A mulher e a política *Agaciel da Silva Maia No início do século XX o Brasil testemunhou inúmeras mobilizações das mulheres. Era uma época em que a ordem patriarcal, bem mais repressora que hoje, privava as mulheres, em sua maioria, de educação formal (alfabetização), enquanto os meios de comunicação, além de irregulares, eram acessíveis apenas nas capitais dos estados. Ao observador atento a luta das mulheres teve muito de perseverança e de heroísmo. É oportuno destacar alguns marcos referenciais na longa luta da mulher brasileira por seus direitos. Em 1901, cerca de 700 mulheres denunciaram violências sexuais que sofriam numa fábrica de São Paulo, a Tecidos Santana, criando piquetes numa greve. Dois anos depois, em 1903, as tecelãs no Rio de Janeiro apoiaram uma operária, despedida ao voltar da maternidade pelo patrão que a engravidara, com a convocação de uma greve geral. Em 1917, Bertha Lutz participou do encontro internacional da Organização Internacional do Trabalho (OIT), onde se aprovou o princípio de salário igual para trabalho igual. É desalentador observar que, em 1992, a mesma Organização Internacional do Trabalho declarava ainda faltar 475 anos para que a mulher viesse a “alcançar igualdade com os homens nas esferas superiores do mercado de trabalho”. Em 1922, a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino mobilizou milhares de mulheres pelo direito ao voto e também para que fossem assegurados seus direitos trabalhistas. Neste rastro de mobilizações é que acontece, em 1953, a hoje famosa greve das “300 mil”, reunindo mulheres em todas as capitais do país. Um fruto dessa tomada de posição foi o surgimento de muitos departamentos femininos nos sindicatos. Vejamos, agora, um pouco da situação da mulher no Brasil, nas primeiras décadas do século passado, em uma época em que as mulheres saíram às ruas para conquistar o direito ao voto. Após muita mobilização, foi somente em 3 de maio de 1933, na eleição para a Assembléia Nacional Constituinte, que a mulher brasileira pela primeira vez, em âmbito nacional, votaria e seria votada, e caberia a primazia de ser eleita a médica paulista Carlota Pereira de Queirós, a primeira deputada brasileira, que havia se notabilizado como voluntária na assistência aos feridos durante a Revolução Constitucionalista. Seria depois reeleita em 1934. Ainda nessa legislatura tomaria posse a segunda deputada brasileira, a bióloga e advogada Bertha Lutz – ela que tinha sido também a segunda mulher a ingressar nos quadros do serviço público brasileiro em 1919, assumiria uma cadeira na Câmara Federal em julho de 1936. Agora, nestes primeiros anos do século XXI, podemos antever sinais alvissareiros das conquistas da mulher em vários campos da atuação humana. Enfocaremos, ainda que brevemente, apenas a atuação das mulheres na política. Antes de 1945 a Áustria era o único país que havia eleito uma mulher para a presidência de uma de suas Câmaras Parlamentares. No período de 1945 a 1997, essa situação se transforma profundamente: apenas 42 dos 186 países que possuem instituições legislativas têm, uma ou outra vez, selecionado uma mulher para presidir o seu Congresso Nacional ou uma de suas Casas Parlamentares. Isso ocorreu ao todo, 78 vezes nesse período. É oportuno destacar que dos 24 países que possuem um parlamento bicameral, a sua presidência foi confiada a uma mulher mais vezes no Senado do que nas Câmaras Federais. Tendo como data base fevereiro de 2002, a representação das mulheres na política mundial era a seguinte: somente 23 mulheres presidiram mais de uma das Casas dos 179 Parlamentos nacionais existentes, 65 dos quais, em sistema bicameral. Até princípios de 2002 podia-se afirmar que as mulheres ocupavam apenas 9.5% do número total dos 243 cargos de Presidente do Parlamento ou de uma de suas Casas. É gratificante ver que quase 70 anos passados desde a primeira vez em que a mulher participou de eleições no Brasil e também desde a histórica eleição de Carlota Pereira de Queirós, observamos o crescimento sistemático da bancada das mulheres no Congresso Nacional. Em 1998 tínhamos 35 deputadas federais e hoje o Brasil conta com a energia e os talentos de nada menos que 44 deputadas federais eleitas em 2002. Ainda mais significativo foi o aumento do número de mulheres no Senado Federal: das 5 senadoras eleitas em 1994, temos agora 9 eleitas em 2002, representando 10 Estados da Federação. A Casa Alta do Congresso conta, então, com as trajetórias singulares e os esforços incansáveis visando um país mais justo e solidário de Marina Silva (licenciada, ocupando o Ministério do Meio Ambiente), Ana Júlia, Fátima Cleide, Heloísa Helena, Ideli Salvatti, Lúcia Vânia, Maria do Carmo, Patrícia Gomes, Roseana Sarney e Serys Slhessarenko. E a par disso contamos com duas governadoras e nada menos que 6 vice-governadoras. Neste momento decisivo na história da espécie humana, onde temores de guerras imprevistas surgem dos vários quadrantes do Planeta, há que se convir que, para o estabelecimento da paz mundial, um dos pré-requisitos mais importantes, embora dos menos reconhecidos, é a emancipação da mulher, ou seja, a concretização da plena igualdade entre os sexos. Façamos eco às palavras da Casa Universal de Justiça: a negação dessa igualdade perpetra uma injustiça contra metade da população do mundo e promove entre os homens atitudes e hábitos nocivos que são levados do ambiente familiar para o local de trabalho, a vida política e, em última esfera, para as relações internacionais. (*) Agaciel da Silva Maia – Diretor-Geral do Senado Federal, membro do conselho acadêmico da Universidade Católica de Brasília, economista, com pós-graduação em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas.
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