O HOMEM, UM SER SOCIAL? Agnes Marta Pimentel Altmann Que mundo almeja-se para o Terceiro Milênio? Certamente uma completa gama de problemas sem possibilidades realistas de solução a curto prazo atravessará o novo milênio. A violência em todas as grandes cidades do Planeta dobra a cada dia, assumindo as mais variadas formas em todos os setores da vida cotidiana. Essa terrorífica explosão de violência se associa desde ao caos no trânsito à "explosão humana" sem um eqüivalente crescimento econômico, aos absolutismos religiosos, ao alastramento da miséria, do desemprego, das doenças, das guerras, do narcotráfico, do comércio armamentista, aos crescentes níveis de apatia pela política partidária, à crise de representatividade, ao enfraquecimento dos sistemas políticos e das relações do indivíduo com o Estado, em síntese, à perda de credibilidade dos "humanos" pelo ser humano, do desrespeito à dignidade do Homem. Pelo levantamento desses fatores é de se perguntar com certa dose de ironia: - "o homem é um ser social?" ? A julgar pelos freqüentes debates sobre a paz e a segurança mundiais com seus sofríveis resultados, em vista do muito dispendido para se obter acordos que dificilmente são postos em prática pelos Estados, e pelos contínuos conflitos de interesses internacionais, parece que, quanto mais os homens se reúnem menos se unem. E que dizer do conceito do homem "ser social" diante das super avançadas "opções arquitetônicas" e das extravagâncias urbanísticas das grandes cidades que privilegiam as longas distâncias, o transporte pessoal e restringem cada vez mais a vida social a recintos privados, fechados e discriminatórios? Com efeito, o conceito orientador de modelos sociais e das grandes ideologias da sociedade moderna transformou-se num dilema para os socialistas e progressistas, tampouco isentos de corrupções. Sem dramatizações, mas já não se acredita mais nem na esquerda nem nos progressistas, muito menos nos marxistas. Embora o debate ideológico continue ainda em pauta, sobretudo nos meios "acadêmicos", sabe-se que nem o capitalismo nem o neoliberalismo são panacéias para os problemas cruciais de milhões de seres humanos, completamente alijados da "civilização humana" e do desenvolvimento mundial. Mesmo com a contribuição comunista da irrevogável e definitiva queda do colonialismo, o abismo entre ricos e pobres se afunda cada vez mais no mundo. A ver pelas consideráveis carências de milhões de crianças desamparadas, com altas taxas de mortalidade, de milhões de jovens desesperados com a falta de trabalho, e de milhões de pessoas na 3ª idade às voltas com aposentadorias irrisórias, clamando angustiadamente para que os governos não os abandonem à beira da miséria, após anos a fio de labuta. A perda da autoridade do Estado dá lugar às privatizações e sua atuação está paulatinamente sendo substituída pela crescente ação das "organizações não-governamentais" que, em muitas atividades sociais já estão gerenciando a comunidade, na tentativa de reconstruir o verdadeiro sentido de participação democrática e solidária dos seres sociais (indivíduos) para que haja mais justiça nos setores em que o Estado tem se omitido. Até então, para o Estado o "homem é um ser social" apenasmente para onerar com pesados impostos e restringir direitos. Assim mesmo onera desigualmente, pois nem todos os membros sociais colaboram com os impostos, apesar de usufruírem da vida em sociedade. Na verdade, os que mais dela se beneficiam menos impostos pagam. Nas atuais conjunturas do Estado, a cidadania é uma "simples maneira de dizer", uma "pseudologia", "sem nenhum" propósito verdadeiro de fazer incidir na consciência de cada indivíduo o respeito a tudo que se refere à dignidade humana, de todos darem a todos oportunidade de acesso aos mesmos meios e facilidades, de modo que se estabeleça uma convivência humana socializadora mais equilibrada, sem os dramáticos desníveis das classes sociais e assegure a defesa dos interesses mais além dos meramente individuais. Já se tem em demasia uma longa história de violência a perturbar o afã socialitário que leva tudo a crer que o "homem é o lobo do homem" (Hobbes). Desde os tempos mais remotos, os homens só entendem de razões por meio da força e do poder econômico. Raramente se viu na história da "civilização humana" alguma conquista de paz e liberdade que não pela violência... Se se pretende não perder de vista o sistema democrático, urge recuperar o significado do Homem como ser social, precisamente pela diversidade de individualidades. É possível compatibilizá-las pela dialética entre o bem estar individual e o bem-estar social. Para tanto, se supõe uma interdependência entre o indivíduo e a sociedade. A vitalidade da sociedade depende do bem-estar de todos os indivíduos numa via de mão dupla, de tal modo que a sociedade é um estágio de convivência humana em que se põe à prova o grau de solidariedade, na mira do bem e dos interesses de todos os indivíduos, sem discriminações e em igualdade de condições. Esse ideário se converte em realidade à medida em que se elevar o grau de consciência da cidadania nas até então semi-sociedades democráticas que se caracterizam pelos conglomerados de indivíduos entricheirados nos seus interesses privados contrapostos, causadores de conflitos e violência, o que só conduz ao caminhar com uma mão no arado e outra no fuzil. Pela mutilação do Homem como 'ser social' e pela subversão da dignidade humana, o mundo carece de mais solidariedade para se resgatar a verdadeira função da sociedade. Quanto à ideologia das privatizações como panacéia para a ineficiência social do Estado, oxalá a Lua e os demais planetas do espaço cósmico não sejam privatizados nem latifundiados no 3º Milênio. Senão muito possivelmente incidirá , quem sabe, o ISL ? Imposto Sobre a Lua (patrimônio da humanidade)? e a praga das subdivisões com as tais cercas de arame farpado vão subir pelo espaço, tal como na Terra, onde quase na sua totalidade é "propriedade privada", e até no cume das montanhas os alambrados fazem parte da paisagem. Obs.:Artigo publicado em A Gazeta, Rio Branco-AC, em 08/02/1995. |