Ainda a Amazônia

Ainda a Amazônia

Por Parsifal Pontes - Diário do Pará em 26/12/2001

O jornalista Lúcio Flávio Pinto,  no n°  27 do seu Agenda Amazônica,   aprofunda a resposta que me enviou, e foi publicada nesta coluna, sobre a sua posição quanto à internacionalização da Amazônia.

Tal discussão  nunca  foi  feita,  de forma sistemática, nem aqui nem   alhures.  Dizem que lá pelo Norte da América, se discute e até se planeja o  assalto da floresta. Ao meu ver a coisa nunca passou de folclore, como os  últimos  e-mails  que  rodaram  o Brasil, falando de uma certa escola estadunidense  que estaria a ensinar aos sobrinhos do Tio Sam que o verde vago  mundo,  cada  vez  menos  vago e nem tão mais verde, já era reserva internacional.  Mas  de  que  assalto nós estamos falando? Já existe um assalto e uma pilhagem sendo sendo  feitos  na floresta, por nós mesmos, os brasileiros.

Procede o parecer de Lúcio Flávio quando, ao defender um projeto   amazônico, advoga a construção de um saber peculiar à região, que até   hoje não foi pensado. Parece-me, todavia, temerário sair atrás do capital internacional  para que este nos ajude a construir este saber, com a finalidade de elaborar uma política de política de exploração das riquezas que possuímos.

O Brasil enxerga a Amazônia como uma simples fornecedora de matéria prima. A preocupação ambiental com a região é apenas cosmética: provam isto os míseros 2% da verba nacional, investidos em Ciência e Tecnologia na região.

As universidades da região, que deveriam ser os agentes provedores da  inteligência amazônica, estão vendendo o almoço para comprar a janta, em um processo de sucateamento assustador.

Os estados que compõem a Amazônia nunca se preocuparam em, de maneira conjunta,  traçar uma política para descolara região da situação de simples garimpo do resto do país: acham, talvez, que a floresta ainda agüenta uns100 anos desta exploração irresponsável e que ferro, ouro ou salobo  nascem de novo, tipo juquira nas invernadas, depois que deixaram vir abaixo as castanheiras.

O  IBAMA finge que fiscaliza  e o madeireiro finge que é fiscalizado e   quando  a  coisa  aperta um pouco correm para Brasília, em busca de algum   representante  do  povo  que  sossegue  o  leão e tudo volte ao normal. O normal  é  derrubar a mata dia e noite no verão para fazer estoque para o inverno.

O  maior  patrimônio  amazônico, a sua biodiversidade, que é renovável e,   segundo  especialistas,  avaliado  em  quase  2 trilhões de dólares, está sistemática  e  clandestinamente sendo levado embora sem qualquer tipo de compensação  financeira:  somos  ruins  até para vender as pedras que não sabemos  transformar  em ouro. E temos que ficar ouvindo, já há seis anos seguidos, discurso de mudança de base produtiva, de pessoas que se julgam donos da solução paraense.

E neste samba do crioulo doido, a ópera bufa amazônica faz fumaça a ferro   e  fogo.  Nesta  conjuntura  angustiante  não há os elementos que o Lúcio Flávio  julga  imprescindíveis  para que nós consideremos a possibilidade proposta na tese, de buscar cooperação internacional para a construção de um  projeto  que  mude o tom da música, porque não teremos nenhum grau de controle  nas  variáveis  envolvidas.  Em  primeiro  lugar  é necessário conquistarmos o manejo deste controle para só então entrar no ringue.

Primeiro  temos  que chamar o Brasil para discutir a Amazônia. Primeiro o   Brasil  precisa  conhecer  a  região  e aprender a investir nela, para só então pensarmos em buscar cooperação internacional, pois esta jamais será ofertada com uma mão, sem ter a outra afanando o que puder encher.

Mas, eis que nos deparamos com um paradoxo: sem a cooperação  internacional  consentida,  o  capital internacional já pilha a Amazônia; com a cooperação internacional consentida a pilhagem será institucionalizada. A meio termo, na equação, estamos nós, os brasileiros, a pilhar mais que as duas assertivas anteriores juntas.

Poder-se-ia concluir então que a questão flagrante não está lá fora, mas   aqui  dentro.  Não  vale  a argumentação de que o que está a ocorrer aqui dentro  é  fruto  de  uma  política elaborada lá fora: isto seria negar a nossa  soberania  sobre  a região ou ratificar a falta de capacidade para testar a hipótese de aceitar a cooperação internacional.

As  dúvidas,  as  inconclusões,  e  até os anacolutos, ratificam a lacuna   enorme  que  existe  no mundo acadêmico amazônico e tornam verdadeiras as   afirmações  de Lúcio Flávio a respeito do tratamento que os políticos têm   dado à questão: nenhum, exceto o discurso.

Isto  também  revela  a  enorme  distância  mantida  entre o político e o   acadêmico:  este  deveria dar o norte, aquele deveria abrir o caminho que   ambos,  com  a  sociedade,  trilhariam. O primeiro, todavia, está perdido   dentro  da  sua própria academia e o segundo, infelizmente, vítima do seu   próprio varejo eleitoral, nunca tem tempo para um projeto amazônico, pois   a próxima eleição sempre está à beira e ele, nela, precisa se reeleger ou   fazer  o seu sucessor. A mudança radical nas atitudes de todos, incluindo   aí  a  sociedade,  seria,  de  fato uma solução, mas, pode também ser uma   quimera.  Não que eu tenha dado adeus às ilusões, mas, por constatar que,   cada vez mais se torna mais difícil pescá-las.

Quanto  a  Tucuruí, meu caro Lúcio, a história poderia até parecer outra,   mas acaba sendo a mesma. Porém, à guisa de falta de espaço, oportunamente   vamos  abordá-la,  para  que, a exemplo do que disse Caetano, do toque do   que algumas pessoas fazem e dizem, tornar New York algo assim como Paris,   o  que  se  precisa  fazer agora é tentar evitar que Belo Monte seja algo   assim como Tucuruí.

Parsifal Pontes é prefeito de Tucuruí - PA.

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