Cotas: eu digo sim!

Correio Braziliense

Brasília, quarta-feira,

27 de fevereiro de 2002

Artigo/Marcelo Paixão

Cotas: eu digo sim!

O Brasil foi o último país do mundo Ocidental a por fim à escravidão e o primeiro país a se auto-proclamar uma democracia racial. Na verdade, esta combinação traz consigo a própria compreensão do destino da população afro-descendente ao longo do século XX: exclusão social, violência, falta de acesso à cidadania. Assim, a população afro-descendente, oficialmente 45% de nosso povo, hoje representa 66% da população analfabeta e 67% dos trabalhadores que recebem até meio salário mínimo. As mulheres negras sozinhas respondem por 56% do contingente das pessoas ocupadas em serviços domésticos e os homens negros isoladamente são 56,5% do total de empregados na construção civil.

Alternativamente, nas Universidades os negros (aqui incluídos os ''pretos'' e ''pardos'') representam menos de 18%. Falando com franqueza é forçoso reconhecermos que já existe um sistema de cotas para os negros e negras nas Universidades de nosso país. Por exemplo, nos cursos de odontologia é de 9,1%; nos de medicina 13,3%; direito 12,8%; economia 18,5%. Este cenário é produto das condições econômicas desfavoráveis dos jovens afro-descendentes e, também é, produto do desalento, ou seja, um cruel e sutil mecanismo de exclusão dos negros destes espaços através da falta de perspectivas de sucesso ao longo do curso e da carreira. Seja como for uma coisa é certa: esta realidade não mudará naturalmente ao longo do tempo, isto é, na ausência de políticas deliberadas de promoção social dos afro-descendentes este cenário de exclusão se repetirá indefinidamente.

A adoção de políticas de ação afirmativa nas Universidades (na qual a política de cotas é apenas uma parte integrante e definida no tempo), portanto, será um mecanismo de correção das barreiras que se apresentam para os grupos tradicionalmente excluídos destes espaços, principalmente os afro-descendentes. Muitos, alguns até de boa fé, julgam que tal medida é paternalista, outros tantos acham que são recriações de formas de injustiça. Contudo, ao nosso juízo, o atual movimento pela democratização e diversificação étnico-racial da Universidade, é produto da pressão do movimento social (negro) organizado, típico, portanto de qualquer democracia digna deste nome. De resto injusto é o atual sistema onde os descendentes dos escravos somente são lembrados pelo Estado no momento da punição, repressão e culpabilização penal.

Neste sentido, a criação de políticas de discriminação positiva nas Universidades (especialmente as públicas), e a momentânea adoção das cotas, será um marco inicial de um conjunto de direitos sociais que deverão ser acessados, de forma organizada, pelos afro-descendentes brasileiros ao longo desta década. A democracia, a dignidade e a cidadania em nosso país agradecem.

Professor do Instituto de Economia da UFRJ, doutorando em Sociologia no IUPERJ é autor de diversos trabalhos sobre a situação sócio-econômica dos negros no Brasil.

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