Tiroteio na fronteira

Correio Braziliense

Brasília, quinta-feira,

07 de março de 2002

Tiroteio na fronteira

Guerrilheiros das Farc invadem território brasileiro e entram em confronto com soldados do Exército. Choques ocorreram perto do posto de controle de Vila Bittencourt, na Amazônia. Autoridades tentam minimizar incidentes

Pedro Paulo Rezende

Da equipe do Correio

Soldado colombiano passa ao lado dos destroços de um caminhão incendiado por rebeldes das Farc na periferia de Cali. Eles furaram pneus e queimaram vários veículos para bloquear estradas pelo país Os guerrilheiros das Forças Armadas da Colômbia (Farc) voltaram a atuar em território brasileiro e chegaram a entrar em choque com unidades de fronteira do Exército. Eles foram vistos na região de Vila Bittencourt, perto do posto de fronteira do Traíra onde, em fevereiro de 1991, três soldados do Comando Militar da Amazônia (CMA) foram mortos em uma emboscada (leia memória ao lado).

O primeiro sinal dos rebeldes ocorreu no dia 25. Três deles cruzaram a fronteira diante da aldeia dos macu, um pequeno grupo indígena semi-aculturado de 190 pessoas. E ameaçaram voltar com mais homens para destruir as casas e matar a todos se sua presença fosse denunciada às autoridades do Brasil. Os índios, os últimos de sua etnia, deram o alerta e, para evitar represálias, embarcaram em canoas e fugiram para Vila Bittencourt.

Soldados do 3º Pelotão Especial de Fronteira começaram uma operação de varredura da área no dia seguinte para tentar capturar os guerrilheiros. Uma das patrulhas teve problemas no rio Tiquié, marcado por corredeiras fortes. A lancha virou e um sargento morreu afogado.

No rio Apaporis outro destacamento encontrou uma voadeira (canoa equipada com motor) com cinco homens a bordo às 18 horas do dia 26. Foram recebidos a tiros de fuzil e revidaram, afundando a embarcação. Os ocupantes desapareceram nas águas e devem estar mortos.

No mesmo dia o comandante militar da Amazonia, general Guilherme Figueiredo, ligou para o comandante do Exército, general Gleuber Vieira, para comunicar os dois incidentes. ''Não sabemos se eram traficantes, contrabandistas ou guerrilheiros'', insistia ontem o coronel Esvael do Centro de Comunicação Social do Exército (Cecomsex), depois de divulgar, na terça-feira, uma nota neutra sobre o assunto.

Armas apreendidas

Uma fonte da Agência Brasileira de Inteligência e outra da 2ªSeção do CMA - responsável por atividades de inteligência e contra-informações - confirmaram que os cinco homens pertenciam às Farc e provavelmente estavam em território brasileiro para comprar alimento e munição.

Os agentes da Polícia Federal que participam da operação Cobra na fronteira com a Colômbia apreenderam nos últimos meses vários carregamentos de armas e de cocaína. Entre os equipamentos estavam seis granadas antitanque para fuzis M-16, três granadas de mão e 500 cartuchos de munição 5,56mm fabricada pela CBC em São Paulo. Junto com os contrabandistas foram encontrados cerca de 30 quilos de entorpecente. Um garoto de 14 anos também foi preso carregando uma arma rara: um fuzil automático Daewoo K2 fabricado na Coréia. Segundo o Jane's Defence Weekly, o único país da região a adotá-lo para suas forças armadas é o Peru.

As ações dos guerrilheiros das Farc em território brasileiro se tornaram mais freqüentes depois que o presidente Andrés Pastrana determinou o fim da Zona Desmilitarizada, criada há quatro anos para facilitar o diálogo com os rebeldes. O Exército, reforçado pela criação de quatro batalhões antidrogas (cerca de 4.800 homens), equipados e treinados por militares norte-americanos ao custo de US$ 1,3 bilhão (o chamado Plano Colômbia), iniciou uma operação na área e a guerrilha buscou a segurança da selva.

Segundo avaliação da Abin, 6 mil guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) estão na região de Tabatinga e Vila Bittencourt. O ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, general Alberto Cardoso, preparou um plano contra três ameaças potenciais: fuga de narcotraficantes para o Brasil, guerrilheiros tentando instalar santuários em nosso território e militares colombianos querendo usar o lado brasileiro para montar bases de apoio contra a guerrilha. Segundo ele, para vigiar os 1.644km de fronteira com a Colômbia, o Exército brasileiro mantém apenas cinco postos, com menos de 800 homens.

memória

Atritos com governo e guerrilha

O primeiro incidente sério na fronteira entre Brasil e Colômbia ocorreu em fevereiro de 1991. Um posto militar junto ao rio Traíra foi atacado. Três soldados do Exército brasileiro morreram no embate. Para capturar os atacantes, forças especiais da Brigada Pára-quedista foram enviados do Rio de Janeiro para a região de Tabatinga. Em menos de uma semana conseguiram cercar e aniquilar os colombianos. Até hoje não se sabe se eram guerrilheiros, contrabandistas ou traficantes.

O segundo incidente aconteceu em outubro de 1998. Guerrilheiros das Farc atacaram as forças do governo no povoado de Mitu, a 30 quilômetros da fronteira com o Brasil. Derrotados, os militares fugiram e buscaram abrigo em território brasileiro. O comandante das Forças Armadas da Colômbia, general Fernando Tápias, solicitou licença ao governo brasileiro para montar uma base de operações temporária para retirar seu pessoal. O pedido foi aceito, mas houve abuso de confiança. Aviões, helicópteros e mantimentos foram enviados para iniciar a operação de reconquista do vilarejo. Os militares brasileiros intervieram e os colombianos retiraram-se pacificamente. (PPR)

EUA vão ajudar, diz Congresso

A Câmara dos Deputados dos Estados Unidos aprovou um resolução de apoio às guerra do governo colombiano contra a guerrilha das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), o Exército Nacional de Libertação (ELN) e os paramilitares das Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC). Os legisladores norte-americanos pediram ao presidente George W. Bush que apresente ao Congresso o ''quanto antes'', um projeto de lei que destine recursos para apoiar o presidente da Colômbia, Andrés Pastrana, contra os rebeldes.

Ontem, em mais uma ação violenta, cerca de 40 guerrilheiros das Farc seqüestraram seis pessoas, todos membros do comitê de campanhas da candidata a deputada Lilo Gnecco. Os rebeldes queimaram quatro veículos que seguiam para Mariangola, na região de conflito ao sul do país. Segundo a polícia, duas pessoas morreram queimadas.

De acordo com a resolução do Legislativo americano, o governo Bush deve ''ajudar a Colômbia a defender sua democracia de organizações consideradas terroristas pelos Estados Unidos''.

Ao explicar suas razões, os deputados afirmaram que as Farc, o ELN e a AUC estão desestabilizando o país e a região mediante seqüestros, tráfico de drogas. As ações não são dirigidas apenas a colombianos, mas também contra cidadãos estrangeiros, incluindo norte-americanos. Eles querem que a Colômbia seja incluída na guerra mundial antiterror dos EUA. (Das agências)

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