A resolução da ONU e a força do direito

Correio Braziliense

Brasília, quinta-feira,

14 de março de 2002

Mundo

Oriente Médio

História de conflitos

Disputa de israelenses e palestinos pela terra acontece desde a criação de Israel em 1947 e continua até hoje. Jornalista morre em confrontos na Cisjordânia

Desde que foi criado em 1947, Israel vive um constante problema de definição de fronteiras. Inicialmente, com a chegada de colonos no início do século XX, as terras eram compradas dos latifundiários árabes. Depois, com a criação do Estado Judeu, as fronteiras passaram a ser decididas por meio de guerras.

A declaração de criação do Estado de Israel foi proferida em uma sessão das Nações Unidas presidida pelo brasileiro Oswaldo Aranha. Então, foi dado a Israel o direito de ocupar 54% do território palestino. Os árabes que viviam na região não gostaram da divisão e partiram para a guerra. Em 1949, Israel vence o conflito e passa a ocupar 75% do território, que se estende da fronteira com o Sul do Líbano até a Síria e a Jordânia a Leste e o Egito a Sudoeste.

Na década de 50, explode o conflito pelo controle do Canal de Suez e, mais uma vez, Israel avança militarmente e conquista a península do Sinai. Em 1967, os árabes iniciam uma nova ofensiva contra os israelenses e novamente saem perdendo. Desta vez, Israel ocupa a Cisjordânia e a Faixa de Gaza.

Essa ocupação incomoda os árabes, que voltam a toda carga em 1973, na guerra do Yom Kipur. Síria, Jordânia e Egito unem-se contra Israel. Mais uma vez, saem derrotados. A Síria perde as Colinas de Golã.

Em 1976, Israel e Egito passam a negociar a paz entre os dois países, selada em 1978 com o Acordo de Camp David.

A década de 80 traz a Intifada. Os palestinos que moram na Faixa de Gaza e na Cisjordânia iniciam um levante popular contra as forças israelenses. A rebeldia dura seis anos até que, em 1993, em segredo, palestinos e israelenses negociam um cessar-fogo. No mesmo ano, Yasser Arafat e Ytzak Rabin assinam o Acordo de Oslo, um protocolo que visa a criação de um Estado palestino independente. A definição das fronteiras fica para mais tarde.

Hoje, os territórios palestinos correspondem a 44% da região. Israel devolveu o Sinai ao Egito, mas continua mantendo Golã sob seu controle.

FRONTEIRAS DA DISCÓRDIA

Veja o mapa com a localização do território ocupado por Israel, o atual território palestino e o território definido pela ONU para a criação de um novo Estado palestino

Exército de Israel mata fotógrafo

Das agências

AP

Ciriello foi levado por jovens palestinos para um hospital de Ramallah, onde morreu antes de ser atendido.

Um fotógrafo italiano morreu e um francês ficou ferido ontem em mais um dia de violência entre israelenses e palestinos em Ramallah, Cisjordânia. Os dois jornalistas faziam a cobertura do conflito quando foram atingidos por disparos do Exército israelense. O governo de Israel lamentou o incidente e disse que está investigando o caso.

Raffaele Ciriello, de 42 anos, trabalhava como fotógrafo do jornal italiano Corriere della Sera. Foi atingido por seis tiros disparados pelos soldados israelenses que estavam num tanque próximo da praça Al Manara. Ferido no peito e no abdome, Ciriello foi levado a um hospital por jovens palestinos, já que as ambulâncias não puderam se aproximar do local. Ele morreu antes de ser atendido.

Ciriello é o primeiro jornalista estrangeiro que morre desde o começo da segunda Intifada palestina, no final de setembro de 2000. Até agora, dezenas de repórteres ficaram feridos, a grande maioria por disparos do Exército israelense.

Na terça-feira, cerca de 40 jornalistas que estavam num hotel de Ramallah foram alvo de disparos de um tanque israelense. Ontem, também perto da praça Al Manara, um fotógrafo francês free-lancer ficou seriamente ferido na perna quando um tanque israelense disparou contra ele. No mesmo incidente, Fuad El Udaily, subchefe local da Força 17, guarda pessoal de Yasser Arafat, morreu.

Udaily, conhecido como Abu Fadih, era considerado por Israel como chefe direto de uma célula de militantes do Tanzim, uma organização armada ligada ao movimento Fatah de Arafat, responsável pelo assassinato de pelo menos 15 israelenses, segundo a rádio pública israelense.

O centro de Ramallah, cidade invadida no noite de segunda-feira por centenas de tanques e blindados israelenses, continua ocupado. As notícia de que ambulâncias e médicos não estão sendo autorizados a retirar os feridos do conflito preocupa a diretora-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Gro Harlem Brundtland. Ele fez um apelo a árabes e israelenses para que respeitem a neutralidade e a segurança do pessoal médico.

''Peço a todas as partes em conflito que reconheçam o papel essencial dos médicos, enfermeiros e do pessoal paramédico e permitam que exerçam sua missão vital com toda a segurança'', afirmou a diretora, em declaração por escrito. Brundtland declarou-se muito preocupada com o fato de inúmeros agentes médicos terem morrido ou ficado feridos quando socorriam pessoas em dificuldades.

Alegando falta de segurança para seu pessoal, o Crescente Vermelho palestino suspendeu ontem os serviços de ambulância e atendimento médico na região de Ramallah. A decisão foi tomada depois de um jipe do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICR) ter sido atingido por tiros.

Se o poder dos fracos é a invocação da força desarmada do direito, a recentíssima história da tragédia humana tem demonstrado que também os fortes necessitam de respaldo jurídico

Jorge Fontoura e Márcio Garcia

A RESOLUÇÃO DA ONU E A FORÇA DO DIREITO

A desordem internacional, quotidianamente mostrada nas estarrecedoras cenas de violência de Estado a que assistimos, com a fumaça trágica das torres gêmeas, parece sinalizar, de modo claro, para o caos absoluto do direito.

A relativa paralisia das organizações internacionais e o marasmo da ONU diante do uso desmedido da força, como recurso imposto unilateralmente pelos Estados detentores de poder, fazem ressurgir a recorrente afirmação de que o direito internacional não existe. Ou, se existe, é o direito da bala de canhão, das ogivas nucleares.

Se o poder dos fracos é a invocação da força desarmada do direito, a recentíssima história da tragédia humana tem demonstrado que também os fortes necessitam de respaldo jurídico, em um mundo de contrastes e confrontos inauditos, de inimigos sorrateiros, insidiosos e imprevisíveis.

A inesperada atitude norte-americana, no ímpeto da reação ao último setembro negro, imperceptível no primeiro momento, de pagar o imenso débito financeiro com a ONU, parece, na hora atual, importante e historicamente conseqüente.

Confessavam, assim, não apenas com palavras, mas com a eloqüência de mais de um bilhão de dólares, o que não só os iluminados deveriam saber: na ordem internacional sem o direito não há salvação. Violá-lo, mais que demonstrar força, é criar imponderável precedente.

O final da guerra fria, de outro lado, deu nova dimensão ao poder político do Conselho de Segurança. Criado para ser a ''válvula de escape'' do sistema internacional, ele deve, em último caso, constituir-se no fiador da segurança coletiva.

Sua composição, baseada na lógica do poder de fato ao tempo da criação das Nações Unidas, continua a refletir a efetividade do poder na cena internacional. China, Estados Unidos, França, Reino Unido, Rússia e os demais membros temporários ao decidirem refletem um substancial querer de parte significativa da comunidade internacional. Nesse sentido, suas decisões mandatórias ganham em importância e constituem fonte de obrigação para os Estados.

Nessa ordem de idéias, a decisão do Conselho de Segurança do romper da madrugada de quarta-feira é emblemática. Pela primeira vez, os Estados Unidos falam em um Estado Palestino. Dão, desse modo, às partes em conflito a mesma estatura no plano do direito internacional. O precedente é, a vários títulos, exemplar. A resolução, que pede o fim imediato de ''todas as formas de terror, provocações, incitações e destruição'', foi proposta pelo embaixador estadunidense, John D. Negroponte.

O texto, aprovado por 14 votos e com a abstenção da Síria, não irá, por si só, resolver a questão. O conflito tem atrás de si longa história. A Resolução nº 1.397, no entanto, há de dar o futuro tom das coisas.

Está prevista para os próximos dias a chegada de uma missão de paz na região, respaldada pela resolução. O fato de a decisão não ter sido unânime, em nada compromete seu caráter peremptório. O governo israelense encontra-se agora desvestido do incondicional apoio de seu grande aliado, ou, de outro modo, obteve saída honrosa para a política de intolerância de Ariel Sharon.

Ao admitir a existência de um Estado palestino ao lado de Israel, o Conselho de Segurança dá passo decisivo para o desfecho que se espera: a convivência civilizada entre iguais.

Jorge Fontoura, Doutor em Direito e vice-presidente do Centro de Estudos de Direito Internacional- CEDI; Márcio Garcia, Mestre em Direito Internacional (Cambridge) e membro do CEDI.

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