popular, buscando resgatar o caráter ancestral destas peças, seja na forma de execução, seja no próprio arranjo musical.  Deixamos propositadamente de lado as modinhas conhecidas como “imperiais” ou “árcades”, que proliferaram nos salões da burguesia ao longo do séc. XIX.  Existe um grande número de modinhas desta época, atestando o enorme sucesso que faziam nos saraus das cidades.

O romance da Nau Catarineta é uma das partes mais importantes da Chegança de Marujos, nome adotado por Mário de Andrade para designar as danças dramáticas populares do ciclo da navegação, que celebram as lutas entre cristãos e mouros e sintetizam as inúmeras histórias de desventuras passadas no mar  pelos navegantes portugueses.    Andrade classifica o romance da Nau Catarineta como uma das mais belas criações líricas que conheceu e o mais conservado dos romances ibéricos entre nós.  Fornece-nos ainda uma precisa descrição histórica e uma bela sinopse do romance:  “Minha opinião de observador de estudos alheios é que o romance rapsodiado atual da Nau Catarineta é obra anônima, relativamente moderna, provavelmente completada, na sua integridade contemporânea, durante o séc. XVIII.  Deriva dum romance velho, do séc. XVI, que foi a grande época de constituição dos romances tradicionais. A mais antiga versão conhecida é a de Dionísio Carli, que muito provavelmente ainda guarda o assunto primitivo integral. (trata-se da descrição feita em “II Moro Transportato”, 1687, pelo frei capuchinho D. Carli sobre a “Nau Catarineta” presenciada por ele em um navio português).  Cantava o regresso das Colônias, duma nau chamada Catarineta que, surpreendia pela tempestade, desarvorada, navegou errabunda pelo oceano e teve fome a bordo.(...)  Nisto se descobriu terra, a nau se salvou e o seu Capitão foi recompensado”.  Quanto à melodia do romance, coletada pelo próprio Andrade, diz tratar-se de um “documento tradicional muito, muito antigo, muito mais antigo certamente que a melodia brasileira recolhida por Guilherme Pereira de Melo com esse romance.....  Meu sentimento é  que se trata de melodia anterior ao séc. XIX, portuguesa, de tempos porventura anteriores à caracterização nacional da música popular portuguesa”.

O romance da “Donzela Guerreira” recolhido por Roberto Benjamin, Bráulio do Nascimento e Altimar Pimente em Cabedelo, Paraíba, representa um registro fiel da permanência de um modelo de composição tipicamente medieval entre nós, vivo ainda na memória popular dos romanceiros do Nordeste.  A temática da mulher heroína e do compromisso desta em honrar o nome da família, através da vingança por justiça, ou da guerra por causa religiosa, e a conseqüente dicotomia do amor impossível de ser revelado em função da identidade falsa voluntariamente assumida, é  uma das causas da permanência deste romance no arquétipo do contador  de histórias nacional.  Não é por acaso que Guimarães  Rosa, no “Grande Sertões – Veredas”, veste Diadorim de donzela guerreira, traduzindo este arquétipo para a literatura maior que o Brasil já teve.

Texto e pesquisa musical: Luiz Henrique Fiaminghi

“Música no Mosteiro”

“Nau de Todos os Cantos”

Romances e Modinhas

Ana Leonor Pereira

Soprano

Richard Prada

Tenor

Luiz Henrique Fiaminghi

rabecas brasileiras

Regina Albanez

Violão, viola de arame e guitarra barroca

15 de dezembro de 2001, sábado, às 20h30min

Mosteiro de São Bento – Vinhedo

Rua do Observatório, 138 – Vinhedo – SP

Realização: Sociedade Bach / Colaboração: Mosteiro de São Bento – Vinhedo - SP