Correspondência Eletrônica & sonegação pelo Empregador

Agnes Altmann

É constitucionalmente democrático propagar a devassa de direito fundamental para justificar a "legalização" do monitoramento de toda e qualquer entrada/saída de correspondência eletrônica, utilizando equipamentos do órgão ou empresa empregatícia?

Os direitos fundamentais do cidadão até mesmo desempregado sofrem constantes investidas "doutrinariamente jurídicas" em prol de defender o "direito" do mais forte. No caso dos empregadores brasileiros e/ou estrangeiros em qualquer parte do mundo poderem sonegar e violar e-mails dos empregados, sob a simples alegação de que neles se tratam de assuntos alheios ao trabalho, tais como planejamento de viagens, trocas de comunicações pessoais do tipo que se recebe normalmente por telefone ou correios, vindas de amigos e parentes através da rede, visto ser mais "veloz",  malgrado o risco de serem vistas por quem quer que seja -, carece de boa doutrina e suportes verdadeiramente legais, encimados pelos princípios de que muitos  "direitistas" se dizem seus maiores arautos, mas não quando se trata de  evitar abuso de autoridade nas interrelações empregados x empregadores...

Considera-se correspondência toda mensagem escrita por meio  de carta ou de qualquer outro meio de comunicação, quer expedida por órgão público (oficial) ou trocada entre particulares (privada). Se o empregador num regime constitucionalmente democrático não pode devassar correspondências vindas pelo correios (ECT's) inclusive franqueadas, que sejam endereçadas para o local de trabalho do destinatário, seja ele empregado ou empregador, com base em que argumento "jurígeno" o empregador pode devassar correspondências eletrônicas, ainda que sem lacre, pelo simples fato de chegarem ao  destinatário (empregado) através de equipamento disponibilizado no  ambiente  de  trabalho  de propriedade exclusiva do empregador? Ora, baseado no "Poder Diretivo" do empregador em relação aos empregados, não poderia do mesmo modo o Estado impor aos empregadores o seu  Poder de Polícia ou Fiscal para unilateralmente exigir o cumprimento de normas e leis que asseguram o direito de greve aos empregados sem que  estes tenham que sofrer quaisquer punições ou proceder à quebra do sigilo bancário dos empregadores sonegadores de impostos sem prévia autorização judicial?...

Considera-se delito de sonegação também quem se apossa indevidamente de correspondência alheia, mesmo sem lacre, e no todo ou em parte a sonega ou destrói (Código Penal art. 151 parágrafo 1º). Por sua vez, a violação é a devassa ilícita e indevida do conteúdo de correspondência 'fechada'. ( CPM, art. 227, decreto 83.855).

Diz-se que a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos  e  liberdades  fundamentais (CF, art. 5, XLI). Se assim é, com base em que lei infraconstitucional poderá o empregador alegar motivo para rescindir contrato de trabalho por 'justa causa'  porque o empregado  consulta e-mail particular ou navega por páginas que não têm nada a ver com o seu trabalho, só para ter um momento de relax nas horas de "folga"? Inegavelmente muitos empregados usam dentro do próprio local  de trabalho o computador para fustigarem colegas com "lições morais" e todo tipo de chocarrices que sói acontecer entre colegas internáuticos que  sequer visualmente e nem pessoalmente se conhecem, mas que por  terem acesso aos endereços eletrônicos, se prestam para projetar humores terroristas, divulgando-os "gratuitamente" no mundo internáutico sem solicitação prévia dos respectivos destinatários. Contra os que tais abusos praticam é que caberia a criação de mecanismos para inibir os responsáveis "anônimos", sobretudo em razão de outro direito não menos fundamental: a vedação do anonimato e a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (CF, art. 5, IV e X).

Exatamente por ser livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura (CF, art. 5, IX) não pode o empregador usar e abusar do seu poder, mesmo porque até o Estado não pode administrativa nem policialmente atuar com  abuso de autoridade em hipótese alguma - tanto que, mesmo com base em provas, até o mais vil criminoso tem todos os seus direitos assegurados sob o pálio dos 'direitos humanos'. Além do mais, embora dificilmente levado a sério, permace o direito fundamental de que é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dadose das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal (CF. art. 5, XII).

Se o empregador pretende reduzir os abusos internáuticos, (vírus, por exemplo) lançados aleatoriamente nos sistema internet nem sempre verificáveis pelos usuários, pois que seja à luz do direito civil, invocando  outro direito não menos fundamental qual seja, o de se poder invocar a  norma que assegura indenização por dano material, moral ou à imagem  (CF,  art. 5, V), sem contudo, pretender "extraditar", demitir por desídia ou  justa causa o empregado que tem preferências ou gostos por piadas de  sexo e as envia para o mundo inteiro, ou divulga mensagens aparentemente inocentes de cunho infamantório, obsceno, pornográfico, desonroso, etc., usando imagens, por exemplo, de pessoas associadas a caras de cachorros, ou mesmo prostibulantes... sem que a vítima tenha meios de provar ou detectar o responsável dentro do próprio local de trabalho.

A restrição a ser feita, essa sim, deveria ser em relação ao abuso  do direito de comunicar tal como é válido para a imprensa em geral de não causar lesões à honra, à  privacidade, à imagem com boatos, críticas,   maledicências que de forma impune são veiculadas nas correspondências eletrônicas  através de equipamentos não só de empresas mas também de particulares, que por sua vez tampouco estariam protegidos contra o monitoramento do empregador para saber o que o seu empregado faz nas horas vagas.

Agnes Marta Pimentel Altmann

Bel. Direito & Mestrado Relações Internacionais

O artigo Correspondência Eletrônica & sonegação do Empregador foi publicado como matéria inédita na revista Justilex n. 10 Out/2002 vide site www.justilex.com.br