"VOSTOS" DE FELIZ EDUCAÇÃO

Publicado no Diário de Pernambuco, 26/12/2002, p.A-3:

"VOSTOS" DE FELIZ EDUCAÇÃO

                                                                        Tereza Halliday

                                                             Jornalista e analista de discurso

Carinho renovado por amigos que acrescentam terna mensagem manuscrita aos cartões de Natal.  Enfado com a cortesia marqueteira de Bancos e políticos a saudar-me como se me estimassem de verdade. Tolerância bem-humorada para os cartões virtuais tremelicantes, ilustrando textos afetuosos de amigos que usam o correio eletrônico para desejar Boas Festas.

De todos esses cumprimentos natalinos destaco a mensagem  do entregador de jornal, grampeada no meu exemplar de assinante do Diário de Pernambuco. O envelope para resposta deve ser devolvido com  a gorjeta - as festas que subalternos pedem nesta época do ano, em toscas táticas de marketing: o cartão, a caixa de sapatos com fenda.

"Que as bênçãos de Deus esteja (sic) durante todo o ano de 2003 em sua vida - São os vostos (sic) do Amigo do Diário. Feliz Natal e um Próspero Ano Novo".

Esta mensagem do trabalhador que, diariamente, traz o jornal à minha porta, não é menos interesseira que a dos políticos e Bancos. Se estes necessitam fidelizar-me como eleitora e cliente, o jornaleiro precisa é de grana mesmo.  E boa educação  - o recurso mais em falta no mercado brasileiro de cidadania.

Além das bem-vindas bênçãos, o texto do entregador de jornais tocou-me também por sua força de indicador social - a distância entre jornalista e  jornaleiro: eu, beneficiada por boa escolaridade, ele desbeneficiado por alfabetização fajuta, e ainda assim, felizardo por ter um emprego.

O uso incompetente da língua nativa é indicador de pobreza e exclusão. E de pobreza cultural, também entre universitários abonados porém claudicantes em expressão verbal e compreensão de texto. Os mal-alfabetizados têm o direito lingüístico do respeito à  sua fala "errada", mas precisam garantir um outro: o direito de aprender a escrever certo e a compreender o que lêem.   "Leu, não compreendeu, se. . .",  rimou, sem papas na língua, um educador.   Luiz Inácio Lula da Silva chegou aonde chegou porque aprendeu a compreender tudo o que leu - das apostilas do curso de torneiro mecânico, à papelada do Sindicato, aos projetos de Lei quando era deputado, aos textos que precisou e precisa ler para aumentar sua competência política.

Para termos felizes anos novos e prosperidade não basta cuidar dos juros, inflação, fome,  produção, comercialização, saúde e segurança. É imperativo cuidar da Educação primeiro, durante e depois. Estou chovendo no molhado, mas muitos batem nesta mesma tecla porque falta de boa educação  perpetua todos os outros males. A boa educação inclúi a sociabilização para o bem comum - pela família, escola e mídia, ensinando a poupar, não sujar, respeitar, conviver, ser decente.  E requer uma escolaridade básica  que resulte em saber pensar, ler, escrever e trabalhar.

Parafraseando o jornaleiro: que as bênçãos da Educação de boa qualidade estejam na vida do Brasil nas próximas décadas. terezahalliday@hotmail.com