A ausência de Rui Barbosa

AGACIEL DA SILVA MAIA

DIRETOR-GERAL DO SENADO

 Em 2003, o Brasil registra o 80º aniversário de falecimento de Rui Barbosa. Advogado, jornalista, jurista, político, diplomata, ensaísta e orador, o Senador Rui Barbosa nasceu em Salvador (BA), em 5 de novembro de 1849, e faleceu em Petrópolis (RJ), em 1.o de março de 1923. Sua memória continua viva na história brasileira, se tornando uma lenda nos vários campos em que atuou, cobrindo quase metade do Século XIX e parte do Século XX.

João Barbosa de Oliveira, seu pai, elegeu os problemas da educação e da cultura como seu foco principal, tendo dirigido durante anos a Instrução Pública de sua província e por isso mesmo foi a principal influência na formação do filho, orientando-o no amor à leitura dos clássicos e no respeito à documentação em suas pesquisas.

A trajetória singular de Rui Barbosa o levou aos estudos preparatórios em sua província natal, seguindo para Recife logo após para cursar Direito, e conforme tradição da época, transferiu-se, em 1868, para a Faculdade de Direito de São Paulo. Formando-se em 1870, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde despontou para a  tribuna e abraçou como uma de suas causas mais vibrantes a abolição da escravatura. Elege-se deputado provincial, e depois geral, preconizando com Joaquim Nabuco a defesa do sistema federativo. Convidado para ministro do Gabinete Afonso Celso, pouco antes da proclamação da República, Rui Barbosa recusou o cargo, por considerá-lo incompatível com suas idéias federativas. Rui sempre foi fiel ao seu ideário, o que, de resto, lhe garante um lugar de destaque na história das idéias políticas do país.

Proclamada a República, Rui foi escolhido para ministro da Fazenda do Governo Provisório, e respondeu, durante algum tempo, pela pasta da Justiça. Eleito senador pela Bahia à Assembléia Constituinte, seus conselhos prevaleceram nas reformas principais e a sua cultura modelou as linhas fundamentais da Carta de 24 de fevereiro de 1891. Como redator-chefe do Jornal do Brasil, abriu campanha contra a situação florianista. Em 1893, foi obrigado a se exilar. Dirigiu-se, em primeiro lugar, para Buenos Aires, depois para Lisboa, onde alguns incidentes levaram-no a escolher Londres. Escreveu, então, as famosas Cartas da Inglaterra para o Jornal do Commercio.

Restaurada a ordem no Brasil, em 1895, Rui Barbosa regressou do exílio. Assumiu seu mandato senatorial, onde se conservaria até a morte, sucessivamente reeleito. Destacam-se os seus trabalhos na redação do Código Civil Brasileiro. Epitácio Pessoa, então ministro da Justiça, entregara essa tarefa a um jovem jurista cearense, Clóvis Beviláqua. Depois de revisto por várias comissões, foi o projeto ao Senado, em 3 de abril de 1902, e Rui Barbosa escreveu, em poucos dias, o seu "Parecer", que o levaria a uma polêmica, durante a qual sua Réplica se tornaria famosa.

Em 1905, a Bahia apoiou sua candidatura à presidência da República, mas Rui abriu mão da mesma para decidir-se em favor de Afonso Pena.

Quando, em 1907, o czar da Rússia convocou a 2.a Conferência da Paz, em Haia, o Barão do Rio Branco, no Ministério das Relações Exteriores, escolheu primeiramente Joaquim Nabuco para chefiar a delegação brasileira, mas a imprensa e a opinião pública lançaram o nome de Rui Barbosa.  Nabuco recusou o lugar e dispôs-se a ajudar, com informações de toda a espécie, o trabalho de Rui Barbosa, investido de uma categoria diplomática não desfrutada até então por nenhum país da América Latina. Seu papel em Haia foi de suma importância. Lutou sobretudo pelo princípio da igualdade jurídica das nações soberanas, enfrentando irredutíveis preconceitos das chamadas grandes potências. Além de nomeado presidente de honra da Primeira Comissão, teve seu nome colocado entre os "Sete Sábios de Haia". De volta ao Brasil, interveio no início da sucessão presidencial. Apresentada a candidatura do Marechal Hermes da Fonseca, a ela se opôs, lançando-se em sua campanha civilista, de grande repercussão em todo o país. Em 21 de julho de 1910, contestou perante o Senado a eleição do Marechal.

Em 1913, fundou o Partido Liberal, sendo indicado para a presidência da República, e mais uma vez, desistiu. No ano seguinte, combateu o estado de sítio, numa série de discursos no Senado. Durante a I Guerra Mundial, tomou o partido dos Aliados e produziu discursos lapidares de execração à tirania e ao imperialismo.

Em 1918, o Brasil comemorou o jubileu cívico de Rui Barbosa e quase o mundo inteiro associou-se a essa consagração. Convidado pelo Presidente Rodrigues Alves para representar o Brasil na Conferência da Paz de Versalhes, recusou a embaixada, expondo em famosa carta, dirigida ao chefe da Nação, as razões da incompatibilidade. Em 1919, foi novamente levantada sua candidatura à presidência da República, e ele percorreu vários Estados, em campanha contra a decadência dos nossos costumes políticos. A vitória da campanha foi anulada pela intervenção militar. Por divergências, daí resultantes, com o Governo Epitácio Pessoa, em 1920, recusou a representação do Brasil na Liga das Nações.

Dentro das comemorações do seu jubileu jurídico, como paraninfo dos bacharelandos de São Paulo, escreveu e proferiu a Oração aos Moços. Em 1921, foi eleito juiz da Corte Internacional de Justiça, como o mais votado. Em 1922, proferiu o último discurso no Senado, concedendo o estado de sítio ao Governo para dominar o movimento revolucionário. A notícia do seu falecimento, em 1.º de março de 1923, foi comentada no mundo inteiro. O The Times, de Londres, dedicou-lhe um espaço nunca antes concedido a qualquer estrangeiro.

Sempre valerá a pena relembrar trechos do seu Discurso na Faculdade de Direito de São Paulo, em 1920, e que ficou conhecido como Oração aos Moços: "Vulgar é o ler, raro o refletir... Um sabedor não é armário de sabedoria armazenada, mas transformador reflexivo de aquisições digeridas. Já se vê quanto vai do saber aparente ao saber real. O saber de aparência crê e ostenta saber tudo. O saber de realidade, quanto mais real, mais desconfia assim do que vai apreendendo, como do que elabora."

Membro fundador da Academia Brasileira de Letras, Rui legou à Nação inúmeros ensaios, teses, livros e pronunciamentos que com o passar do tempo tornam-se mais e mais relevantes, pois ele soube captar de forma lúcida as questões com que ainda hoje nos defrontamos: a ética na política, a igualdade de todos perante a lei, o amor à pátria. O busto de Rui Barbosa, em bronze, colocado solenemente em lugar de destaque no plenário do Senado Federal é apenas uma homenagem a mais que os membros da Casa Alta do Legislativo brasileiro prestam à sua memória, porque se existiu um paladino das liberdades civis, um hábil tecelão das palavras em defesa da justiça, este certamente foi Rui Barbosa.