Democracias Correio Braziliense Brasília, quarta-feira, 27 de fevereiro de 2002 Opinião Democracias Por Mauro Santayana A decisão a ser tomada pelo Tribunal Superior Eleitoral sobre as coligações partidárias merecerá dos ministros o recurso atento a seu saber jurídico e a seu apego ao espírito da Constituição. A proibição das coligações estaduais seria golpe aos princípios da democracia e violação do sistema federativo. Democracia significa respeito à vontade individual. Sendo abominável a pretendida homogeneidade política, na qual a maliciosa utopia de Carl Schmitt situava a democracia perfeita, a necessidade criou o sistema de respeito à vontade da maioria, que a soma dos votos identifica. A pluralidade de opiniões é a única alternativa à ditadura. A partir da idéia de que os partidos ampliam a vontade política dos cidadãos, em lugar de perdê-la, eles devem ser absolutamente livres para compor-se em coligações que, dentro da lógica elementar, passam a ser novos partidos, constituídos para aquele momento eleitoral. Ora, os partidos políticos, em uma federação, não são organizações nacionais, em seu sentido estrito. Tal como na divisão política do Estado nacional, eles se compõem de diretórios municipais, estaduais e da direção federal. Em cada uma dessas esferas, e no interior delas, o seu poder de decisão não pode ter limites. Os diretórios municipais podem e devem estabelecer alianças, subordinadas a um programa comum, para a conquista do poder local - e assim, por diante, até o governo central. O membro de um partido pode sentir-se disposto a votar no candidato de seu partido à Presidência da República e preferir o candidato de outro partido ao governo do estado. Se isso ocorre no nível do cidadão, deve, necessariamente, ocorrer no nível partidário. A questão posta faz repetir a insolência da Arena, sempre agachada a serviço do regime militar, no desrespeito repetido às regras do jogo que ela mesma estabelecia. A proibição das coligações estaduais se iguala - em seu objetivo autoritário -, à cláusula de barreira, que o Congresso, em péssima hora, decidiu adotar e deveria revogar. A liberdade de organização partidária é a base primeira da democracia. Se um cidadão quisesse formar um partido do ''eu sozinho'' poderia fazê-lo, e muitos sistemas democráticos modernos admitem as candidaturas avulsas. E se obtivesse o quórum necessário, deveria ter todos os direitos inerentes aos parlamentares eleitos pelos grandes partidos. A base da democracia moderna, para que não se perca o rumo, é a de ''one man, one vote''. Foi essa liberdade de candidatar-se que permitiu aos trabalhadores eleger sua bancada nas eleições inglesas de 1906 e formar o Labour Party na Câmara dos Comuns. Aliás, os partidos políticos modernos nasceram dentro do Parlamento britânico, na aglutinação das bancadas com idéias afins - os ''tories'' conservadores e os ''whigs'' liberais. A eles se acrescentariam os trabalhistas eleitos em 1906. Se houvesse a necessidade de um partido organizado com as exigências da atual legislação brasileira, dificilmente haveria - para o bem e para o mal, se pensamos em Tony Blair - um Labour Party na Grã-Bretanha. O mesmo raciocínio nos leva a defender a existência de partidos municipais, que se estabeleçam apenas para a disputa do poder local. Se assim se fizesse, haveria muito mais nitidez ideológica no espectro partidário. Afinal de contas, não podemos colocar o carro adiante dos bois: os municípios, repetição histórica da ''polis'' grega, constituem-se de cidadãos; os estados, de municípios, e a União, dos estados federados. O ímpeto centralizador e ditatorial, de que ainda não nos livramos, busca inverter esses termos, ao colocar o cidadão como submetido ao poder de fato, e não como o soberano titular do poder. Em suma, o país deve ser o que decidiu ser: república democrática e federativa. Mauro Santayana é jornalista © Copyright CorreioWeb Fale com a gente Publicidade. |