PRIMÓRDIOS DA COMUNICAÇÃO HUMANA

Introdução

À medida que os anos passam, aumentam os meios de comunicação de que dispomos.  Constitui um grande desafio para a nossa civilização utilizar esse desenvolvimento dos meios de comunicação para diminuir a solidão humana, para aproximar os seres humanos, cada vez mais, uns dos outros.

Todo homem necessita comunicar-se com alguém.  Quando não consegue compreender, nem ser compreendido, sente-se infeliz.  Cada um de nós traz dentro de si uma mensagem que precisa ser transmitida, independentemente de períodos históricos ou de níveis sócio-econômicos.

A comunicação do homem das cavernas

Desde a época em que os seres humanos viviam em cavernas, desejaram estabelecer um elo entre eles e o mundo a seu redor, entre eles e as gerações futuras.  Os arqueologistas encontraram numerosas pinturas nas paredes das primitivas cavernas:  reproduções de cenas comuns da existência, desenhos de caçadores e dos animais conhecidos, atividades diversas.  Os estudiosos declararam que as figuras parecem “vivas”, tal a força dos traços e a fidelidade aos modelos reais.

Comunicação sonora

Nenhuma sociedade ou grupo humano prescindiu da informação.  O homem primitivo, o homem das cavernas ou o selvagem, que não conhecia a escrita, que apenas iniciava a vida em comum, fazia jornalismo.  Transmitia aos seus semelhantes, à sua tribo, com regularidade e freqüência, interpretando-os, os fatos de interesse:  o resultado da caça ou da pesca, a aproximação de inimigos.  Com esses informes, feitos oralmente ou por sinais e sons convencionais, a tribo tomava essas ou aquelas providências.

Diversos instrumentos foram meios de comunicação sonora: a trombeta, o tambor, a inúbia.

Sinalização

Nos primórdios da comunicação entre os homens, encontramos a sinalização, utilizando fanais e fogueiras.  Os gregos empregavam a conjugação de sinais  luminosos para se informarem de fatos ocorridos a uma distância de três ou quatro dias.  Através da narrativa sobre a Primeira Guerra Macedônica, sabemos que as tropas de Felipe se orientavam por fanais, colocados no Monte Tisé.

Os archotes, dissipando a escuridão, anunciaram ordens às legiões romanas.

Outros meios primitivos de comunicação

As cordas de nós coloridas dos peruanos, as cintas de conchas variadas dos iroqueses, os hieróglifos, os sinais assírios, persas e astecas, são exemplos de instrumentos de comunicação. Os diversos símbolos conservaram a informação rudimentar de acontecimentos contemporâneos – em pedra, pau, barro, metal, conchas, fibra, pele – antes do aparecimento do papel.

Informações registradas em monumentos

Não se constituindo matéria histórica, seriam divulgadas em qualquer jornal as vinte curas milagrosas gravadas nas estelas do oráculo de Esculápio, em Epidauro; entre elas, a de um coitado que engolira sanguessugas por artes da sogra e a de um tajul a quem o deus fizera nascer cabelos, esfregando-lhe a calva com certo ungüento.

Os pombos

Os pombos transportaram sob as asas mensagens urgentes; voavam silenciosamente para comunicar alguma coisa a alguém ou a determinado grupo.

Os atletas de maratona

Se os soldados de Roma dispunham de seus próprios meios de comunicação, os atletas da Antigüidade transformaram a famosa Corrida de Maratona numa oportunidade de encontro com desportistas de diferentes origens.

As narrativas dos profetas hebreus

Notícias e informações nos foram divulgadas pelos profetas hebreus e upanichades hindus.  As narrativas dos profetas hebreus: Isaías, Ezequiel, Elias, Jonas, Daniel, são bem variadas.  Tomemos um trecho de Daniel, capítulo 3, versículos 1 a 24.  Suas palavras não têm apenas um valor religioso.  O profeta registra comunicações valiosas sobre:  organização governamental, totalitarismo, preconceito racial dos caldeus com relação aos judeus, a firmeza e fé destes últimos, instrumentos musicais, etc.  Vejamos o texto:

“Naqueles dias, o rei Nabucodonosor mandou fazer uma estátua de ouro de sessenta côvados de altura e seis de largura, e colou-a na planície de Dura, na província de Babilônia.  O rei Nabucodonosor mandou depois convocar os sátrapas, magistrados e juízes, capitães e governadores, os prefeitos e todos os príncipes das províncias, para assistirem à dedicação da estátua que o rei Nabucodonosor erigira.....  Estavam pois, de pé, diante da estátua que o rei Nabucodonosor havia erguido e um pregoeiro anunciava em voz alta:  Manda-se a vós todos, povos, tribos e nações de todas al línguas, que, na hora em que  ouvirdes o som da trombeta, da flauta e da cítara, da sambuca, do saltério, da sanfonia e de todo gênero de instrumentos musicais, vos prostreis e adoreis a estátua de ouro mandada erigir pelo rei Nabucodonosor.  E todo aquele que se não ajoelhar e não adorar a estátua, será imediatamente lançado numa fornalha ardente (...) ...  Chegando ao mesmo tempo alguns caldeus, acusaram os judeus.”

O profeta Daniel prossegue, narrando os fatos como aconteceram.  Descreve como os judeus acusados foram lançados a uma fornalha ardente, com suas vestes, sem aceitarem negar a sua fé num único Deus, e como “andavam no meio das chamas, louvando a Deus e bendizendo ao Senhor.”

Os documentos mais antigos

Os mais antigos documentos, conservados e decifrados, dos tempos heróicos, são:  a inscrição gravada por Yu, o Grande, sobre o monte Heng-Chan, na China, cerca de 2.200 antes de Cristo, registra o Dilúvio.  O chamado Mármore de Paros, encontrado no século XVI e levado à Inglaterra pelo conde de Arundel, nos proporciona acompanharmos a fundação de Atenas, dia a dia.

Os historiógrafos babilônios

Flavius Josephus afirmou que os babilônios contavam com historiógrafos, encarregados de escrever o resumo dos acontecimentos públicos, e que teria sido utilizando esse material que Bérose compôs, no século III antes de Cristo, a sua História da Caldéia.

Fragmentos arqueológicos não decifrados

Entre os fragmentos arqueológicos ainda não decifrados, e que se julga conterem informações jornalísticas, figuram os sinais gravados: nas ruínas Maias  e nas pedras da Ilha de Páscoa; e as misteriosas inscrições:  das covas de Altamira; de Lagoa Santa, em Minas Gerais; e da Pedra das Vertentes do Rio das Mortes, nos bravios sertões matogrossenses.

A comunicação através do desenho

Depois da palavra falada, o desenho foi a mais antiga expressão jornalística do mundo.  Encontramo-lo desde quinze mil anos antes de Cristo, talhado ou pintado nas cavernas da Pré-História.  Documentos arqueológicos revelaram desenhos humorísticos, caricaturas e representações humanas, da flora e da fauna.

As pinturas de Altamira

Na região de Altamira, na Espanha, pinturas notáveis foram reveladas ao mundo, nos transmitindo “notícias” sobre o período a que pertencem, com inúmeras informações.  Nas pesquisas antropológicas, exercem um importante papel, sendo consideradas como um meio efetivo de comunicação.

Desenhos como instrumento de crítica

No Egito, a maioria dos desenhos tinha um objeto político, embora retratassem, também, cenas alegres dos costumes da época ou assumissem uma atitude de crítica.  Um dos desenhos mais conhecidos representa uma gazela, que se entretém com o leão num jogo parecido com o xadrez; o leão, antes que a partida termine, arrebata a aposta.  Supõe-se que a gazela simboliza os indefesos cidadãos que se arriscam a jogar com os poderosos, no caso, o Faraó Ramsés III.  Num outro desenho, o dirigente egípcio está caricaturado num gato astuto que conduz um bando de patos inocentes.

Sobre um monumento tebano, critica-se o vício de mulheres da alta sociedade, numa composição talhada:  depois que beberam em excesso, algumas senhoras pedem às suas escravas que as auxiliem a ficar de pé, enquanto são atendidas em sua agonia.

Os mártires da caricatura

Como outros jornalistas, em todos os tempos, também os desenhistas e caricaturistas têm os seus mártires.  Aristófanes se refere ao grego Pausón – “tudo o que fazia era degradar e desfigurar, tornando mais feia a pessoa do que era, pelo que não devia ser mostrada a sua obra aos jovens.”  Sobre a morte do artista, falou: “O infame Pausón já não vai nos desfigurar mais.”

De acordo com informações de Plínio, dois outros desenhistas satíricos tiveram morte violenta:  Supalus e Athênis.  A caricatura, exagerando os traços, destacava-os à atenção do próximo, tornava-os mais visíveis, mais conhecidos, comunicava-os.

Manifestações sistemáticas

Esforcemo-nos, porém, para distinguir, no estudo da evolução das comunicações, os exemplos esparsos, isolados, das manifestações sistemáticas: diárias, atas, jornais.

Diário Oficial no Egito

No Egito, em 1750 antes de Cristo, teria circulado um diário oficial, no reinado de Tutmés II, impresso em papiro, além de haver uma circulação constante de “jornais” satíricos, um dos quais combateu acirradamente o faraó Amarsis.

Os Anais dos pontífices romanos

Roma conheceu antes de Júlio César os Anais dos Pontífices, que faziam o balanço político de fim de ano.  Havia os Anais secretos e os Anais públicos.  Os primeiros formavam os “Comentarii Pontificum”; os segundos, os “Annales Maximi”.  Somente os “Annale Maximi” eram inscritos sobre uma tábua branca, chamada álbum, que o Grande Pontífice, seu redator, mandava afixar defronte de sua própria casa.  Depois, com a expansão do Império Romano, surgiram as “Acta Publica”, espécie de diário oficial, que levava as notícias de cada dia até as províncias.

Portanto, os romanos, ao construírem o seu império, não puderam dispensar a informação, que lhes proporcionava:  a vitória sobre os seus opositores; a manutenção do domínio; o estabelecimento de um espírito público convencido da “missão civilizadora” das águias imperiais.

As “Acta Diurna”

Por fim, instituíram-se as “Acta Diurna”, que inseriam desde os assuntos políticos até as notícias de matrimônios, enterros, divórcio de gente importante, fenômenos atmosféricos, incêndios, etc.  A recusa da coroa de rei, por parte de Júlio César, foi também noticiada nas “Acta Diurna”.

As “Acta Diurna” constituíram a primeira manifestação jornalística do mundo, por se tratarem de publicação com periodicidade, tiragem, atualidade e variedade de assuntos.  O primeiro número saiu no ano de 69 antes de Cristo.  Redigidas pelos repórteres chamados “diurnari”, continham páginas esportivas, dedicadas a lutas e competições; colunismo social – a mãe de Nero, Agripina, mandava que fossem registradas todas as audiências que concedia, enquanto a esposa de Cláudio exigia o mesmo, apreciando a citação constante de seu nome.  Durante quinze anos, sem interrupção, apesar de não serem propriamente um jornal, como temos nos dias atuais, as “Acta Diurna” faziam jornalismo.

Das Atas do Senado e das ocorrências de interesse público, César ordenou que fossem tiradas cópias particulares, que circulavam dentro e fora  de Roma, o que contribuiu para ampliar o campo da informação.  As “Acta Diurna” registravam, quando começaram a ser copiadas e movimentadas, acontecimentos diversos: execuções, banquetes, longevidades e fecundidades extraordinárias, crônica social etc.  Com a queda do Império Romano, esses jornais primitivos desapareceram.

Theresa Catharina de Góes Campos

(do livro “O progresso das comunicações diminui a solidão humana?  Uma interpretação histórica das comunicações gráficas e audiovisuais, desde a Pré-História até o Intelsat” – de Theresa Catharina de Góes Campos.  Editora Lidador, 1970).