O TELEFONE E ALEXANDER BELL

a) JUSTIÇA SEJA FEITA

b) PROFESSOR, INVENTOR E MARIDO DE MABEL

 

a) JUSTIÇA SEJA FEITA

Congresso dos EUA, enfim, reconhece oficialmente o que os livros de história esqueceram de dizer: foi o italiano Antonio Meucci e não o escocês Grahan Bell o inventor do telefone.

Alexander Graham Bell inventou o telefone.  Assim está escrito nos livros de história do mundo interio.  Menos na Itália, onde a população sempre esteve convencida de que um compatriota, Antonio Meucci, nascido em Florença, descobriu a forma mais usada de comunicação a distância 16 anos antes de Bell, em 1860.  No domingo, os norte-americanos finalmente se dobraram ao fatos e corrigiram o erro histórico.  A Câmara dos Deputados, em Washington, reconheceu por aclamação o feito do italiano 113 anos após sua morte.

A idéia de inventar um equipamento elétrico de transmissão de voz surgiu quando Meucci trabalhava como maquinista no Teatro della Pergola, em Florença.  Ele era o responsável por fazer subir e descer os diferentes cenários do palco e sonhava em inventar um mecanismo para facilitar a comunicação entre diretores e atores que contracenavam.  Mas o italiano teve de adiar  os planos de colocar sua genialidade em prática.  Bastante envolvido com a política nacional, passou a ser perseguido por defender a integração da Itália e teve de fugir para Cuba.

Foi na ilha caribenha que Meucci começou a juntar dinheiro curando pacientes de artrite com descargas elétricas, em 1849.  Sua mulher, Ester, sofria do mesmo mal.  Os dois decidiram então mudar-se para Nova York, onde se juntaram à colônia italiana.  Quando Ester ficou paralítica, Meucci empenhou-se ainda mais nos estudos e concluiu, em 1860, o projeto de seu teletrófono, baseado na comunicação eletrônica, que havia iniciado em Cuba.

A engenhoca, formada por uma diversidade de fios, facilitou a vida do casal.  Como não podia se deslocar, Ester ficava em seu quarto, no segundo andar de uma casa em Staten Island, e usava o teletrófono para chamar o marido, que trabalhava no sótão.  Entusiasmado com o invento, Meucci divulgou-o a um jornal nova-iorquino, mas não conseguiu atrair muita atenção, pois a publicação era em italiano.  Apesar da falta de repercussão, o imigrante procurou empresários interessados em financiar o produto.  Como não falava inglês, ninguém lhe recebeu.  Enviou um modelo à Western Union, companhia de telégrafos, mas a barreira do idioma impediu uma reunião com executivos.

Preocupado em não perder o crédito nem os lucros pela criação do aparelho, Meucci tentou patenteá-lo em 1871.  No entanto, não tinha os US$ 250 exigidos para obter a patente.  Contentou-se então em registrar apenas o anúncio de invenção, mais barato e renovável a cada ano por US$ 10. Como em 1874 não tinha nem isso, perdeu a renovação da licença.

Dois anos depois, Bell, que trabalhava num laboratório onde o italiano conseguiu algumas peças para seu invento, patenteou uma versão atualizada do telefone, batizado de telégrafo de voz.  Sem sofrer a barreira da língua, conseguiu patrocínio e respaldo comercial para patentear o invento.  Graças à patente, fundou o que hoje é uma gigante norte-americana das telecomunicações, a AT&T.

Ajudado pela comunidade italiana, Meucci processou Bell e a patente do escocês foi anulada em janeiro de 1887, por fraude e falsidade, sentença confirmada pela Corte Suprema.  Mas era tarde.  Bell já havia ganho os louros da descoberta e o imigrante italiano morreu dois anos depois, sem a glória de ter reconhecida sua contribuição para a humanidade.  Com o lobby dos parlamentares ítalo-americanos, especialmente do republicano Vito Fossella, justiça foi feita após mais de um século.

Da Redação

Correio Braziliense

Brasília, quinta-feira, 20 de junho de 2002.

Do livro “Progresso das Comunicações diminui a solidão humana?  Uma interpretação histórica das comunicações gráficas e audiovisuais, desde a Pré-História até o Intelsat” – de Theresa Catharina de Góes Campos.  Editora Lidador, 1970.)

 

 

b) PROFESSOR, INVENTOR E MARIDO DE MABEL

Alexander Bell, que teria inventado o telefone e se interessou pela tecnologia do som, casou-se com uma jovem totalmente surda.  Durante quase 50 anos, Mabel Hubbard amparou e inspirou seu brilhante mas excêntrico marido.

Mabel aprendeu a ler os movimentos dos lábios, conseguiu instruir-se e atingir um nível de cultura bastante elevado.  Quando o Estado de Massachusetts preparava-se para elaborar as leis necessárias à criação de escolas para surdos, o pai de Mabel empenhava-se nessa luta.  E levou a filha, com nove anos de idade, para ser interrogada pelos legisladores.

Perguntaram-lhe o que estudava, se tinha irmãos ou irmãs...  Mabel ia respondendo com  naturalidade.  Sua voz não era normal, além de apresentar uma tendência a ser aguda e apagada – mas era inteligível, e de nenhum modo desagradável.  Passado o primeiro momento de surpresa, os membros da comissão crivaram-na de perguntas sobre História e Geografia, propondo-lhe também a solução de problemas simples de Aritmética.  As respostas de Mabel vinham prontas e seguras.  Quando um dos legisladores indagou se a menina sabia ler, sua professora Mary True entregou-lhe um livro, e Mabel leu uma ou duas páginas com tanta facilidade e clareza, que algo assim como um assombro pareceu descer sobre todo o recinto.  A presença da garota surda encerrou os debates, e a comissão especial recomendou que, em todas as escolas para surdos que viessem a ser fundadas em Massachusetts, as crianças deveriam aprender a falar e a ler os movimentos dos lábios.  Isso foi uma grande vitória, se considerarmos que, naquele tempo, o Estado não tinha lei alguma referente às crianças mudas, que eram simplesmente despachadas para o vizinho Estado de Connecticut, ao completarem dez anos.

Mabel, ao doze anos de idade, foi levada por seus pais à Alemanha, para que se matriculasse numa das mais adiantadas escolas de surdos.  Entretanto, os diversos diretores procurados mostravam-se incrédulos, ao se entrevistarem com a menina.  Chegaram a dizer:  -É impossível! Nenhum surdo poderia ter o conhecimento que ela tem, nem poderia conversar com o desembaraço com que ela conversa!

Por isso, Mabel não chegou jamais a freqüentar qualquer escola para surdos na Alemanha.  Sua mãe matriculou-a num excelente colégio para crianças normais.  Ali, ninguém falava inglês, nem mesmo os professores; mas em poucos meses Mabel lia, escrevia e falava alemão com facilidade.  Como seus próprios pais também desconheciam o idioma, ela lhes servia de intérprete, quando empreendiam passeios ou precisavam fazer compras.

Permanecendo na Europa até os 15 anos, Mabel regressou a Boston atraída pelas notícias de um jovem e extraordinário professor, que pronunciara conferência naquela cidade, expondo um novo método para ensinar os surdos a falar e melhorar a voz.  Chamava o processo de “Fala Visível” e, a julgar pelo que se dizia, os resultados constituíam autênticos milagres.

O professor era Alexander Graham Bell, cujo pai adquirira fama como “corretor de pronúncia defeituosa.”  Desde cedo, Alexander Bell aprendeu o sistema da “Fala Visível”, concebido por seu genitor, o qual consistia no desenho de uma série de símbolos cuneiformes, destinados a mostrar aos alunos gagos a posição do céu da boca, da língua e dos dentes, necessária à produção de determinado som.  A pura mecânica da  produção dos sons exercia um grande fascínio sobre o futuro inventor do telefone.  Com a idade de 16 anos, arranjou emprego na Academia Weston House, de Elgin, na Escócia, para ensinar não só Elocução como Música.  Dentro em pouco, alargou o seu campo de atividade, ministrando lições numa escola para surdos em Londres, embora estudasse na Universidade de Edimburgo e na Universidade de Londres.  Em 1871, Alexander Graham Bell era o professor de Fisiologia Vocal, na Escola de Oratória da Universidade de Boston, onde conheceu a menina-moça de 15 anos que seria o grande amor de sua vida.

Alexander e Mabel casaram-se em julho de 1877.  Antes do matrimônio, Mabel já demonstrara aptidão comercial, qualidade não encontrada no inventor.  Ela insistira junto a Bell para que colocasse o telefone na Exposição do Centenário em Filadélfia, promovida para as comemorações do centésimo aniversário da independência dos Estados Unidos.  Afirmara:  -“Esta é a sua grande oportunidade.  O país inteiro verá e ouvirá o seu telefone.”

Se Mabel não tivesse insistido tanto, ele ficaria a vida inteira aperfeiçoando seu invento.  Ela animava-o a defender seus interesses, a continuar suas pesquisas; divulgava os projetos por ele concebidos, desde os incontáveis melhoramentos no telefone e a concepção de um rudimentar pulmão de aço para vítimas de poliomielite até as experiências ligadas ao rádio, à aviação, e o princípio das aletas aquáticas para embarcações de alta velocidade, que ele aperfeiçoou.

Por outro lado, Alexander Bell nunca diminuiu a sua grande dedicação aos surdos.  Foi ele quem mandou os aflitos pais de Helen Keller, nascida cega e surda, à escola onde Anne Sullivan ensinava.  O inventor destinou aos surdos todos os lucros de um dos seus projetos mais rendosos:  o fonógrafo.

Durante três anos, ele e dois colaboradores trabalharam para aperfeiçoar o fonógrafo de Edson.  Introduziram-lhe várias modificações, sendo a mais notável a substituição dos discos cilíndricos, que eram incômodos e fáceis de quebrar, pelos discos chatos.

Inspirado no exemplo da educação inicial de sua esposa, aplicou uma outra parte de seus lucros na criação de uma escola em que as crianças surdas e normais estudariam juntas, o que viria a permitir que os alunos com deficiências físicas participassem das atividades próprias da infância, tornando-se aptos a se comunicarem.

Durante quase 50 anos, as vidas de Mabel e Alexander Bell foram uma só existência.  Bell morreu em agosto de 1922 e sua esposa em janeiro do ano seguinte.  Sepultados lado a lado, numa colina, encontramos apenas estas palavras, em seus túmulos: “Alexander Graham Bell, inventor” e, “Mabel Hubbard Bell, sua dedicada esposa.”

Theresa Catharina de Góes Campos