IMPRENSA E LIBERDADE NO BRASIL

Primeiras tipografias

Em 1706, sob os auspícios do governador Francisco de Castro Morais, instalou-se no Recife uma pequena tipografia para a impressão de letras de câmbio e oração devotas. A Carta Régia de 8 de junho do mesmo ano, entretanto, arruinou o empreendimento, ao determinar que se devia “seqüestrar as letras impressas e notificar os donos e os oficiais de tipografia que não imprimissem nem consentissem que se imprimissem livros ou papéis avulsos”.

Outra tentativa pioneira de instalar a imprensa no Brasil ocorreu no Rio de Janeiro, em 1746.  Como a anterior, recebeu o apoio da autoridade local, o governador Gomes Freire.  Um antigo impressor de Lisboa, Antônio Isidoro da Fonseca transferiu-se à colônia, trazendo na bagagem o material tipográfico com que montou no Rio a pequena oficina.  Chegou a colocá-la em atividade, pois imprimiu alguns trabalhos, entre os quais se destaca a Relação da Entrada do Bispo Antônio do Desterro, redigida por Luís Antonio Rosado da Cunha, com dezessete páginas de texto.  Mas a metrópole não tardou a ordenar o incêndio da tipografia, para que não viesse a ser instrumento de conspiração contra o Estado.  Segundo Nelson Werneck Sodré, parece que teve relação com o episódio a Ordem Régia, datada de 6 de julho de 1747, proibindo a impressão, e falando sobre as punições em que incorreriam os infratores.  Confiscou-se todo o material de Isidoro da Fonseca, além de lhe ser negada autorização para que reiniciasse suas atividades.  De qualquer modo, seu nome ficou guardado na História como impressor do primeiro folheto no Brasil.

A imprensa régia

A imprensa entrou no Brasil pela mão do governo.  Com a vinda da corte portuguesa para o nosso país, Antônio de Araújo, futuro conde de Barca, trouxe no porão do navio “Medusa” o material gráfico destinado à Secretaria de Estrangeiros e da Guerra, de que era titular, e que não chegara a ser montado.  Aportando aqui o navio, mandou colocá-lo em sua casa, à rua dos Barbonos.

O Ato Real de maio determinava:

“Tendo-se constado que os prelos que se acham nesta capital eram os destinados para a Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, e atendendo à necessidade que há de oficina de impressão nestes meus Estados, sou servido que a casa onde eles se estabeleceram sirva inteiramente de Impressão Régia, onde se imprimiam exclusivamente toda a legislação e papéis diplomáticos, que emanarem de qualquer repartição de meu Real Serviço, ficando inteiramente pertencendo o seu governo e administração à mesma Secretaria.  Dom Rodrigo de Souza Coutinho, do meu Conselho de Estado, ministro e secretário dos Negócios Estrangeiro e da Guerra, o tenha assim entendido, e procurará dar ao emprego da oficina a maior extensão e lhe dará todas as instruções e ordens necessárias e participará a este respeito a todas as estações o que mais convier ao meu Real Serviço.  Palácio do Rio de Janeiro, em 31 de maio de 1808”.

Competia à junta que administrava a Impressão Régia, além do trabalho da gerência, “examinar os papéis e livros que se mandassem publicar e fiscalizar que nada se imprimisse contra a religião, o governo e os bons costumes”.  Juntamente com a imprensa, nascera a censura, velando para que o exame prévio dos censores reais legalizasse todo impresso.  Foram os primeiros censores:  frei Antônio de Arrábida, padre  João Manzoni, Carvalho e Melo, e José da Silva Lisboa.

A “Gazeta do Rio de Janeiro”

Da impressão Régia, saiu o primeiro número da “Gazeta do Rio de Janeiro”, a 10 de setembro de 1808, dirigida por frei Tibúrcio da Rocha.  Jornal oficial, nada trazia de interessante para o leitor comum. Depôs Armitage sobre a “Gazeta do Rio de Janeiro”:

“Por meio dela só se informava ao público, com toda a fidelidade, do estado de saúde de todos os príncipes da Europa e, de quando em quando, as suas páginas eram ilustradas com alguns documentos de ofício, notícias dos dias, natalícios, odes e panegíricos da família reinante.  Não se manchavam essas páginas com as efervescências da democracia, nem com a exposição de agravos.  A julgar-se do Brasil pelo seu único periódico, devia ser considerado um paraíso terrestre, onde nunca se tinha expressado um só queixume”.

A ausência de qualquer frase que denotasse descontentamento foi assim explicada por Nelson Werneck Sodré, em “A História da Imprensa no Brasil”.

“Claro que havia queixumes.  Como expressá-los, porém, numa folha cujo material de texto era extraído da Gazeta de Lisboa ou de jornais ingleses, tudo lido e revisto pelo conde de Linhares e, depois, pelo conde de Galveias, e que não tinha outra finalidade senão agradar à Coroa de que tão estreitamente dependia?”

Com a demissão de Frei Tibúrcio, após quatro anos de trabalho não remunerado, passou a “Gazeta do Rio de Janeiro” a ser dirigida por Manuel Ferreira de Araújo Guimarães.  Hipólito da Costa lamentaria que se consumisse “tão boa qualidade de papel em imprimir matéria tão ruim”, crítica justificada e que poderia ser aplicada, anos depois, a outros periódicos.  Com todos os seus defeitos, porém, a “Gazeta do Rio de Janeiro” representou o marco inicial da imprensa brasileira.

Hipólito da Costa e o “Correio Braziliense”

O primeiro número do “Correio Braziliense”, que Hipólito da Costa fundou, dirigiu e redigiu, em Londres, apareceu a primeiro de junho de 1808, três meses antes, portanto, da data em que surgiu a “Gazeta do Rio de Janeiro”.  Se aceitarmos o jornal de Hipólito da Costa como integrado no jornalismo de nosso país, aquela seria a data inicial do nosso periodismo.  Já dois números do “Correio Braziliense” circulavam, e possivelmente no Brasil, quando surgiu o primeiro número da “Gazeta do Rio de Janeiro”.  Enquanto o periódico de Hipólito da Costa era uma espécie de brochura, com mais de cem páginas, mensal, de teor doutrinário, com capa azul escuro, de alto preço, a folha dirigida por Frei Tibúrcio era composta de poucas páginas, de conteúdo mais informativo que doutrinário e a baixo preço.  A “Gazeta do Rio de Janeiro” não tinha competidores e aparecia a curta periodicidade, podendo ser citada como um exemplo rudimentar do tipo de jornal que hoje conhecemos.  O jornalista Hipólito da Costa, por seu turno, objetivava conquistar opiniões, influir na coletividade, através do “Correio Braziliense”, onde publicava estudos das questões mais importante relacionadas à Inglaterra, a Portugal e ao Brasil.

Por ter surgido devido a circunstâncias externas e ser feito no exterior, é bastante discutida a inserção do “Correio Braziliense” na imprensa brasileira.  De acordo com o seu editor: “Resolvi lançar esta publicação na capital inglesa dada a dificuldade de publicar obras periódicas no Brasil, já pela censura prévia, já pelos perigos a que os redatores se exporiam, falando livremente das ações dos homens poderosos”.

Realmente, conhecendo a situação política da época, compreendemos logo o quanto seria difícil manter o jornal fora do alcance da censura.  Muitos exilados editaram jornais fora de seus países, visando a não deixar de participar das lutas nacionais.  Esses jornais, como o “Correio Braziliense”, conseguiam entrada clandestina onde deviam circular.  Diferiam, contudo, do jornal de Hipólito da Costa, porque mantinham uma estreita  ligação com os assuntos internos de que tratavam.  No “Correio Braziliense”, as questões relativas ao Brasil eram consideradas segundo as condições internacionais.

A figura de Hipólito da Costa tem sido glorificada por alguns autores e severamente criticada por outros.  Neste trabalho, limitar-nos-emos a apresentar os fatos.

Sabemos que chegou à Inglaterra em 1805, fugindo da Inquisição de Portugal.  Seu jornal teve circulação freqüente, de 1808 a 1822, com 175 números e diversas seções:  Política, Comércio e Arte, Literatura e Ciências, Miscelânea.  Apresentou-se o “Correio Braziliense” com o seguinte editorial:

“O primeiro dever do homem em sociedade é ser útil aos membros dela; e cada um deve, segundo as suas forças físicas e morais, administrar, em benefício da mesma, os conhecimentos ou talentos que a natureza, a arte ou a educação lhe prestou.  Ninguém mais útil, pois, do que aquele que se destina a mostrar, com evidências, os acontecimentos do presente e desenvolver as sombras do futuro.  Tal  tem sido o trabalho dos redatores das folhas públicas, quando estes, munidos de uma crítica sã e de uma censura adequada, representam os fatos do momento, as reflexões sobre o passado e as sólidas conjecturas sobre o futuro”.

Nas páginas do “Correio Braziliense”, Hipólito da Costa preconizava reformas de base administrativa, embora fosse seu desejo que as mesmas fossem realizadas pelo governo, e não que viessem do povo.  Preocupava-se em combater a corrupção; aplaudiu o aparecimento da tipografia no Brasil; pediu a abertura de estradas, uma redação de mapas, um exame da navegação fluvial.

Imprensa e liberdade no Brasil

As figuras mais representativas do jornalismo brasileiro estiveram sempre a serviço do progresso nacional, interpretando os legítimos interesses da coletividade.  Nem mesmo prisões, atentados, assassínios, destruição do material tipográfico, obstáculos interpostos à livre circulação de jornais, nada disso impediu que aqueles jornalistas deixassem de ser os porta-vozes das aspirações populares em prol da independência e da soberania de nosso país.  Mesmo quando o regime colonial provocava a ausência de jornais, já existia uma consciência jornalística, quer dizer, uma ânsia de comunicação, de doutrinação, como pode ser exemplificado com a atitude dos baianos que se insurgiam contra Portugal, em 1798.  Nessa época, circulavam na cidade do Salvador, e eram afixados às paredes, os “papéis sediciosos”, por meio dos quais os patriotas conclamavam o povo a pegar em armas contra o domínio português.  Não obtiveram a vitória, na ocasião, mas a sua causa conheceria o êxito em 1822.  Desejavam a independência política e o estabelecimento de relações comerciais com todos os países, reivindicações conseguidas a partir de 1808.

Com a abertura dos portos brasileiros, em 1808, entraram clandestinamente diversos impressos e jornais.  O governo também concedia seu apoio, por sua vez, a determinadas folhas que pretendiam  neutralizar os efeitos da leitura  do material contrabandeado, sucedendo-se as experiências de periódicos.

Depois da “Gazeta do Rio de Janeiro”, surgiu na Bahia a “Idade d’Ouro do Brasil”, circulando às terças e sextas-feiras, com 4 páginas.  Lançada sob os auspícios do conde dos Arcos, sua orientação era inteiramente absolutista, o que se nota logo pelo título, que indicava ser o período joanino uma época áurea.  Com a derrota do general Madeira e a expulsão das forças portuguesas do solo baiano, em 1823, deixou de circular a “Idade d’Ouro do Brasil” que, por doze anos, defendeu a dominação portuguesa.  A indignação dos brasileiros contra o periódico era tal que o livreiro Paul Martin, seu agente no Rio, desistiu de vendê-lo, restituindo a importância das assinaturas  recebidas.

As autoridades mostravam-se temerosas da influência exercida pelas idéias que Hipólito da Costa difundia através do “Correio Braziliense”, e incentivaram folhetos do gênero panfletário e outros periódicos.  Em 1809, em Lisboa, apareceram as “Reflexões sobre o Correio Braziliense”, editado na Impressão Régia e que teve seis números.  O desembargador José Joaquim de Almeida tirou também daquela oficina quatro cadernos de combate às posições assumidas por Hipólito da Costa.  Com isso, o “Correio Braziliense” tinha publicidade gratuita.

Os primeiros periódicos

Sucedendo-se à “Gazeta do Rio de Janeiro”, os primeiros jornais e revistas do Brasil, não-oficiais, surgiram na Bahia.

Em 1812, “Idade d’Ouro do Brasil” anunciava a publicação de “As Variedades” ou “Ensaios de Literatura”, sendo redator de ambos, Diogo Soares da Silva de Bivar, um dos pioneiros das folhas independentes.  Nascido em Portugal, Diogo de Bivar era um homem culto e dinâmico; foi advogado em Salvador e exerceu durante muitos anos diversas e importantes comissões políticas.  Quando faleceu, aos oitenta anos de idade, um de seus filhos mandou inscrever no túmulo do jornalista:  “Nasceu abastado, viveu ilibado e morreu pobre”.

O funcionamento dos cursos jurídicos em São Paulo e Recife, transformou essas duas cidades em centros culturais.  A mocidade universitária, assumindo posições de vanguarda, relacionava-se intimamente à imprensa.

Um balanço dessa época aponta 9 jornais no Rio de Janeiro e 22 nas províncias.

“O Farol Paulistano”

Na  província de São Paulo, em 1827, começou a circular “O Farol Paulistano”, de José da Costa Carvalho.  Um de seus redatores, Antônio Mariano de Azevedo Marques, foi o fundador de “O Paulista”, de 1823, inteiramente manuscrito, justificando-se assim em sua apresentação:

“Como desgraçadamente não tem sido possível à província de São Paulo obter um prelo para se comunicarem e disseminarem as idéias úteis e as luzes tão  necessárias num país livre, é mister lançar mão do único meio que nos resta.  Deverá pois ser suprida a falta de tipografia pelo uso de amanuenses, que serão pagos por uma sociedade patriótica e aos quais incumbe escrever o número de folhas que devem ser repartidas pelos subscritores no dia determinado para a sua publicação”.

A primeira mulher no jornalismo brasileiro

Ximenes de Bivar e Velasco, filha do criador de “Idade de Ouro do Brasil”, foi a primeira mulher a assumir funções de jornalista, tendo fundado e dirigido o “Jornal das Senhoras”, na Bahia, em 1852.

A caricatura nos primórdios da imprensa brasileira

O ano da Independência do Brasil viu surgirem numerosos periódicos, na Corte e nas Províncias, caracterizando a tensão política vigente e assinalando as diversas correntes de opinião.

Não só polemistas, mas gravadores, desenhistas, caricaturistas, deram a sua parcela de contribuição.  Na “Gazeta do Rio de Janeiro”, apareceu a gravura, utilizada anteriormente apenas como artesanato provinciano.  O desenho, a charge, a caricatura, imprimiram uma feição nova aos jornais.  Bonecos animando o texto cru apareciam em simples pasquins de 1831, saídos da Litografia Brigg.

No setor da caricatura brasileira, destacaram-se os nomes de: Pinheiro Guimarães, Aurélio de Figueiredo, Agostini, Bordalo Pinheiro, Cordeiro.  Desses, uns dirigiram periódicos, outros, foram os seus fundadores.  Como fruto de muitos esforços e sacrifícios, surgiram: “Lanterna Mágica”, de 1844; “Diabo Coxo”, de 1864; “Mosquito”, “Revista Ilustrada”, “Dom Quixote”, “O Mequetrefe”, “O Lobishomem”, “O Tupi”.  Do começo do século XX até os nossos dias apareceram: “O Malho”, “O Tico-tico”, “Careta”, etc.

Theresa Catharina de Góes Campos

(do livro “O progresso das comunicações diminui a solidão humana? Uma interpretação histórica das comunicações gráficas e audiovisuais, desde a Pré-História até o Intelsat” – de Theresa Catharina de Góes Campos. Editora Lidador, 1970.)