Quais são as raízes da violência

Correio Braziliense

Brasília, domingo,

03 de fevereiro de 2002

Quais são as raízes da violência?

Dr. MÁRCIO LISBÔA

dr.lisboa@bol.com.br

Cartas para o dr. Márcio Lisbôa devem ser enviadas para Correio Braziliense - Redação - SIG Quadra 2, Lote 340, Brasília, DF. CEP: 70.610-901 Com apenas um assunto. É preciso mandar nome, endereço e telefone para contato.

''Quais são as raízes da violência?''

Paulo, Lago Sul

Qualquer pediatra ou psicólogo, mesmo os menos dotados, sabe que o temperamento violento pode ser herdado ou adquirido. A herança pode ser responsabilizada por um pequeno contingente de indivíduos com comportamento anti-social, atribuindo-se aos fatores ambientais, atuando sobre indivíduos suscetíveis - geralmente crianças com menos de 6anos - a maior responsabilidade.

Os psicólogos e os pediatras aceitam que até 3 anos, ou no máximo 6, a criança tenha estruturado sua personalidade, por ter passado por vivências suficientes para isso. Dizem que, do ponto de vista da personalidade, do caráter e do comportamento, somos o que éramos aos 6 anos. Se essa afirmação é verdadeira, como tudo indica, as medidas para prevenir os comportamentos anti-sociais terão que ser tomadas antes dos 6 anos, preferencialmente antes dos 3.

Para Kramer, existe uma fórmula infalível para implantar na criança, rica ou pobre, o que eu denomino a ''semente da violência'', ou seja, predispô-la para se tornar um delinqüente. ''Eis como você cria uma criança violenta: ignore-a, humilhe-a e provoque-a. Grite um bocado. Mostre sua desaprovação a tudo o que ela fizer. Encoraje-a a brigar com irmãos e irmãs. Brigue bastante, especialmente no sentido físico, com seu parceiro conjugal na frente da criança. Bata-lhe bastante.

Se isso tudo não resolver, coloque-a em frente à televisão e dê-lhe carta branca para assistir a todos os espetáculos violentos que haja em disponibilidade''. Eu adicionaria: ameace-a, castigue-a, engane-a, minta-lhe, seja permissivo, ensine-a que o mundo é dos ''vivos'', vangloriando-se diante dela de atos de que deveria se envergonhar. Se isso não for suficiente, coloque-a em frente à televisão para assistir a novelas em que desestruturação familiar é mostrada como um ganho social, as safadezas, as imoralidades e os atentados ao pudor são mostradas como acontecimentos moralmente aceitáveis.

Hoje está sobejamente comprovado que a qualidade dos cuidados parentais que as crianças recebem nos primeiros anos de vida, desde a concepção, é de fundamental importância para sua saúde mental futura. É necessário que elas tenham a vivência de uma relação íntima, contínua e calorosa com suas mães (biológicas ou substitutas, que desempenhem o papel de mãe para ela), que seja prazerosa para ambos.

É essa relação nos primeiros anos de vida, enriquecida de inúmeras maneiras pelas relações com o pai, irmãos, avós, que os psiquiatras infantis, psicólogos e pediatras, julgam estar na base do desenvolvimento da personalidade, do caráter e da saúde mental. Considera-se ''privação materna'' quando, com ou sem a presença da mãe, a criança não encontra esse tipo de relação amorosa, atenciosa e segura. Entretanto, se alguém assumir o
papel de mãe, tratando a criança com carinho, as manifestações da privação serão mais suaves.

As crianças institucionalizadas - orfanatos, creches, centros de triagem para adoção, hospitais - onde não exista alguém que cuide delas de uma forma pessoal, dando-lhes carinho e segurança, poderão sofrer os efeitos da privação: angustia, grande necessidade de amor, fortes sentimentos de vingança e, conseqüentemente, de culpa e depressão. A reação a esses sentimentos pode resultar em distúrbios emocionais e em uma personalidade instável. A privação materna total pode produzir graves danos na formação da personalidade, podendo tornar a criança incapaz de estabelecer relações com outras pessoas.

Bowlby cita um estudo realizado na Inglaterra, com 102 adolescentes infratores reincidentes, no qual ficou demonstrado como as angústias e relações insatisfatórias na primeira infância predispõe a reações anti-sociais diante das tensões. Separar uma criança de menos de 3 anos de sua mãe envolve riscos de tal ordem que só deverá ser feito se houver motivos muito fortes para tal. Os efeitos danosos para o desenvolvimento da personalidade vão depender da idade em que a criança ficou privada dos cuidados maternos (quanto menor, pior), do tempo e do grau em que eles faltaram.

Para Bowlby, a causa que mais contribui para formar delinqüentes é a privação materna. Os maustratos recebidos pelas crianças até 6 anos - a violência doméstica - e a privação materna, são os fatores que mais contribuem para a formação de comportamentos anti-sociais e, conseqüentemente, para o aumento da delinqüência.

Com tristeza, vi que no Programa de Combate à Violência do governo federal, e nos três estaduais, não existe nenhuma ação dirigida para preveni-las. Aumento do efetivo policial, melhoria do salário dos policiais, viaturas, armamento moderno, carros novos, iluminação elétrica, construção de penitenciárias são ações ''curativas'', não atingem a raiz do problema, não irão diminuir os crimes.

© Copyright CorreioWeb Fale com a gente Publicidade