Brasília:  43 anos

De: Vera Silva

Enviada em: 28/4/2003 12:28

Assunto: ENC: Brasília: 43 anos!!!

Prioridade: Alta

Essa mensagem tá rodando por aí e é interessante repassar. O editorial a seguir saiu na Folha de São Paulo do dia 21/4, aniversário de Brasília. Um textinho medíocre, de quem é obrigado a escrever para preencher espaço de jornal. O que vale mesmo é a resposta enviada por uma moradora, que vem em seguida. LINDO!!

Editorial do Fernando Rodrigues:

Brasília, 43.

Brasília,(sic) faz 43 anos hoje.

É a capital federal. Na realidade, trata-se do interior de Goiás. A sucursal da Folha fica no centro. Há um shopping center em frente. É uma experiência almoçar lá.A barra da calça volta com carrapixos e o sapato sujo de terra. "Foi pescar?", perguntam-me. "Não, fui ao shopping comer", respondo. Brasília ainda tem uma infinidade de terrenos vagos na sua área central.Descampados com grama rala e terra à vista. Há poucas calçadas. A opção é andar no asfalto e correr o risco de ser atropelado. Não faltam só as calçadas.Produz-se pouco aqui.Mais da metade (52%) da população candanga ocupada, está no setor de serviços. Servir ao governo é o sonho dourado: 34,3% são funcionários públicos. Às vezes aparece um empreendedor. Há pouco tempo surgiu castanha de baru torrada em padarias e mercados.Baru é uma árvore do cerrado. Provei . O gosto é semelhante ao do amendoim, mas custava quatro vezes mais . Não deu muito certo.Tem sido difícil encontrar baru. Outra curiosidade são os acidentes de trânsito.Mesmo que só uma lanterna quebre, os carros param no meio da pista onde se chocaram. É o costume. Não há pressa. Brasília está incompleta , talvez, porque há poucos habitantes originais da terra. Só 43,94% dos candangos nasceram aqui. O resto veio de fora (27,87% do nordeste; 1,47% da região sul). Muita gente está sempre chegando ou saindo. Não há identidade histórica com o local. A classe média adora. Não vê os pobres. No bairro chique, o Lago Sul, a renda familiar é de 66 salários mínimos . As cidades-satélites escondem os miseráveis a 30 km de distância. Um show promovido hoje para comemorar o aniversário da cidade, foi com a banda Kid abelha. Brasília está chegando aos anos 80. Festejou como nunca a ascensão de Lula. Como disse o empresário beneficiado pela liberação da publicidade de cigarro no GP de fórmula I, "isso é o Brasil". E Brasília é a sua melhor síntese.

 

Resposta da Tereza:

Que pena, Fernando, que com tantas coisas boas de Brasília, você tenha gasto seu espaço, pra falar tão nada de nós e daqui. Parece que descobrir que ficamos no interior de Goiás, dá, de cara, a sensação de atraso de informação de, no mínimo, 43 anos. Bater na mesmíssima tecla, da terra ser vermelha, transporta o redator, além da pobreza de andar à pé, ao encantamento que os candangos tinham ao chegar na nova terra, com promessas de prosperidade. Sim, porque população candanga foi aquela que veio trabalhar na construção de Brasília, os nascidos aqui são os brasilienses, assim como dois de meus netos, entre vários empresários de sucesso. Correr riscos de ser atropelados no asfalto, é um pouco mais confortável do que fazê-lo na calçada, hábito tão difundido em grandes cidades. Aqui também vale o lembrete de que somos uma das poucas cidades no Brasil em a que a faixa de pedestre é absolutamente respeitada. Não, Fernando, não somos industriais, somos uma cidade administrativa, porque em qualquer lugar do mundo, "alguém" tem que ser a capital. Não somos melhores, nem piores que ninguém. Somos os únicos. Únicos, porque na nossa maioria, como eu paulistana, estamos aqui por opção, por amor pela cidade, por entendermos que criar filhos aqui é muito melhor. Melhor por tudo, pela mistura de culturas, pela sinergia de costumes e maneiras de viver. Por pararmos por solidariedade, mesmo que seja só uma lanterna quebrada, numa batida qualquer de carro. Somos mesmo a síntese do Brasil, e por isso mesmo demos certo. Não temos pressa porque não perdemos tempo. Temos o tempo do mundo para curtimos amigos, família, trabalharmos ...sem trânsito, congestionamentos .... Pobre Brasília, tão menina e mesmo com tanta gente só falando mal dela, continua se esforçando pra crescer de um modo mais humano. Crescer sem a mania de matar o verde ou as pessoas; crescer sem deixar de respeitar os sentimentos e as saudades que cada um de nós traz do seu Estado, nos miscuindo, nos misturando, aprimorando, aperfeiçoando o nosso jeitão de ser. Não, rapaz, engano seu! Não nos falta quase nada, porque temos gente muito especial por aqui, como especial é o azul do nosso céu, o nosso entardecer, o torcido das nossas árvores, o abraço apertado que só nós, daqui do interiorzão de Goiás, inventamos e usamos, para receber qualquer um, de qualquer Estado, mesmo que seja pra o cara passar por aqui e sair falando mal da gente. Venha conhecer Brasília desarmado, sem a pretensão de criticá-la como se você tivesse sido chamado por algum de nós, só pra fazer isso. Venha nos ver por dentro, pelo avesso, que você terá a gratíssima surpresa de dar de cara com um avesso de um bordado perfeito.

Tereza Caniatti

GRUPO FALAMALUCA