DO PAPIRO AO PAPEL ATÉ A QUIROXILOGRAFIA

Os chineses descobriram o papel e a tinta, o que preparou outras importantes invenções.  Simplificando o assunto, podemos afirmar que a evolução do papel foi a seguinte: papiro, pergaminho, palimpsestos, lâminas de faia (beech); o papel dos chineses, com Tsai-Lun, no ano 100 depois de Cristo; o papel moderno.

Antecedentes do papel

Recordemos, contudo, que diversos instrumentos de grafar auxiliaram o homem, numa rota de evolução para a necessidade de comunicar: pedra, madeira, barro e metal.

Em pedra estavam escritos os Dez Mandamentos.  Nos monumentos e marcos históricos, ainda hoje escrevemos em pedra.  A madeira foi adotada pelos chineses, egípcios e romanos.  O pergaminho e o papiro têm a mesma data: dois mil anos antes de Cristo.  Por outro lado, a pele humana também deu, infelizmente, bons pergaminhos.  A palmeira do Nilo, que atinge em geral um metro e oitenta de altura, fornecia o papiro.  Os babilônios faziam suas inscrições na argila da Mesopotâmia, tendo bibliotecas de peças em argila e em caracteres cuneiformes.  A lei das Doze Tábuas foi gravada em bronze.  A Idade Média utilizou o ouro e a prata. Para os textos de menos importância, os romanos usaram o pano, que é um material de pouca duração.  Os velhos saxões escreviam em tábuas de faia (beech).  De “beech” surgiu o vocábulo inglês “book” e o alemão “buch”.

Substituição do papiro pelo pergaminho

Os primeiros livros foram escritos em folhas de papiro.  Como este se partia com facilidade, substituíram-no pelo couro devidamente preparado – o pergaminho.  Por ser matéria duradoura, era preferido pelos antigos.  Os judeus escreviam os seus livros sagrados em pergaminhos, que ainda hoje usamos para documentos importantes, como diplomas.  Os escribas descobriram o meio de aproveitar os dois lados do couro, realizando assim a revolução de onde saiu o livro paginado.  Os monges escreviam nesses pergaminhos com penas de ganso, aplicando-se tanto quanto possível na caligrafia.  Às vezes, quando faltava material, raspavam-se as páginas e usavam-se as mesmas novamente. Eram os palimpsestos, do nome formado de palavras gregas, significando “raspar de novo”.

O uso dos palimpsestos, raspando-se o que já fora escrito no pergaminho, constituiu uma verdadeira tragédia para a cultura humana.  Muitos documentos importantes deixaram de chegar ao nosso conhecimento porque o alto custo do pergaminho provocava a decisão de se apagar os assuntos considerados ultrapassados, para sobre eles se escrever outra coisa.  Talvez hoje o mundo contemporâneo considerasse mais valiosos os informes relegados ao esquecimento. Não o sabemos – a comunicação foi cortada bruscamente, substituída por outra.

A técnica, porém, veio em auxílio da cultura – o uso dos raios X está possibilitando a leitura dos textos anteriores escritos no pergaminho.

O papel de trapo e as primeiras fábricas

O papel fabricado com roupas velhas, cascas de árvores e fios de cânhamo, data aproximadamente do ano 100 depois de Cristo – e foi obra dos chineses.  Atribui-se o seu descobrimento a Tsai-Lun, nome que deveria ser tão admirado e honrado quanto o de qualquer outro benfeitor da humanidade.

O Ocidente conheceu a nova matéria por intermédio dos árabes, que, no ano de 751, aprisionaram alguns operários chineses.  Teria sido montada em Samarcanda a primeira fábrica de papel. Seguiram-se a esta experiência no Turquestão, outras duas, fundadas, respectivamente, em Alepo e em Bagdá. Mas o invento levou muito tempo para chegar à Espanha, pois o mais antigo estabelecimento fabril de papel, instalado nesse país, é o de Játiva, e remonta ao ano de 1500 – data mais importante que muitas outras, comemorativas de batalhas ou de coroamentos reais.  Da mesma época são as fábricas de Toledo e Valência.

Realmente, na história das comunicações, o papel ocupa um lugar de destaque.  Em Portugal, no reinado de D. Dinis, em fins do século XIII, apareceu o papel de trapo, ocorrendo uma simultânea difusão na Alemanha.  Nuremberg, cidade hanseática, por sua situação especial – a meio caminho da Itália – tornou-se um dos maiores entrepostos mercantis do papel na Europa Central.  Essa cidade era a estação preferida pelos imperadores e o centro dos estudos astronômicos e geográficos do final da Idade Média.  É verdade que, antes do século XIII, a Alemanha já conhecia anteriormente o papel de trapo, importado da Itália.  Esse tipo de papel, a princípio grosso, desigual, áspero e pouco flexível, foi aperfeiçoado pelos obreiros europeus, que o fizeram mais fino e mais maleável.  Deu-se ao artigo, com esses melhoramentos, o nome de papel filigranado, ou “papel de marcas de água”, devido às marcas produzidas pelos fios de cobre fixados nas formas utilizadas em sua fabricação.

A gravura

A gravura, iniciada na China, com a xilografia, tomou enorme impulso nos meados do século XV, ao surgirem os primeiros livros impressos em pranchas de madeira ou de metal – os “Livros Tabulários”, como então se dizia.  O que mais ressalta nesses livros não são os textos, escritos quase sempre em latim, mas as imagens, que serviam, de modo especial, para auxiliar no serviço religioso.         A chamada “Bíblia dos Pobres” é uma exemplo típico de livro tabulário.  Com o progresso da imprensa, começariam a aparecer as gravuras em madeira, usadas juntamente com os caracteres móveis e à sua semelhança.

Gravadores famosos

Pfister, de Bamberg, foi o mais antigo gravador de madeira de que temos notícia.  Outro notável gravador  viveu em Angsburgo: Zainer.  A Bíblia gravada de Colônia, do ano de 1480, ficou famosa pelas suas estampas.  E a arte da gravura atingiu um alto nível com Dürer e Holbein.

A xilografia

A xilografia, ou seja, os impressos mediante placas ou chapas inteiriças de madeira, nas quais se gravavam previamente as letras, era praticada pelos chineses desde o século X, enquanto no Ocidente ela seria iniciada pelos monges. Os exemplares xilográficos mais antigos são desenhos de santos, com explicações à margem. A xilografia assinala a etapa imediatamente anterior à impressão tipográfica; pronta a tábua, a tiragem não tinha quase limite.  Arte de origem monástica, a xilografia aplicou-se a princípio na estampagem de motivos sacros em panos e tapetes das igrejas.  Atraída pelo comércio profano, logo se exercitou na impressão de imagens de santos, cuja procura aumentara com o incremento dado às peregrinações pelo Papa Bonifácio IX – os romeiros compravam – e traziam-nas para suas casas, como lembrança e atestado de presença e como objeto de culto.  Das figuras religiosas, estenderam-se os gravadores às de baralho, seduzidos pelo alto preço das cartas de jogar pintadas à mão.

Durante muito tempo se pensou que as figuras profanas houvessem precedido as sagradas.  Hoje, contudo, está provado o contrário.  De cartas impressas não há data certa anterior a 1470, nem data provável anterior a 1430, enquanto há imagens impressas datadas de 1423, indiscutível, para o São Cristóvão do Mosteiro dos Cartuxos de Buxheim, e a de 1419, aceita com reservas para a Virgem e o Menino Jesus, achada num velho cofre em Malinev.  O autor do São Cristóvão, datado de 1423, esculpiu duas linhas de legenda em gótico.

O interesse pelas imagens religiosas impulsionou a xilografia, vulgarizando-a.  O que antes era fruto da solidão e paciência dos que viviam nos conventos, transformou-se em artesanato.  Das estampas partiram os gravadores para os folhetos e opúsculos, e iriam certamente aperfeiçoar ainda mais o seu trabalho, se a tipografia não surgisse, para ultrapassar a impressão tabulária.

Dos manuscritos aos caracteres móveis: a quiroxilografia

A transição do manuscrito ao impresso – fase quiroxilográfica – pode  ser exemplificada pelo “Exercitium Super Pater Noster”, de 1425 aproximadamente.  Legendas escritas à mão vêem-se acima de seus dez quadros gravados.  Nos vários Apocalipses, alguns gravados e manuscritos, e outros apenas gravados, também se pode constatar esse período de transição.  Pelas suas inúmeras edições, a “Bíblia Pauperum” (Bíblia dos Pobres) deve ter sido o livro de maior popularidade, com desenhos em parte atribuídos a Van Eyck.  Por outro lado, no “Ars Moriendi”, a perfeição do entalhe das letras chama a nossa atenção.

A existência tão breve da impressão tabular provou que a tipografia já estava abrindo caminho.  O mundo de Gutenberg reivindicava livros, e colocava ao alcance do inventor todos os elementos que, reunidos e associados, resultariam nos tipos soltos de metal. Havia papel em abundância, quinze vezes mais barato do que o pergaminho; a tinta acabava de surgir, homogênea e indelével, das bem sucedidas experiências de Van Eyck. Adicionando à solução das cores em oleio de linhaça e nozes, umas substâncias resinosas, Van Eyck conseguiu impedir a deterioração, além de transmitir às tonalidades uma perene frescura e transparência.  A prensa de rosca, adequada ao esmagamento das uvas e azeitonas, ao aperto dos livros na encadernação e ao enxugamento do papel nas manufaturas, vinha sendo empregada pelos xilógrafos na tiragem rotineira de estampas e opúsculos.

Dispondo dos meios necessários à tarefa de libertação e multiplicação das letras presas à prancha, os xilógrafos tentaram uni-los, conseguindo efeitos como o da mobilidade do desenho em relação aos textos, e o da mobilidade das letras em relação às linhas, chegando a estampar textos inteiros com caracteres soltos de madeira.  Muitos gravadores, ourives e impressores quiseram afirmar seu merecimento como inventores da imprensa, arrebatando de Gutenberg a glória de terem atingido primeiro o termo decisivo e final – a fundição.  Suas reivindicações não procedem.  Gutenberg não deve ser reverenciado porque inventou os elementos da tipografia, desde que eram comuns.  Seu nome merece honra e gratidão porque reuniu esses elementos, ordenando-os de maneira útil e conseqüente.

É verdade que Janszoon Coster obteve caracteres móveis, em 1437, imprimindo com eles o “Abecedarim”, cinco anos antes do primeiro livro de Mogúncia, que foi o primeiro de Gutenberg.  Um neto de Mentelin, da Alsácia, afirmou que o avô imprimia com tipos móveis em Estrasburgo, desde 1438.  O fato é verdadeiro, com exceção da data, pois ficou provado ser a partir de 1458.  Gutenberg preparava o seu invento, nessa época, na mesma cidade em que vivia Mentelin, o que fez nascer a hipótese de que tivesse descoberto o segredo da tipografia.  Outra suposta prioridade beneficia o nome do polaco Waldfogel.  Por volta de 1445 ele trabalhou com letras de ferro e um “processo de escrever artificialmente”, embora não tenha ficado esclarecido se essas letras eram fundidas.  Ao que parece, tratavam-se simplesmente das letras dos encadernadores.

Theresa Catharina de Góes Campos

 (do livro “O progresso das comunicações diminui a solidão humana? Uma interpretação histórica das comunicações gráficas e audiovisuais, desde a Pré-História até o Intelsat” – de Theresa Catharina de Góes Campos.  Editora Lidador, 1970).