O clã Ohtake está com tudo

Correio Braziliense

Brasília, sábado,

09 de março de 2002

Cultura

Artes visuais

O clã Ohtake está com tudo

Com a inauguração de complexo cultural em São Paulo, a artista plástica Tomie Ohtake e seus filhos, os arquitetos Ruy e Ricardo, consolidam presença na paisagem urbana da capital paulista

Nahima Maciel

Enviada especial

A entrada do instituto Tomie Ohtake: curvas da arquitetura de Ruy carregam a influência direta das aulas do professor Oscar Niemeyer e sua liberdade de criação

São Paulo - Quando se referem à mãe, os arquitetos Ruy e Ricardo Ohtake dizem ''a Tomie''. É uma figura pública e eles não pretendem apossar-se dela com a expressão ''minha mãe''. Nem nos almoços dominicais (e tradicionais há 25 anos), eles cedem. Mas isso não implica distanciamento. Aliás, Ruy e Ricardo fazem de tudo para ter Tomie por perto. E o tudo se refere até a megaprojetos. Foi assim que nasceu o Ohtake Cultural, sede do Instituto Tomie Ohtake. Mais um para compor a paisagem paulistana dos Ohtake.

Há prédios de Ruy espalhados por toda a cidade. Hotéis, complexos de escritórios e sedes de grandes empresas, como a do Grupo Aché, que financiou o instituto, são a especialidade de um dos mais produtivos arquitetos paulistas, autor também do projeto da sede da embaixada brasileira em Tóquio. O Ohtake Cultural, no entanto, pode ser classificado como um dos mais ousados dessa produção.

Construído entre as avenidas Faria Lima e Pedroso de Moraes, o espaço funciona dentro de complexo de escritórios ainda em construção, que ocupa quase meio quarteirão. A obra custará R$ 100 milhões e só o instituto ocupa sete mil metros quadrados. Dentro, cinco salas museológicas, uma de vídeo, restaurante, livraria, teatro e centro de convenções ainda em obras. Uma homenagem, justificam os irmãos arquitetos, aos 88 anos de Tomie completados em novembro de 2001. ''Mas é só uma desculpa. Não fossem os 88 anos arranjaríamos outra para homenageá-la'', brinca Ricardo, 58.

Internamente, o espaço do instituto lembra uma grande rua de pedestres. ''A idéia é de um espaço público, de locais com funções públicas'', adianta Ricardo. Mas o arquiteto que concebeu o projeto é Ruy. Ricardo é designer gráfico e pensou na divisão interna. Deu dicas ao irmão de como queria os espaços: quadrados, redondos, em forma de corredor. ''O hall é como se fosse um logradouro, uma praça coberta onde podem acontecer várias atividades'', explica o autor do projeto.

O instituto lembra os prédios brasilienses projetados por Ruy. O mesmo material vermelho das paredes do hotel Blue Tree que quase apagam o Palácio da Alvorada reveste de lilás parte do concreto aparente do prédio paulistano. Quem caminha pela Pedroso de Moraes não fica indiferente à fachada de vidro espelhado cor-de-rosa de uma das entradas do complexo. Pode gostar ou odiar, reação aliás bastante comum quando se trata de Ruy Ohtake. Não seria um equívoco descrever os projetos do arquiteto sempre usando superlativos. O Brasília Shopping é um exemplo. O hotel Unique, um arco invertido de 25 metros de altura ainda em construção no Ibirapuera, outro.

''Eu sei que até o Fernando Henrique (Cardoso, o presidente) ficou zangado. Mas na frente do Blue Tree deveria ter um bosque projetado por Burle Marx, que e filtraria a paisagem'', explica Ruy. O governo federal prometeu ao arquiteto fazer o bosque. ''Eles não fizeram, mas insisti desde o começo que o bosque era importante'', avisa.

Ruy também ficou zangado. Até porque seu hotel briga com obra assinada por Oscar Niemeyer. ''O grande arquiteto do século 20. O responsável pela construção da identidade brasileira na arquitetura.'' Ruy e Ricardo acreditam que a liberdade criadora de Niemeyer é responsável pela modernização da arquitetura no país. Os irmãos são discípulos de Oscar. Freqüentaram suas aulas na Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo (USP) na década de 60 e isso foi fundamental. ''Tenho (...) orgulho de pertencer a essa geração'', sorri Ruy, 62 anos.

Consciência arquitetônica

O desafio arquitetônico, para Ruy, é dar continuidade ao que Niemeyer começou. Não nas formas e estruturas, mas na identidade. Para isso, é preciso ter postura urbanística ao dar vida a projetos. E Brasília é sempre um bom exemplo nessa questão. Há quatro décadas Ruy visita a capital regularmente. Não acredita que o projeto original possa ser desvirtuado. ''Brasília tem uma arquitetura suficientemente forte para que você possa alterar alguns detalhes sem alterar a arquitetura da cidade.''

Já São Paulo é o fascínio urbanístico de Ruy. ''Esse tecido semi-esgarçado que se entrelaça de gente que tem de conviver com uma enorme diferença social, totalmente injusta, numa relação multirracial extremamente rica.''

Metrópole ideal? Ruy não tem modelo, mas idéias. E nessa planta o bairro de Pinheiros pode chegar perto do ideal. ''É um setor 24h. Lá tem moradia, escola, escritórios, cultura, tudo'', explica. ''A metrópole é a superposição de várias representações sociais e econômicas.'' E à arquitetura resta ultrapassar fronteiras sem perder a identidade regional. O francês Jean Nouvel, o japonês Tadao Ando e o norte-americano Frank Ghery fazem isso. Bem.

OS OHTAKE EM BRASÍLIA

A arquitetura de Ruy

Brasília Shopping (W3 Norte)

Hotel Blue Tree (Setor de Clubes Norte)

A arte de Tomie

Instituto Rio Branco (Esplanada dos Ministérios) - escultura branca em forma de serpentina

Hotel Blue Tree - escultura vermelha na praça externa

Number One (Setor Comercial Norte) - painel de vidro na fachada externa

Museu de Arte de Brasília (Setor de Clubes Norte) - pintura da artista faz parte do acervo

Dama do abstrato

A porta da casa de Tomie Ohtake, no bairro paulistano de Campo Belo, parece um móbile de criança. Não tem dobradiças e abre circulando num eixo central. Na garagem, não há grades. E Tomie nunca teve problema com isso. Podem falar da violência e comentar casos de seqüestros de conhecidos. Ela não se assusta. Apenas sorri e responde: ''Adoro São Paulo.'' E encerra a conversa.

Tomie está muito bem no imóvel projetado pelo filho Ruy. Nunca teve problemas de segurança, nem quando a casa entrou em obras há alguns anos para anexar uma sala, um segundo quarto e um novo ateliê. Tomie então trocou o pequeno espaço na comprida sala por um galpão com luz natural vinda do teto e parede de vidro de frente para a piscina.

Ela gosta dali. Pé-direito alto, as telas de três metros de altura são manipuladas com facilidade. Tem espaço de sobra, até para as dezenas de quadrinhos-estudos que precedem as telas. A pintura é o intervalo entre uma escultura e outra, sempre enormes, chegam a ter sete metros de altura. Tomie adora. ''Me convidam para fazer sempre do lado de fora. Então tem de ser grande, senão some perto de árvores e outras coisas.'' Adora também o desequilíbrio. ''Coisas em equilíbrio estão sempre sem mexer. Mexendo ficam muito mais interessantes.'' Muitas das esculturas parecem tocar o chão em pontos de frágil equilíbrio. E Tomie gosta mais ainda quando são em espaços públicos. Aos 88 anos, sem problemas de saúde, a não ser uma recente dor na coluna, ela viaja o país inteiro a convite de empresas ou governos estaduais para conhecer futuros espaços de suas obras.

A trajetória

As esculturas seguem os quadros. São abstratas, opção adotada logo no início da carreira. Tomie começou a pintar em 1952, aos 39 anos. Preferiu cuidar da família até então. As primeiras telas foram figurativas, mas, em menos de dois anos, a japonesa que havia adotado o Brasil aos 23 passou ao abstrato.

''Durante 15 anos achei minha família mais importante, mas minha cabeça sempre pintava. Quando comecei, não queria mais o figurativo. Pensei: vou fazer outra coisa'', lembra. ''No Japão, a decoração de casas é muito simples e todos os objetos são significativos. Eu não procurava isso, mas como era oriental, vinha naturalmente. Tirei o figurativo para deixar só o significativo.''

''Era'' oriental é maneira sutil de avisar que agora é brasileira. Sente-se mais paulistana que japonesa. Há três anos, foi à terra natal visitar a família. ''Quando vou ao Japão, parece que vou ao estrangeiro.''

No instituto cultural que leva seu nome, Tomie só pisou três vezes. Uma delas para a inauguração do espaço que abriga exposição retrospectiva de sua obra. Lá, está a história de Tomie: desde as casinhas da Mooca onde morava até as imensas telas do abstracionismo geométrico e as inovações na gravura. O que ela pensa sobre a homenagem? Bem, está acostumada. O filho Ricardo, o designer gráfico da família, editou livro sobre Tomie e sua obra. Agora veio o instituto. Mas Tomie gosta mesmo é de ter mais um espaço de exposição.

© Copyright CorreioWeb Fale com a gente Publicidade.