Unidos contra as drogas

Correio Braziliense

Brasília, terça-feira,

29 de janeiro de 2002

Unidos contra as drogas

Grupo coordenado por psicólogos da UnB reúne adolescentes infratores, familiares e técnicos das instituições responsáveis pela guarda dos menores. A iniciativa quer dar ampla condição de readaptação dos jovens à sociedade

Carolina Nogueira

Da equipe do Correio

Ricardo Borba

O grupo, criado pelo juiz José Carlos D'Ávila, surgiu para melhorar a integração dos agentes que lidam com o jovem em recuperação Daniel tem 18 anos de idade. Passou dois meses e seis dias de Caje. Há 11 meses cumpre regime de semi-liberdade no Gama, sob os cuidados da Justiça. Quando estava nas ruas, Daniel participou de assaltos à mão armada. Roubava dinheiro, som de carro, casa. Nas suas próprias palavras, ''roubava por inveja'', porque desejava a riqueza que sobrava para os rapazes mais abastados da sua idade. Na sua incursão pelo crime, Daniel tinha uma companhia: ele era viciado em drogas.

Daniel é um dos muitos garotos atendidos pelo sistema montado para reinserir jovens infratores à sociedade. Mas o rapaz magrelo, de sorriso aberto, não tem só essa face. Para uma senhora chamada Beatriz, moradora do Gama, ele é seu filho mais velho, querido, que se envolveu com quem não devia. Na avaliação da assistente social Régia, que cuida dele na casa da semi-liberdade, no Gama, Daniel é um rapaz simpático e trabalhador, que está se reencontrando após a incursão pela criminalidade.

Do ponto-de-vista de psicólogas da Universidade de Brasília (UnB) que o acompanham, Daniel é vítima de uma série de interferências externas que o levaram a ter um comportamento marginal. Essa conjunção de definições - sobre jovem infrator, filho, adolescente, excluído social - é que começa a ser vista de maneira mais ampla e menos setorizada.

A concepção do jovem drogado e infrator como uma pessoa completa - que sofre influências externas de várias esferas, das quais dependem sua mudança de comportamento - é o objeto de trabalho de um grupo de professores e pesquisadores da UnB. No ano passado, eles criaram um núcleo de atendimento psicológico, com o desafio de reunir os vários agentes que atuam na vida dos adolescentes envolvidos com delinqüência e drogas.

Nos encontros, o jovem, a família, técnicos das instituições de guarda de menores e até juízes que acompanham processos da Vara de Infância e Juventude expõem as dúvidas e anseios, debatem problemas e soluções, vários lados da mesma moeda. Todos unidos para encontrar a melhor maneira de reinserir o jovem no meio social.

''Jogar o adolescente numa cadeia não adianta nada. O sucesso da medida socioeducativa é resultado de um somatório: punição com reinserção do adolescente na sociedade e ainda com a reconciliação do jovem consigo mesmo'', acredita a professora e coordenadora do Programa de Estudos e Atenção às Dependências Químicas (Prodequi) da UnB, Maria Fátima Olivier Sudbrack.

O grupo foi formado a pedido do juiz José Carlos D'Ávila, da Vara da Infância e Juventude. Ele identificou, numa sentença que proferiu, a necessidade da integração de todos os agentes que lidam com o jovem no processo de recuperação. A UnB apoiou a idéia e organizou o grupo. Foram oito reuniões - uma por mês - realizadas no Espaço Cultural Renato Russo (508 Sul).

No início, eram 78 famílias, colhidas no Caje, na Casa de Semi-liberdade e na própria Vara da Infância. De orientações jurídicas a emocionados testemunhos de vida, passando por muitas trocas de experiências, as sessões culminaram numa união entre as pessoas envolvidas e num nível de satisfação muito maior do que o esperado pelos organizadores. Das 30 famílias presentes na festa de encerramento, em dezembro, todas pediam a continuidade dos trabalhos.

''Até por ser um grupo tão heterogêneo, não contávamos que haveria esta união. A experiência foi mais rica do que calculávamos, as famílias se uniram de tal forma que passaram a fazer encontros fora dos previstos inicialmente'', conta Maria Lizabete de Souza Póvoa, psicóloga da UnB que coordenou o trabalho com as famílias. O resultado é a demanda do grupo por mais reuniões. ''O crescimento foi muito grande. Já estamos nos reunindo para acertar a retomada dos trabalhos este ano'', planeja a professora Fátima.

Além da melhoria nas relações familiares e sociais dos jovens, ela destaca ainda a importância do trabalho de pesquisa que se realiza dentro do grupo. ''As observações feitas aqui viram documentos, embasamento teórico que pode ajudar outras pessoas, futuramente, a lidar com o problema'', ressalta a professora.

ONDE PROCURAR AJUDA

Hospital Universitário de Brasília (HUB) - Atendimento médico a alcoólatras e usuários de drogas. De segunda à sexta, das 8h às 17h30. Telefone: 307-3223 Ramal 434

Adolescentro - A instituição, ligada à Secretaria de Saúde do DF, atende pais que tenham filhos de até 18 anos envolvidos com drogas. Telefone: 242-1447

Programa de Estudos e Atenção às Dependências Químicas (Prodequi) - Informações: 224-9471

Os nomes dos adolescentes e das mães citados na reportagem foram substituídos

Depoimentos

Daniel Oliveira, 18 anos,

Interno da Casa de Semi-liberdade do Gama

"Eu venho no grupo porque acho importante mudar minha postura. Adolescente é fraco, qualquer coisa que passa pela cabeça ele vai e faz besteira. No grupo, a gente recebe orientação, aprende como agir. Hoje, se eu sou discriminado, aprendi a não dar a mínima. Posso dizer que já mudei por dentro, agora quero mudar de vida. Quero estudar e trabalhar, meu pai está vendo um curso para mim de reparador predial. E tem mais: agora eu sou de maior, não é? A coisa muda de figura. Se eu for pego, não é mais Caje, não. E eu não quero ir para a Papuda. Tem um tanto de colega meu que está lá e eu não quero fazer companhia para eles, não''.

Vilma Oliveira, 60 anos,

Dona de casa, mãe de um interno do Caje

''Eu reaprendi a viver com esse grupo. Fui muito bem recebida e muito bem orientada. Depois que as mães se uniram, depois que a gente recebeu orientação, você pode ver que o nível de rebeldia dos meninos diminuiu. Tudo mudou. É porque a gente agora sabe o que fazer, como dar orientação para eles''.

Claudete Moura, 42 anos,

Dona de casa, mãe de um interno do Caje

''Eu encontrei outra família. Em casa, sozinha, o problema parece maior, parece que eu sou a única pessoa do mundo que tem de lidar com essa situação, de ter um filho desencaminhado. Para quem tem outros filhos, é bom também que a gente recebe orientação para não deixar os outros seguirem esse caminho. Eu levo meus outros filhos ao Caje para conversar com o mais velho, para eles verem o que está acontecendo''.

Rocilda Régia de Medeiros Nunes,

Agente social da Casa de Semi-liberdade

''Eu agucei a minha sensibilidade para o problema com o qual eu lido todos os dias. Estou há 20 anos ali, cuidando daqueles meninos. Se você não pára para pensar no que está fazendo, começa a executar tudo mecanicamente. No grupo, estou vendo a ânsia de cada mãe em resgatar cada um de seus filhos''.

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