Mulheres

Correio Braziliense

Brasília, segunda-feira,

04 de março de 2002

 Mulheres

Roseli Fischmann

Celebra-se, na semana que se inicia, o Dia Internacional da Mulher. Muitasvezes ouve-se, no usual tom jocoso, a pergunta sobre por que não haveria o dia internacional do homem. Deixemos claro: os homens são companheiros de jornada da vida, estimados e respeitados, nos múltiplos papéis que desempenham na vida.

O tema é como as mulheres, sendo a alteridade fundante, foram, por tanto tempo - e ainda são, em determinados locais - suprimidas de direitos e reduzidas à vontade que se colocava como hegemônica. Alteridade fundante, porque desde a percepção que tem o bebê que é um ser dissociado da mãe, ao impacto do homem que se descobre no olhar da mulher que ama, o que ocorre é a possibilidade de reconhecimento mútuo do ser. No caso do bebê, descoberta da existência de um mundo que não se reduz a ele, é vasto e amplo, para sempre por descobrir. Na relação homem-mulher, a oposição na lógica de complementaridade, lição básica de como se pode construir no diverso.

Todo outro é lição de limite e possibilidade, desafia quem se é, impõe muros e abre horizontes. Tão mais cômodo imaginar quem apenas ecoa o que somos, concordância permanente no mundo em conflito. Sobretudo se é quem tenha disposição de aceitar e submeter-se aos desígnios que temos, pois vivemos com o arroubo de criador soberano. Na oposição alimentada pela lógica da eliminação, quem não se rende ao desejo que temos torna-se vítima da busca de eliminação, seja como for. São muitos os graus que se pode atingir na lógica de eliminação do diverso: da puxada de tapete ao atentado terrorista, da chantagem ao assassinato. Ao final, a constatação: não concordava comigo. No clássico O Colecionador, filme que traz a tensão construída na simultaneidade de brutalidade e delicadeza, fica evidente como o desejo de dominar o outro absolutamente, ainda que usando o nome do amor, pode tornar-se obsessivo, a ponto de explicitar o que a capacidade de planejamento pode gerar de pior. Borboleta ou mulher, tudo pode ser preso na vitrine.

Mulher como objeto é o tema antigo, que o feminismo escancarou em debates. Da que é prisioneira do homem que oferece benesses, pedindo que, em troca, sirva de ornamento (o que se dirá que não existe mais, mesmo quando se tem um caso ali ao lado), à que é capa e outdoor da revista erótica, o assunto se mantém, cada vez mais ambíguo, pela indefinição de valores éticos, sobrepujados pela lógica do mercado que a tudo devora. Da perda do argumento da ''defesa da honra'' nos tribunais, à violência doméstica que permanece, a mulher ainda é vítima de arroubos masculinos provocados pela frustração de ter pela frente quem é capaz de conduzir a própria vida. As portadoras do vírus HIV, contraído do marido ou companheiro a quem tinham por fiel, as encarceradas que se envolveram com o crime a pedido do homem que amavam, ausentes quando chega a condenação.

Alteridade desdobrada muitas vezes em rostos e cores, em culturas e credos, a mulher negra, a mulher indígena, a mulher asiática, a mulher européia, a mulher americana, todas multiplicadas em muitas, como a mulher semita - árabes muçulmanas, árabes cristãs, judias sefarditas, judias ashekanizis, ou as que se descobrem laicas ou sem credo.

Ironia ou imprevisibilidade, da jocosidade dos homens houve os que tiraram a oportunidade de ser objeto que se expõe na intimidade 24 x 7 da tevê. Ou, incomparavelmente mais desastroso, os que ensinaram às mulheres a lição do suicídio terrorista. De que igualdade falávamos historicamente? Que a semana seja de reflexão para todos, colaborando na avaliação dos avanços e identificação das possibilidades e pautas que cooperem para a plena observância dos direitos das mulheres.

Roseli Fischmann é professora de pós-graduação na USP e na Universidade Presbiteriana Mackenzie e presidente do Júri Internacional do Prêmio Unesco de Educação para a Paz

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