A Madre e o sapateiro

Correio Braziliense

Brasília, quarta-feira,

27 de fevereiro de 2002

A Madre e o sapateiro

Vaticano anuncia para o dia 19 de maio a canonização de Madre Paulina. A notícia foi recebida com festa pelos fiéis da religiosa em todo o país. Devoto que conheceu a freira fala sobre sua beleza e seu bom humor, mesmo nas horas difíceis

Cristiana Felippe

Da equipe do Correio

Antônio consertava sapatos de Madre Paulina: ''Tive o prazer de beijá-la no rosto no dia em que fui visitá-la no hospital e mesmo bastante enferma ela brincou comigo'' São Paulo - O sapateiro Antônio Balcarse, de 75 anos, não esconde a satisfação de ter sido amigo de uma mulher que é hoje santa reconhecida pela Igreja Católica - o papa João Paulo II anunciou ontem no Vaticano que no dia 19 de maio irá canonizar a primeira santa brasileira. Quando Antônio fala de Madre Paulina, abre o sorriso e se emociona.

Descendente de imigrantes espanhóis, Antônio nasceu e sempre morou no bairro do Ipiranga, na zona sul de São Paulo, onde também viveu a santa brasileira. Conheceu a fundadora da Congregação das Irmãzinhas da Imaculada Conceição aos 16 anos, quando ainda era um aprendiz na profissão. Um dia, a freira precisou consertar um calçado e o incentivou a montar sua própria oficina.

''Viro sua freguesa e nunca lhe faltará serviço'', disse a madre, segundo o sapateiro. Até hoje, Balcarse reforma os sapatos das freiras e das estudantes do colégio pertencente à congregação, no mesmo bairro, e jamais ficou sem trabalho.

Logo na entrada de sua modesta sapataria, a duas quadras da capela e da sede da congregação, há uma imagem esculpida da primeira santa brasileira presa em pequeno suporte na parede. Está lá há 20 anos. Com orgulho, o sapateiro também mostra uma relíquia - um pedacinho do hábito preto usado por ela. E protesta contra a imagem que o mundo está conhecendo da santa que era amiga dele.

''Ela era uma mulher linda, não tem nada a ver com a foto distribuída aos fiéis nem com a imagem que está na capela'', conta o sapateiro. ''Alta, magra e muito brincalhona, se não fosse freira teria tido muitos pretendentes, porque chamava a atenção''.

Sem fanatismo

Sempre que pode, Antônio freqüenta com a mulher e os netos a missa em homenagem à Madre Paulina, realizada todos os meses no dia 9, na capela da Congregação. Lá, as irmãs fazem todo início de mês uma novena que termina na data da missa. O sapateiro não se considera um católico fanático, mas acredita que conseguiu conquistar muitas coisas graças à Madre Paulina. Quando sua mulher teve um problema sério na coluna, Antônio pediu à santa que a curasse e em pouco tempo ela não precisou mais de tratamento.

Antônio guarda a lembrança de Madre Paulina ajudando a quem batia em sua porta desesperado, desde pessoas desempregadas e doentes até os que não tinham o que comer. Na época, a região do Ipiranga era muito pobre. Hoje é um bairro de classe média.

A freira sempre procurou manter a calma e bom humor, mesmo nos momentos mais difíceis. Em 29 de agosto de 1909, foi deposta do cargo de superiora-geral da congregação que ela mesma havia fundado, por ordem de um bispo. Passou a fazer serviços pesados como limpar o chão, lavar roupas e cuidar dos doentes num asilo em Bragança Paulista. Aceitou a provação durante dez anos, até ser chamada novamente para ocupar o cargo.

''Tive o prazer de beijá-la no rosto no dia em que fui visitá-la no hospital e mesmo bastante enferma ela brincou comigo para eu ter juizinho'', relembra o sapateiro. Na época, ela já havia amputado uma mão devido a uma gangrena, resultado do diabetes, e estava com um problema grave no útero.

CANONIZADOS

João Paulo II foi confirmado como o papa que nomeou mais santos da história da Igreja

1.282 beatificações

456 canonizações

DATA DE OUTRAS CANONIZAÇÕES

Dia 19 de maio

Alonso de Orozco - padre agostoniniano

Umile da Bisignano - religioso franciscano

Ignazio da Santhiá - padre capuchinho

Benedetta Cambiagio Frassinello - fundadora do Instituto das Religiosas Beneditinas da Providência

Dia 16 de junho

Pio da Pietrelcina - capuchinho italiano que exibia os estigmas de Cristo

Dia 30 de julho

Juan Diego - leigo

Dia 31 de julho

Pedro de San José Betancur - fundador dos Irmãos Betlemitas e das Religiosas Betlemitas

Dia 6 de outubro

Josemaría Escrivá de Balaguer - fundador da Sociedade Sacerdotal de Santa Cruz e do Opus Dei

Capela é local de peregrinação

Reprodução

Antes do anúncio da canonização de Madre Paulina, a pequena capela da Congregação das Irmãzinhas da Imaculada Conceição em São Paulo era um lugar calmo, aberto ao público somente no nono dia de cada mês para a celebração de uma missa. Nesta terça-feira, depois do anúncio do papa, o local que costumava receber no máximo 80 devotos por mês, foi visitado por 400 fiéis.

''Depois que ouvi na rádio, vim correndo para cá, porque quero pedir para ela curar o meu problema da perna'', disse Natalina Ravaneli, de 81 anos, mostrando uma oração da santa. Já a dona-de-casa Neide Cristiana da Silva, de 47 anos queria que Madre Paulina fizesse seu marido parar de beber. ''Sempre passei aqui na frente, hoje deu vontade de entrar'', conta.

Na capela, além da imagem de Madre Paulina, há também os restos mortais da santa, adorados pelos fiéis. Na sede da congregação, localizada ao lado da capela, há um museu com vários objetos pertencentes a Madre Paulina: duas cadeiras, a cama, o caixão, as flores confeccionadas por ela mesma, roupas, seu hábito, cartas, cartões e até a máquina de costura.

Entre os visitantes do local, estavam ex-alunos do colégio pertencente à congregação, como a professora Teresa Caiado Abbamonte, de 61 anos. ''Tenho o maior orgulho de eu ter estudado aqui e meus filhos e netos também, porque acompanhamos de perto a história da Madre'', destaca. Ela comprou dez medalhinhas e chaveiros com a imagem da santa para levar para a família. São vendidas no local ao preço de R$ 50 a R$ 1,20.

''O movimento tende a aumentar a cada dia e o local tem tudo para se tornar uma passagem obrigatória dos peregrinos'', acredita a irmã Helena Rosa da Silva. Nesta terça-feira, a missa realizada na capela em homenagem à canonização de Madre Paulina reuniu cerca de duzentas pessoas.

Os sinos tocaram

Na localidade de Vigolo, em Nova Trento (SC), onde a religiosa passou a maior parte de sua vida e hoje tem um santuário, a notícia da canonização foi comemorada durante todo o dia. No início da manhã, assim que foram informadas através de um telefonema, as Irmãzinhas da Imaculada Conceição iniciaram uma queima de fogos. Os religiosos do santuário também fizeram soar os sinos da capela de Vigolo durante todo o dia. O gesto foi repetido de hora em hora, até o anoitecer.

De manhã, algumas religiosas mais emotivas da Congregação da Madre foram poupadas de conversar com os fiéis. A direção da congregação temia que a emoção do anúncio pudesse abalar a saúde delas.

O grande momento do dia foi a missa das 11h30, rezada em comemoração à notícia. A catarinense Eluiza Rosa de Souza, que, segundo a Igreja, foi curada por Madre Paulina em 1966, esteve no altar. Devotos da Madre aglomeraram-se em torno da capela para acompanhar a celebração. Vários deles assistiram à missa de pé.

No centro da cidade, também foram feitas homenagens à Madre Paulina. No início da manhã, estudantes reuniram-se em frente à Matriz São Virgílio para falar e aprender mais sobre a religiosa. A pacata localidade de Vigolo teve um dia especial. A principal estrada de acesso poucas vezes esteve tão movimentada. Carros de boi e cavalos, encontrados com facilidade por ali, deram lugar a carros e ônibus de peregrinos.

Em meio à movimentação, o padre Alécio Azevedo, que batizou a menina acreana Iza Bruna Vieira de Souza, curada por Madre Paulina, mantinha-se em jejum. A penitência começou às 12h do dia anterior. O sacerdote também passou a noite em orações. ''Queria ver a aurora de um novo dia para anunciar a As   Irmãzinhas da Imaculada Conceição acreditam numa procura maior pela vida religiosa após a canonização. ''Eu creio que tudo isso que está acontecendo vai nos dar uma nova vida'', destaca a irmã Ilze Mees. Atualmente, a congregação tem ramificações em dez países do mundo. Ao todo são 600 religiosas.

A decisão do papa João Paulo II é considerada pelos religiosos brasileiros o acontecimento mais importante nos 500 anos de história do catolicismo no país. Foi graças à escolha do Papa que 120 milhões de católicos - cerca de 73% da população - agora podem rezar para uma santa brasileira. (CF com Zero Hora)

QUEM É

Nome

Amabile Lucia Visintainer, tornou-se Paulina do Coração Agonizante de Jesus

  Nascimento

16 de dezembro de 1865, em Vigolo Vattaro (Itália)

Emigração

Chegou ao Brasil em 1875, aos nove anos

Obra

Fundou em 1895 a Congregação das Irmãzinhas da Imaculada Conceição

Morte

9 de julho de 1942, em São Paulo

Processo para virar santo

Para se tornar santo, ao menos dois milagres devem ser reconhecidos pelo Vaticano.

Em 1989, a Santa Sé reconheceu como milagre a cura de Eluísa Rosa de Souza. - O reconhecimento do segundo milagre aconteceu em 2000, quando consideraram a cura de Iza Bruna Vieira de Souza

Com mais de 6.500 páginas, os processos de canonização de madre Paulina foram custeados sobretudo pelo monsenhor Guido Bortolameoti, 97. Os gastos giram em torno de US$ 100 mil

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