Reality rubbish

Correio Braziliense

Brasília, sábado,

02 de março de 2002

Conversa de Sábado

Reality rubbish

Maria Ida Fontenelle, psicanalista, é membro do Percurso Psicanalítico de Brasília e da Associação Psicanalítica de Porto Alegre.

Por Maria Ida Fontenelle

mifontenelle@uol.com.br

Caros amigos,

Reality show! Assim se denominam alguns programas agora em moda na televisão brasileira: Big Brother Brasil, Casa dos Artistas, No Limite e outros que supõem estar falando e mostrando nossa dura realidade de humanos. No fundo, declaradas versões tupiniquins de já detestáveis programas americanos. Há algumas semanas, toquei nesse assunto aqui mesmo nesta coluna e, por causa de e-mails de vários leitores, coloquei-me na frente da televisão tentando entender um pouco dos diversos programas que são oferecidos a nossos olhos e ouvidos. Televisão não é dos meus passatempos prediletos. Gosto muito de algumas coisas, por exemplo, filme policial, vejo até os mais vagabundos. Sei os horários todos de cor e já vou direto nos canais certos, nas horas certas (Podem, com razão, me criticarem por gostar desses enlatados. Aliás, tem uns realmente ótimos!). Confesso-lhes que sou capaz de ficar até meses sem sequer percorrer o olho na programação normal e diária. Então, por muitos leitores terem me chamado a atenção e por ver anúncios dos tais reality shows, e para não ter nenhuma opinião pré-conceituosa de nada, gastei muito do meu precioso tempo vendo um pouco de muitos programas noturnos.

Meus amigos, que horror! Entristeço-me só em pensar que nosso povo, principalmente nossos jovens, podem estar submetidos e se contentando com bobagens de tal ordem. Numa só noite vi: Adriane Galisteu, Luciana Gimenez, João Kleber, Ratinho, Big Brother, Monique Evans e outros. Nunca vi tanta exposição de baixaria junta, buscando Ibope. O que presenciei - e, às vezes, ficava até envergonhada - foi nada mais do que uma triste deturpação de sentimentos, a apresentação do grotesco e do vexame alheio, a promoção de situações que ridicularizavam indivíduos. A exploração do sexual, do corpo da mulher, da nudez, tratados como mercadorias de valor efêmero.

Os reality shows, gincanas que têm o voyeurismo como apelo, são exibições das mais feias neuroses, da mais genuína ignorância e do que há de mais deprimente do comportamento humano, além de infantilizar as pessoas e trabalhar os piores sentimentos até as últimas conseqüências. Empacotado numa embalagem moderna, repetem a mesma lógica dos gladiadores romanos: eliminar o adversário a qualquer custo e se exibir a uma platéia ávida por emoções fortes e bizarras. E, talvez, ganhar um papelzinho na televisão ou um convite para posar como modelo.

Que tipo de sociedade estamos construindo? As pessoas mais amadurecidas ou com formações mais consistentes podem assistir a um desses programas e ter uma postura crítica diante deles. Duvido que seja a situação da maioria dos telespectadores, que, num país como o nosso, tem a televisão quase como único meio de lazer e de informação. Que tipo de cabeças estão sendo formadas? O que vão poder desejar essas pessoas? Será que esses telespectadores vão achar que a reality de nossas vidas tem que ser assim tão pobre, tão mesquinha, tão pouco inteligente?

Eu adoraria ver cenas das vidas de pessoas inteligentes, cultas, criativas, engraçadas. Mas nem delas eu gostaria de saber em que hora vão ao banheiro, se brigam com o companheiro, se acordam de mau-humor ou se estão com vontade de esganar seus concorrentes ou malfeitores.

O que fazem as autoridades competentes sobre essa questão? Onde estão as discussões que levariam a uma melhora de qualidade da nossa televisão? Até quando estaremos submetidos à tirania do vale-tudo na corrida pelo Ibope? Sim, porque não é só responsabilidade dos pais ou das famílias - ou melhor, as famílias, por mais conscientes que sejam, não conseguem mais, sozinhas, evitar que esse tipo de mediocridade invada suas casas. Devem existir mecanismos democráticos, que envolvam a sociedade, que não se pareçam com censura - o que é inadmissível -, mas que façam o papel de melhorar o nível dos programas e, conseqüentemente, o nível cultural das pessoas do nosso país. Existem formas menos rudes, grosseiras, burras e mesquinhas de tratar e discutir os problemas do humano, sem precisar apelar para baixarias e mediocridades. A vida pode ser mais bonita, mais estética, mais respeitosa, mais interessante quando vista por outros prismas que não os de Ratinhos, Klebers ou de um bando de gente comum se neurotizando diante das câmaras.

Nós, que somos os autores e os responsáveis da vida hoje, não deveríamos permitir, muito menos aplaudir, a banalização de coisas sérias que estão sendo feitas nem tampouco a supervalorização de banalidades desprezíveis veiculadas por quem está mais e mais assiduamente presente nas nossas casas: a televisão.

Até a próxima!

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