Tabus e mitos

Correio Braziliense

Brasília, segunda-feira,

04 de março de 2002

Tabus e mitos

Marcelo Aguiar

O ex-ministro Jarbas Passarinho afirma não ser contra a bolsa-escola, mas contra a necessidade dela. Até aí concordamos todos. A luta por um país mais digno, fraterno, solidário e, sobretudo, com educação ampla, geral e irrestrita não é novidade para todas as pessoas sérias e preocupadas com o combate à exclusão social e a educação das crianças. Mas será que basta? Será que as famílias pobres hoje podem esperar até, não se sabe quando, termos um país que não necessite de bolsa-escola?

Nós, brasileiros, convivemos há muito tempo com a tragédia coletiva da pobreza. Uma criança de classe média tem acesso à literatura, à TV por assinatura, às línguas estrangeiras, a viagens de férias, à roupa da moda, às festas de aniversários, aos brinquedos. Para uma criança pobre, o espaço lúdico é imensamente diminuído, sendo transformada em adulto pela violência no bairro ou pela violência doméstica, pelo trabalho no lar, pela falta de material e uniforme escolar e pelo trabalho infantil, expressão máxima do seu processo de exclusão.

Dar acesso às crianças que ainda não se encontram na escola ou foram excluídas dela é um imperativo ético. E a bolsa-escola, que tem como objetivo oferecer a garantia de levar a criança à escola, é um incentivo social, uma remuneração que mobiliza as famílias pobres, especialmente as mães, como uma espécie de fiscais da assiduidade dos próprios filhos, e ao mesmo tempo assegura uma renda para garantir sua subsistência. Mantida essa assiduidade até o final do segundo grau, elimina-se o risco de seus filhos continuarem na extrema pobreza, reduzindo praticamente a zero a probabilidade de caírem na exclusão social quando adultos.

Como investimento preventivo, o programa pode ajudar a evitar que novas e onerosas Febens sejam criadas, contribuindo para a redução de gastos do poder público e evitando punir ainda mais crianças e jovens em situação de risco. Além disso, como estratégia de sobrevivência da família, permitindo a compra de alimentos, ajuda a melhorar a qualidade de alimentação e ativa o comércio local, o que deixa clara a sua amplitude como política pública.

É nesse contexto que a bolsa-escola é inovadora. É um programa que não pretende apenas aumentar a renda de famílias excluídas, mas que suas crianças estejam na escola e se preparem para o futuro com maiores chances de ascensão social.

É por isso que México, Equador e Brasil adotaram o programa. Talvez seja por isso que o secretário Geral da ONU, Kofi Annan, no Fórum Educação para Todos, em Dacar, em 2000, afirmou que o Bolsa-Escola deveria ser copiado em outras partes do mundo. Ou também por isso que Bill Clinton, no dia 26 de janeiro deste ano, no jornal inglês The Guardian, elogia o programa. E mais: Unicef, Unesco e OIT realizam avaliações que têm resultados extremamente positivos e apóiam a implantação do programa pelo mundo afora.

O Brasil, infelizmente, ainda é um país onde a bolsa-escola é necessária, assim como as bolsas de pós-graduação. Não podemos ficar esperando o bolo crescer, pela direita, ou a chegada do socialismo, pela esquerda, para atacarmos a pobreza do presente. Ficar preocupado com a autoria da idéia que gerou a bolsa-escola é desviar a discussão do que ela tem de mais importante: o papel protagônico da educação das crianças pobres na estratégia de combate à exclusão social e no rompimento do círculo geracional da pobreza. Tenho certeza de que a história se encarregará de esclarecer quem foi o pai da idéia.

Marcelo Aguiar é secretário-executivo da ONG Missão Criança

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