SANTA CASA DA MIXÓRDIA Tereza Halliday Jornalista e analista de discurso
O termo provedor de acesso figura no Houaiss, como qualificativo moderno do verbete provedor, que significa "aquele que provê" e "diretor de instituições de assistência e beneficência, como a Santa Casa da Misericórdia". Os provedores de acesso dirigem Santas Casas da Mixórdia: seus serviços de Internet. Na hora de vendê-los, são apresentados como eficientes e econômicos. No uso quotidiano, são ineficientes e custosos em horas de trabalho perdido. Sempre atribuem a culpa a terceiros: a telefônica, o satélite, a rede do bairro e até o usuário. Esses provedores de confusões sistêmicas e desmantelos cíclicos fazem parte do time dos profissionais de baixa confiabilidade: políticos, corretores de imóveis, vendedores de carro - com as sempre honrosas exceções. Os rapazes e moças que, ao telefone, personificam a entidade mítica chamada Suporte ao Usuário tratam os clientes com muita cortesia. Mas seu discurso é tão enrolão quanto o do Joãozinho das piadas escolares: "Professora, não trouxe o trabalho porque o cachorro comeu as páginas". Quando dizem "Estamos com um probleminha", traduza por: deu uma bronca grossa, não sabemos onde, e se sabemos não é conveniente para a empresa lhe contar. Na tela, quando aparece "Não foi possível a conexão com o servidor", aposte que seu provedor pegou mais clientes do que a capacidade de serví-los. Se a mensagem for "Este programa cometeu uma falha e será fechado", traduza por: vá passear e deixe de me cobrar o que não posso prover, apesar do nosso contrato. Diante da pergunta cretina: "Quer restabelecer a conexão?", jogada na sua cara quando você está no meio de um trabalho importante, impossível retrucar com resposta cretina. Só resta dizer sim, pois a Santa Casa da Mixórida tem o óbvio poder de conexão/desconexão. No artigo "Problemas ponto net" (DP, 12/2/2003, p.E2), Celso Calheiros referiu-se a provedores que ludibriam os clientes, sem honrar pedidos de cancelamento de serviços, ou fecham e dividem os prejuízos com os assinantes. Esqueceu da empulhação quotidiana: serviços sofríveis aos sofridos consumidores, falhas semanais, mesmo na banda larga, com suas vantagens visíveis e deficiências escondidas. Diz ele: "Todo cuidado é recomendável na relação com seu provedor de acesso". Mas, uma vez "casados" com ele, como escapar das infidelidades do serviço? Seduzem o cliente com canto de sereia e não assumem o filho. Segundo o folclore dos cursos básicos de computação, já na primeira aula, o instrutor ensina: "software é aquilo que você xinga de indignação, hardware é aquilo que você chuta de raiva". É preciso acrescentar: provedor de acesso é aquele que você faz de conta que acredita nele e, embora tenha vontade, não xinga nem chuta porque, no quotidiano contemporâneo ele é feito babá farrapeira ou faxineira trapalhona: ruim com ela, pior sem ela. E pior ainda seria sem o Procon.
TEREZA LÚCIA HALLIDAY, Ph.D
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