Desvios da imprensa ou preconceitos do editorialista? Editorial do JORNAL DA TARDE, em 12/ 12/ 02, sob o título "Os desvios da imprensa", rejeita como imprecisos os textos opinativos que apontam, como razão fundamental para o insucesso do candidato Serra, nas eleições presidenciais, a " insensibilidade social" do governo Fernando Henrique. Ora, os profissionais da mídia devem escolher as palavras quando escrevem, mais do que qualquer outro cidadão. Portanto, aquela qualificação transforma-se num exagero de linguagem, sobretudo no que se refere ao uso do " comum", generalizando o que seria uma opinião do povo, que seria por si mesmo incapaz, em sua maioria, de analisar a postura do presidente durante seus dois exercícios. Os votos concedidos a José Serra até demonstram que milhões de brasileiros estariam satisfeitos com o desempenho do governo e seu candidato. Mas nós, os jornalistas, seríamos obrigados a louvar Fernando Henrique e seus ministros? Deveríamos fechar os olhos aos " bolsões" de miséria facilmente visíveis, reconhecíveis? Como ignorar a fome, o desemprego, a falta de habitação e de esgotos, o desamparo quando milhões de brasileiros não dispõem de instalações sanitárias, nem serviços de saúde ou educacionais? O fato de sua obra social ter merecido " o reconhecimento internacional, com a outorga ao presidente brasileiro do Prêmio Mahbub ul-Haq por Contribuição Destacada ao Desenvolvimento Humano, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), que mede de forma inteiramente objetiva o resultado concreto de políticas sociais praticadas ao redor do Planeta", proclamando as suas como entre as melhores em todo o mundo...não força a imprensa a copiar tal opinião! E repetir os elogios. Prêmios resultam de votações subjetivas, segundo normas muitas vezes entendidas de forma diferente pelos participantes. Os votos refletem, também, os interesses de cada um ( e de seu grupo). E os resultados de pressões enormes durante um bom período de tempo. "Não ocorreu de repente, é claro, uma conversão fulminante das Nações Unidas, cuja direção é conhecida, antes, por abraçar as teses da esquerda e dos países subdesenvolvidos, ao "neoliberalismo" com que Fernando Henrique é identificado por aqui." Discordo dessa tese de que a ONU tem direção pró-idéias esquerdistas, atuando em prol da melhoria das condições de vida dos países subdesenvolvidos. Alguns discursos até podem indicar nesse sentido. Contudo, a realidade dos conflitos e das crises financeiras e diplomáticas, a se arrastarem sem uma solução para os problemas tão conhecidos, demonstram o poder do Conselho de Segurança. Assim como as determinações imutáveis dos países ricos. As guerras se multiplicam, os conflitos se agravam, o número de refugiados aumenta... Somente os fabricantes de armas parecem atingir seus objetivos!Em tempo hábil! As Nações Unidas também seriam cegas aos "neoliberalismo" de FHC porque ele mesmo se apresenta, no discurso e nos projetos de governo, como estadista preocupado com o social. O editorial nos conclama a procurar, no Brasil, "as razões que explicam por que tantos brasileiros não são capazes de enxergar o que o resto do mundo consegue ver e, até, medir aqui dentro." Seria preciso definir, com precisão, palavras aparentemente simples, como o que se entende por " enxergar", "resto do mundo" e até " medir aqui dentro ". Quem são as pessoas que vêm ao Brasil, para visitarem que projetos, em que locais, orientados e acompanhados por quem, fazendo que tipo de mensuração, com que instrumentos e seguindo que padrões ( regionais, nacionais, continentais, internacionais)? O articulista chama de mitos às idéias do povo que sobrevivem, resistindo exatamente porque os problemas não são solucionados. Fala de evidências que provariam o contrário do que "grandes parcelas da população" considera como verdade. Segundo as afirmações do editorial, "Há muitos anos já não há mais latifúndios no Brasil, e muito menos latifúndios improdutivos." O governo de Fernando Henrique, segundo o autor do texto, teria desperdiçado "bilhões de dólares que fizeram imensa falta em programas sociais que realmente produzem resultados, como os investimentos em educação e saúde básica, que lhe renderam o prêmio da ONU." O tal desperdício foi a criação de assentamentos não-eficientes para tentar acabar com o mito, difundido nas periferias urbanas, sobre a origem da fome no Brasil (o problema da posse da terra). FHC, antes de assumir a Presidência da República, escreveu o prefácio do livro do deputado Xico Graziano "em que se prova a falsidade da tese da necessidade de uma reforma agrária desse gênero", que o governo pôs em andamento somente por motivos políticos... Isso não comprovaria a chamada "insensibilidade social" do governo de Fernando Henrique? Destaquei, porém, a excelência de um parágrafo do editorial, onde se mostra, com objetividade, um dos caminhos para o combate à violência, no contexto das autoridades responsáveis perante a sociedade: "Outro caso que impressiona pela renitência, contra todas as provas (sangrentas) que o País colhe diariamente da falácia desses argumentos, é o da exclusividade da "causa social" para a explosão da criminalidade, que justifica desperdício atrás de desperdício nas políticas de segurança pública enquanto se preservam, sem sequer discuti-las, as leis e os códigos que garantem a impunidade e se incentiva a corrupção do funcionalismo, triplamente grave nas polícias e no sistema prisional". Certo está, também, o articulista, quando denuncia os jornalistas que buscam "fontes" políticas (eu diria: fontes político-partidárias), dispensando a apuração cuidadosa dos fatos. Ouso afirmar que esse "modelo de trabalho da mídia" não é exclusivo dos políticos e profissionais da esquerda, e sim, dos que trabalham sem ética, buscando o poder a todo custo, inclusive divulgando imagens distorcidas, numa crítica sem objetividade. Ao se negligenciar a busca da verdade, a informação, de fato, se transforma em mito, fantasia, preconceito. Para desgraça de todos! Theresa Catharina de Góes Campos |