Danças gauchescas

Correio Braziliense

Brasília, quinta-feira,

31 de janeiro de 2002

Danças gauchescas

Polêmica nos pampas gaúchos: danças típicas do estado viram tema de debate entre o folclorista Paixão Côrtes e o presidente do Movimento Tradicionalista Gaúcho, Manoelito Savaris

Da Zero Hora

O folclorista Paixão Côrtes, um dos patronos do movimento tradicionalista, fez um levantamento e descobriu que existem 70 tipos de bailado. O homem que serviu de modelo para a escultura do Laçador, em Porto Alegre, lamenta que menos da metade dessas danças seja aceita nas competições promovidas pelos 1.425 Centros de Tradições Gaúchas (CTGs) espalhados pelo estado. ''Isso limita o enriquecimento cultural, artístico, coreográfico e musical'', diz.

O Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG) - federação que congrega os CTGs - estabelece apenas 25 danças para serem interpretadas durante o Encontro de Artes e Tradição Gaúcha (Enart), importante festival que se realiza a cada ano em todo o Rio Grande do Sul e do qual participam todos os centros de tradições.

O MTG deve tudo ao grupo do folclorista Paixão Côrtes, que criou a associação por volta de 1947. ''Não há motivo para entrarmos em polêmica'', contemporiza o presidente do movimento, Manoelito Savaris. O dirigente explica que a limitação é relativa. Lembra que antes somente 18 tipos de danças eram reconhecidos; logo depois, o número subiu para 21 e acabou chegando a 25. ''Nada impede que sejam inseridas mais modalidades'', admite.

Mas a crítica de Côrtes vai além do número de danças que ele pesquisou e que extrapola em muito as aceitas pelo Enart, vitrina do bailado tida como uma competição preciosa para estimular o exercício da tradição da dança gaúcha. O folclorista - depois de ir a campo investigar, registrar os detalhes de cada dança vigente e editar um livro - reclama também outros fatores que envolvem a dança gaúcha praticada no estado: ''Estão robotizando, mecanizando os movimentos coreográficos. Estão deixando de lado a espontaneidade'', diz. E completa: ''As pessoas pensam que caminhar e marchar é dançar. As pessoas pensam que bater o pé no chão é sapatear. É preciso saber dançar, é preciso saber sapatear, é preciso saber vestir-se''.

Pesquisas

Paixão Côrtes, há 50 anos trabalhando com o folclore gaúcho e considerado um ícone do movimento tradicionalista, diz que sua missão é pesquisar, documentar e fazer chegar as informações às mãos de quem se interessa pela cultura gauchesca. ''Por incrível que pareça, tenho encontrado apoio em CTGs de fora do estado. Paraná e Paraguai são dois exemplos. Quanto às informações levantadas, acho que elas devem chegar à população em geral. Por isso, tenho doado meus livros às bibliotecas públicas, secretarias de educação, de turismo, museus''.

Manoelito Savaris, por sua vez, reconhece que, na área de dança, há uma discordância quanto à forma de execução dos passos, mas não deseja alimentar a polêmica. ''O que interessa é que as danças são revividas diariamente, e se não fosse o MTG estariam esquecidas''. O presidente lembra que o tempo vai modificando alguns aspectos e que a própria vestimenta está mudando. Da mesma forma, a maneira de tocar música. ''Até o final do século 19, usava-se viola, gaita, pandeiro e reco-reco. Hoje, incorporou-se a bateria, a guitarra, o violão''.

Côrtes não nega a passagem do tempo como elemento modificador de características levantadas em pesquisas histórico-folclóricas, porém diz que existem elementos que não podem ser descartados: ''A identidade e a alma de uma manifestação cultural devem ser preservadas''.

Para o presidente do Movimento Tradicionalista Gaúcho, a polêmica não deve centrar-se no fato de uma aba de chapéu ser mais curta ou mais larga, uma bota mais curta ou mais alta, mas em algo mais importante. ''Hoje, existem 1.425 CTGs no Rio Grande do Sul, 2.284 em outros estados e seis no exterior. Somos 1,1 milhão de sócios, pessoas que seguem o tradicionalismo como uma filosofia de vida. A dança é apenas um instrumento de relação social, assim como a trova, a declamação. Nosso objetivo é a relação. Uma polêmica centrada na dança não interessa''.

Alguns tipos de dança

TIRANA-DO-OMBRO

Original criação coreográfica do conjunto folclórico Tropeiros da Tradição, alicerçada em investigação musical e inspiração temática folclórica do passado. No tema, destacam-se o canto sentimental e lânguido do intérprete e a mesura amorosa entre o par, aproximando os ombros e o sapateio vibrante e conquistador do cavalheiro, diante de fugazes movimentos da prenda

HAVANEIRA SAPATEADA

Sabe-se que o tradicional gênero da havaneira (Habanera Cubana) tomou lugar de destaque nos salões de chão batido dos ranchos campestres no final do século 19. O par dança enlaçado e, em determinado momento musical, o cavalheiro desenvolve seu sapateio, unido à dama, individualmente.

VALSA-DE-MÃO-TROCADA

Tradicional gênero músico-coreográfico que chegou à terra farroupilha no início do século 19. É desenvolvida graciosamente entre cada par, em si, e, quando em ambiente, com grandes e experientes dançantes, na disposição da roda.

POLCA MANCADA

Dança de par individual em que o cavalheiro, embora com a dama enlaçada pela cintura, executa vivo bate-pé continuado, que sonoramente lembra o curioso andar de um cavalo mancando. Há vestígios dos sapateados fandangueiros de antigamente. Foi popular no meio rural rio-grandense no final do século 19. As investigações prenderam-se

AMERICANA

Baile do ciclo de temas de conjunto correspondente ao período das quadrilhas e lanceiros dos primórdios do século 19. Motivo cerimonioso em que há troca de lugares entre os dançarinos e entre os pares. Música específica com quatro partes. Não existe canto.

CHICO DO PORRETE

Participação só de homens. Por meio de movimentos de passar bastão por entre as pernas, por uma mão e outra, e sapateios, traduz habilidade e vigor físico do dançarino. Baile biriva (habitante da região serrana do RS) do ciclo antigo do tropeirismo de mula que interligava o RS às áreas rurais do centro do país. Modalidade pesquisada em 1961 em São Francisco de Paula e rincões do ir-e-vir das comitivas de tropas de mula na Encosta da Serra do Mar.

VALSA DO PASSEIO

Tema de coreografia coletiva, específica, cujo gênero musical é a tradicional valsa, entremeada de movimentos característicos dos pares, em conjunto, com passeio adequado de cada par, de braço, pelo salão. Não foi encontrada letra cantada. Foi apreciadíssima na região de Montenegro, Taquara e Depressão Central.

GRAXAIM

Motivo vivo musi-coreográfico que animou os galpões e bailongos pastoris dos primeiros decênios do século 20, na região dos Campos de Cima da Terra. Deu razão ao surgimento de alegre e sacudido tema dançante e de rica décima, cantada, inspirada na figura do mamífero silvestre que tem popularmente esse nome. Baile de par enlaçado do folclore, com mais de uma música com esse título.

SARNA

Dança hilariante em que o par relaxa o estar enlaçado e coça-se de forma individual. Eventualmente, há liberdade de ação, que pode ir do caricato espirituoso à representação imoral.

FRASE

''A dança é apenas um instrumento de relação social, assim como a trova, a declamação''

Manoelito Savaris

Presidente do MTG

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