"Fraternidade e Povos Índigenas"

Correio Braziliense

Brasília, quarta-feira,

13 de fevereiro de 2002

''Fraternidade e Povos Indígenas''

A Campanha da Fraternidade nos convida a reconhecer os valores das diversas culturas e a nos abrir a eles

Dom Raymundo Damasceno Assis

A Igreja no Brasil promove, nesta Quaresma, a 39ªCampanha da Fraternidade - CF. O tema é ''Fraternidade e Povos Indígenas'', e o lema ''Por uma terra sem males''. A CF realiza-se durante a Década Internacional dos Povos Indígenas (1995/2004), instituída pela Assembléia Geral da ONU.

Com a CF, a Igreja deseja interpelar governo e sociedade sobre a difícil situação dos indígenas. Convida-nos a defender-lhes os direitos - especialmente o direito à terra - e a respeitar-lhes o desenvolvimento cultural. Cuida de promover o cumprimento do art. 231 da Constituição Federal, que reconhece aos índios ''sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam''.

A Campanha da Fraternidade quer fazer refletir sobre as raízes da nação. E também sobre o processo de colonização do Brasil, que, com seus problemas - entre outros, a busca desenfreada de riquezas por parte dos colonizadores, o encontro violento destes com as comunidades indígenas e as lutas entre índios de etnias diversas - provocou a marginalização e a destruição de grande parte das populações autóctones. Reconhece-se que, no processo de dizimação dos índios, houve a responsabilidade também de membros da Igreja, pois nem todos eles ''estavam à altura de sua responsabilidade de cristãos''. Não se pode deixar de reconhecer, porém, o trabalho incansável em defesa da cultura indígena e contra a escravidão dos índios, do padre Manoel da Nóbrega, do beato José de Anchieta e do padre Antônio Vieira e, no âmbito da colonização espanhola, dos freis Bartolomeu de Las Casas e Antonio de Montesinos, além de tantos outros ''intrépidos combatentes da justiça e evangelizadores da paz'' (Puebla, nº 8).

A partir do Concílio Vaticano II e das Conferências Gerais do Episcopado Latino-Americano (Medellin, Puebla e Santo Domingo), a Igreja tem-se empenhado ainda mais em assistir as populações indígenas que se tornaram cristãs, bem como em promover o diálogo inter-religioso e cultural com os demais povos indígenas, apoiando-os na luta pelo direito à terra e pelo próprio desenvolvimento cultural. Na mensagem de abertura da CF, João Paulo II afirma: ''A Igreja permanecerá sempre ao lado dos que sofrem as conseqüências da pobreza e da marginalização, e seguirá estendendo sua mão materna aos povos indígenas para colaborar na construção de uma sociedade onde todos e cada um, criados à imagem e semelhança de Deus (Gn 1, 26), vejam respeitados seus direitos, tendo condições de vida conforme sua dignidade de filhos de Deus e irmãos em Jesus Cristo''. ''A Igreja - acrescenta o papa - quer introduzir o Evangelho nas culturas dos povos, transmitindo-lhes sua verdade, assumindo, sem comprometer de modo algum a especificidade e a integridade da fé cristã, o que de bom existe nessas culturas e renovando-as a partir de dentro (Redemptoris Missio, 52), levando a todos a mensagem de salvação realizada por Cristo''.

Há muito a fazer pelos índios: 68% de suas 771 áreas não foram ainda totalmente demarcadas; em 178 territórios, o processo sequer foi iniciado. É também grave a situação da saúde deles. É preciso acompanhar, no Congresso Nacional, o projeto do novo estatuto para os povos indígenas, para que ele corresponda às suas necessidades.

O Brasil é um país pluricultural e plurirracial. É autêntico tapete de etnias e culturas. É mirando essa situação que a CF nos convida a reconhecer os valores das diversas culturas e a nos abrir a eles, para, juntos, construirmos uma ''terra sem males'', uma sociedade justa e solidária, antecipação do Reino definitivo.

Raymundo Damasceno Assis, Bispo auxiliar de Brasília, é secretário-geral da CNBB

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