Alcântara é nossa

 Márcio Cotrim

Pequena cidade maranhense, Alcântara está a apenas 22 quilômetros de São Luís. Foi cenário de Josué Montello em A Noite sobre Alcântara - belo título que, a meu ver, seria ainda melhor como Noite sobre Alcântara.

É tombada pelo IPHAN como Monumento Histórico Nacional. Mas, além dos atributos que a fizeram merecer a láurea, é especial por estar a 2 graus da linha do Equador. Localização estratégica, pois permite que os lançamentos de foguetes espaciais a partir do Centro de Lançamento local economizem até 30% de combustível, bom negócio.

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Como bom negócio, obviamente atraiu o interesse dos EUA, daí resultando um acordo firmado em 2000 com o governo brasileiro. Muito compreensível, se os termos do acordo não fossem lesivos à soberania brasileira. Senão, vejamos.

Ele concedia aos americanos plena autonomia dentro a área de Alcântara. As autoridades brasileiras simplesmente não poderiam exercer, no terreno alugado por 30 milhões de dólares anuais, por prazo indeterminado, sequer o poder de polícia. Tampouco fiscalização alfandegária sobre o que os ianques mandassem para lá.

Previa também áreas restritas, de acesso exclusivo aos cidadãos autorizados pelo governo dos Estados Unidos. Quer dizer, ficavam proibidos do direito de ir e vir até os técnicos e cientistas brasileiros empregados no Centro de Lançamento. Só com autorização dos americanos. Sem ela, nada feito.

Os técnicos americanos poderiam realizar inspeções sem aviso prévio a nosso governo. Estavam também liberados para instalar equipamentos de vigilância eletrônica. Mais ainda: todo material vindo dos EUA ou transportado para lá seria colocado em containers lacrados que não poderiam, em hipótese alguma, ser abertos por inspetores brasileiros para vistoria.

Ainda mais: ao Brasil ficaria vedado utilizar os recursos advindos do aluguel da área para testar e desenvolver foguetes ­ inclusive o veículo lançador de satélites (VLS) que faz parte do programa espacial brasileiro! Não é de lascar?

O acordo estabelecia, além dessas, outras imposições liminarmente recusadas pelos governos de países como a China, Rússia e Ucrânia em tratados e ituações semelhantes.

ILUSTRAÇÃO

Enfim, era uma pequena amostra de teses tipo soberania limitada,tão defendida por gente do primeiro mundo louca para abocanhar nosso tesouro amazônico a pretexto de uma melíflua administração  compartilhada. Em breve estaríamos (estaremos?) escutando presidentes dos EUA atuando sem o menor pudor diplomático (não tem sido sempre assim?) na hipócrita "defesa de minorias raciais ou grupos étnicos meaçados" ­ embrião, talvez, de uma nação-fantoche Ianomâmi, plantada sobre riquíssima área mineral de Roraima.

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O acordo precisava ser ratificado pelo Congresso Nacional. Passou tempo. Dura e surda batalha foi travada por importantes entidades brasileiras, com destaque para a Liga da Defesa Nacional que, honrando seus ideais de brasilidade, aliou-se a outros organismos e zelou pelo nobre lema inspirado em seu fundador, Olavo Bilac: Tudo pelo Brasil!

Afinal, uma lufada de ar puro nesse nebuloso e contaminado terreno.

Dias atrás a Câmara dos Deputados retirou de pauta o projeto do acordo. Agora, o assunto será retomado à luz da dignidade nacional numa renegociação que, evidentemente, não há de ser prejudicial à nossa soberania.

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Destaque para a decisiva participação de Waldir Pires. Como deputado membro da Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara, ele já havia levantado várias ressalvas à homologação do acordo. Agora, como ministro-chefe da Controladoria Geral da República, colocou o peso de seu cargo para evitar o atentado que se faria ao Brasil, mais uma vergonhosa alienação de nossos interesses.

Alcântara volta a respirar a suave brisa do Maranhão, sem interferências estranhas e indesejáveis. Exercerá novamente uma promissora tecnologia que pode não ser a mais avançada o mundo, mas que é nossa.

*"Ninguém ama sua pátria porque ela é grande, mas porque ela é sua"

(Lucius Annaeus Seneca, filósofo romano).