A condição feminina

Correio Braziliense

Brasília, sexta-feira,

08 de março de 2002

Sigmaringa Seixas

Sempre que penso nos direitos do ser humano, convenço-me de que as mulheres deviam ser privilegiadas pela lei e pela realidade social. Hoje podemos ir além do que pretendia a grande militante Clara Zetkin, que dedicou a sua vida a reivindicar, para as mulheres, os mesmos direitos concedidos aos homens. Sou de opinião que as mulheres não são iguais aos homens porque os homens a elas não se igualam na contribuição para a vida e para a história.

Há uma medida fácil para saber o quão humana e ética é uma civilização: o tratamento que o Estado e a sociedade dedicam às mulheres e às crianças. Por isso, nota-se em todas as sociedades preocupadas com o desenvolvimento social a adoção de inúmeras iniciativas que visam, exatamente, a proteger e instrumentalizar as mulheres, reconhecendo a importância de seu papel e de suas funções. Entre essas medidas, uma das mais relevantes é a que ficou conhecida como bolsa-escola.

Por isso, surpreende-nos que o DF, contrariando a tendência mundial, tenha suprimido milhares de bolsas-escola instituídas pelo governo Cristovam e que representavam respeito, dignidade e esperança para tantas famílias. Tal supressão, pelo atual governo, constitui não apenas uma agressão às crianças - que agora abandonam a escola para voltar às ruas ou ao trabalho infantil -, mas também às mães, que, exatamente pelo reconhecimento da relevância especial de seu papel, recebiam e administravam aqueles recursos no seio da família.

Em nossos tempos, há uma tendência em associar direitos a sacrifícios. É esse o caso da mulher no mundo do trabalho. A mulher tem direito, como os homens, a participar da vida produtiva, mas não devia ser a isso compelida pela brutalidade do capitalismo.

Muitas mulheres - sobretudo as que não podem comprar educação particular de excelência para os filhos - trabalham fora de casa não porque achem isso charmoso, porque vejam no trabalho uma forma de realização na vida, como alguns interessados procuram divulgar. Elas trabalham porque isso lhes é absolutamente necessário a fim de cuidar da família. Já que não podem prescindir dos salários, o Estado deveria protegê-las de forma especial. Mas não é isso o que vem ocorrendo no mundo do neoliberalismo. Não é isso o que vem ocorrendo no Brasil e em especial aqui no DF. Pelo contrário.

Encontra-se em tramitação no Senado, já aprovada na Comissão de Assuntos Sociais, curiosa proposta do senador Luis Pontes, do PSDB do Ceará, sobre o direito das gestantes a licença especial remunerada. É essa uma obrigação em que a lei acolhe a razão moral e que constituía mandamento da Organização Internacional do Trabalho na Convenção 103. Sob pressões e com a adesão do Brasil, a OIT revisou a convenção, reduzindo as obrigações do empregador, que sempre foram vistas pelas grandes corporações empresariais como um entrave a sua liberdade de ação.

A decisão da OIT deve ter inspirado o conluio entre o ministro do Trabalho e o senador Luis Pontes. Dornelles quer que o período da licença remunerada seja negociado entre a gestante e a sua empresa. É propor a livre negociação entre a serpente e o passarinho. Luis Pontes vai pelo outro lado, em nome da ''flexibilização''.

A Constituição em vigor reafirma esse direito, já estabelecido pela CLT, ao determinar que ''fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto''. A CLT, no artigo 393, estabelece que, ''durante o período a que se refere o artigo 392 (licença maternidade), a mulher terá direito ao salário integral e, quando variável, calculado de acordo com a média dos seis últimos meses de trabalho, bem como aos direitos e vantagens adquiridos, sendo-lhe facultado reverter à posição que anteriormente ocupava''.

Luis Pontes acrescenta um parágrafo a esse dispositivo, eliminando a estabilidade, que é fundamental para a tranqüilidade da gestante. Essa ''flexibilização'' não só é danosa em si mesma, como abre caminho a outras modificações ainda mais graves. Por tudo isso, as mulheres se mobilizam - e para isso aproveitarão a data de hoje - para impedir que o Senado venha a aprovar essa grave violação da Constituição e da ética. É necessário que nessa luta tenham a solidariedade de todos os homens.

Sigmaringa Seixas, advogado, foi constituinte e deputado federal pelo DF

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