As curas de Paulina

Correio Braziliense

Brasília, terça-feira,

26 de fevereiro de 2002

 As curas de Paulina

Para santificar a madre, o Vaticano teve que comprovar dois milagres

Freddy Charlson

Da equipe do Correio

A vida de madre Paulina do Coração Agonizante de Jesus não foi nada fácil. Infância pobre, trabalho na roça, cura de doentes, humilhação dos superiores religiosos, diabetes, gangrena, braço amputado. Assim como também não foi fácil a trajetória da causa defendida pela irmã Célia Cadorin. Afinal, para ser considerado santo pelo Vaticano é preciso que os fiéis comprovem dois milagres alcançados graças à intervenção do santo. O que aconteceu com Paulina, que mudou-se para Nova Trento (SC), em 1875, depois de viver os primeiros nove anos de vida em Vigolo Vattaro, em Trento, Itália.

O primeiro milagre de Paulina reconhecido pelo Vaticano foi a cura da ''miraculada'' (termo usado pela Igreja para indicar o beneficiário de um milagre) catarinense Eluíza Rosa de Souza, hoje com 59 anos. Desde a primeira gravidez, aos 17 anos, ela passou a ter anemia crônica. As irmãs da Imaculada Conceição, congregação fundada por madre Paulina em 12 de julho de 1890, cuidaram da garota. No nono mês da sexta gravidez, depois de dois abortos, Eluíza descobriu que o feto estava morto há 150 dias. Teve hemorragia e parada cardíaca quando retirou a criança. O médico decidiu que ela morreria no quarto.

As freiras puseram uma medalha com a foto e um pedaço da veste de Madre Paulina no peito de Eluíza, internada com afibrinogenemia (mal que impede a coagulação do sangue) e passaram a noite rezando. Eluíza ficou curada. E o médico já havia mandado o marido de Eluíza comprar o caixão. Depois de um processo eclesiástico que durou 25 anos, em 1989 o Vaticano reconheceu como milagre a cura. Paulina foi beatificada em 1991. Mas outro milagre seria preciso para que ela pudesse se tornar a primeira santa do Brasil.

Má formação congênita

E eis que ele - o milagre - aconteceu. Em 1992. No caso, a miraculada foi Iza Bruna Vieira de Souza, hoje com 9 anos, moradora de Rio Branco, no Acre. Iza nasceu com uma bolha do tamanho de uma laranja na cabeça. Restos cerebrais devido à má formação congênita. Cinco dias depois, passaria por uma operação. No caminho para a sala de cirurgia, Francisa Mabel, 27, mãe de Iza, colocou um retrato de madre Paulina na mão do bebê. A mãe é devota de madre Paulina há 11 anos, desde 18 de outubro de 1991, quando o papa beatificou a religiosa. ''Vimos ele na TV falando de madre Paulina e eu e minha mãe resolvemos rezar para ela'', conta Mabel. A reza deu certo. Iza sobreviveu. Teve febre, convulsões, três paradas cardíacas, mas sobreviveu. O neurocirurgião Carlos Emílio Carrasco - que operou a menina - disse que a Medicina não poderia fazer mais nada. Um padre - Alécio Azevedo, que celebrara missas na Capela da Madre Paulina em São Paulo - foi chamado para batizar o bebê, em coma há dias. A mãe não queria que Iza morresse pagã.

Quando jogou água sobre a menina, ela se mexeu, fez xixi. Chorou. Quinze dias depois, sairia do hospital, faria exames e seria alvo de orações organizadas pela avó Zaíra de Oliveira, 53. ''Fui pagar uma promessa na igreja e a levei. Lá estava o padre que a havia batizado. Ele nos chamou para eu contar sobre o milagre'', lembra Mabel. Dias depois, o padre mudou-se para São Paulo. Lá, contou tudo à irmã Célia Cadorin.

O tribunal eclesiástico foi montado e entrevistou família, médicos, familiares, meio mundo. Em 1999, cinco peritos reconheceram o milagre (o órgão recomendou esperar para saber se haveria seqüelas). Madre Paulina já podia ser santa.

Hoje, Iza é saudável. Cursa a 5ª série, pesa 40 kg, estuda espanhol e computação, detesta matemática, adora feijão e é tímida. Sabe do milagre, mas evita comentar. Reza para Paulina e estuda catecismo com livros ganhos da irmã Célia. Privilegiada, talvez faça a primeira comunhão com João Paulo II, na solenidade de canonização de Paulina.

Graça alcançada

''Estou feliz, foi uma graça alcançada. Madre Paulina tem que ficar no altar. Queremos mostrar que ela é uma santa poderosa'', fala a mãe da miraculada Iza, sobre a religiosa que fundou a Congregação das Irmãzinhas da Imaculada Conceição quando passou a cuidar, em um casebre, de uma senhora que sofria de câncer.

Doente e cega, madre Paulina morreria na madrugada de 9 de julho de 1942, depois de cuidar de ex-escravos, assumir um hospício em São Paulo, fundar um asilo em Bragança Paulista, sofrer com a diabetes, ter gangrena, perder um dedo, uma mão e parte do braço. Tinha 76 anos. Na época, já tinha fama de santa entre os católicos, mas o processo - escrito em português e traduzido para o italiano - foi custeado pelos devotos de Trento, Itália.

Uma história que a catarinense Eluíza e a acreana Mabel (a mãe de Iza) sabem de cor e salteado. Não à toa, afinal Eluíza foi curada da tal afibrinogenemia. E Mabel teve a filha, nascida com má formação congênita, salva. ''O milagre está aqui. Acorda, come, vive e dorme ao meu lado. É só pedir e rezar para madre Paulina que a graça será alcançada'', acredita Mabel. Mais do que ninguém, ela - e Iza e Eluíza - têm razão para acreditar.

Nova Trento vive dias de festa

Da Redação

Com Zero Hora

Irmã Ilze Mees anda eufórica. Depois de 54 anos servindo a Deus na Congregação das Irmãzinhas da Imaculada Conceição, a simpática senhora de 75 anos vai, finalmente, realizar o maior sonho de sua vida: festejar o anúncio da data de canonização de madre Paulina. Ela e o povo de Nova Trento (SC), cidade de 10 mil habitantes onde Paulina fundou a congregação.

Tanto é assim que o último final de semana foi bem movimentado no complexo religioso na comunidade de Vigolo, a 6 km do centro de Nova Trento. A cidade onde Paulina morou até 1903 tem se destacado pelo potencial turístico-religioso, que lhe garantiu o título de segunda estância turístico-religiosa do país, perdendo apenas para Aparecida do Norte (SP).

Uma turma que alegra a irmã Ilze Mees, freira que acolhe romeiros com carinho e informações sobre a vida e obra de madre Paulina. O lugar virou ponto de peregrinação depois de 1991, quando ela foi beatificada. ''Temos recantos para oração, salão para missas e capela'', enumera a freira. A notícia vai ser recebida com repicar de sinos e fogos de artifícios. ''E missas especiais, de ação de graças, às 11h30 e às 19h30'', diz a irmã.

Em Vigolo tudo se relaciona com Paulina. São 200 mil visitantes por ano. Devotos que percorrem os lugares onde a beata viveu, a réplica do hospital que construiu e o parque temático ao lado da igreja. E, claro, conferem a relíquia do lugar: um pedaço do osso do braço direito de Paulina. O turismo religioso já responde por 80% da economia de Nova Trento.

Depois da canonização, Paulina poderá ser venerada. A Congregação planeja construir um santuário para 6,5 mil pessoas. Santuário, aliás, testemunha de muitas histórias de cura graças aos pedidos feitos à Madre Paulina. Gente que conta, feliz da vida, que não sofre mais de leucemia e doenças cardíacas. Gente que pagou dívidas, que arranjou emprego.

E há as histórias dos parentes de Paulina, que tiram da terra o sustento. Como a sobrinha-neta Maria do Carmo Visintainer, 37. Mãe de quatro filhos, ela não conheceu madre Paulina, morta há 60 anos, mas sabe detalhes da vida da parente santa. ''Rezo para ela pedindo paz. E isso, ela me dá'', confessa a ajudante de cozinha em Vígolo.

Empolgada, a irmã Ilze Mees não pára de falar de Paulina. ''Assim como o povo carece de heróis, precisamos de pessoas que abracem a fé'', diz. Algo que, definitivamente, Paulina fez, nos seus 76 anos de vida.

A CONGREGAÇÃO DE MADRE PAULINA

Depois da fundação das casas de Nova Trento e Vígolo, Madre Paulina foi transferida para São Paulo, onde amparou velhos escravos e seus descendentes. De 1909 a 1918, viveu na casa que fundou em Bragança Paulista, voltando depois para a Casa Geral em São Paulo. A Congregação das Irmãzinhas da Imaculada Conceição, que ela fundou em 1890, hoje concentra a fé de mais de 600 religiosas e se espalha por todos os cantos do país e chega a mais seis países (latino-americanos e africanos). A semente foi lançada no povoado de Vígolo, nos arredores de Nova Trento, a 100km de Florianópolis, para onde Amabile se mudou ainda menina.

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