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MUITA BIRRA, POUCO AMOR Publicado no Diário de Pernambuco, 7/8/2003, p.A3: MUITA BIRRA, POUCO AMOR Tereza Halliday Jornalista e analista de discurso A adoção de expressões da língua inglesa no português falado e escrito está em alta. Ontem, os estrangeirismos vinham da França, hoje vêm da Microsoft e da banalidade publicitária. No imaginário do marketing, congresso fica mais respeitável se tiver coffee break em vez de lanche ou cafezinho, lazer de fim de expediente é mais feliz se for happy hour, instrutor de cultura física dá mais status sob o título personal trainer. Desempenho de artista impressiona mais se for performance - palavra franco-normanda que o inglês assimilou séculos atrás. E nomes de casas comerciais têm mais charme com o genitivo de possessão (‘s), nem sempre grafado corretamente. O extremo oposto da mania de tudo enfeitar com o inglês é a intolerância pela miscigenação do léxico. Na implicância com os anglicismos, percebo muito mais uma hostilidade contra os Estados Unidos do que amor pela língua portuguesa, estropiada por péssima alfabetização dos menos instruídos e pela negligência dos mais letrados. Pobreza de vocabulário e erros de concordância, sintaxe e ortografia são correntes em salas de aula, assembléias, reuniões empresariais, jornais, rádio, TV e até em púlpitos. Nem governo nem mídia assumem a causa do vernáculo. Não vêem nela potencial de marketing. A pretensa invasão americana no território lingüístico dos outros não é obra da CIA. O responsável pela mundialização da língua inglesa foi o Império Britânico. Sua mais rebelde e bem sucedida colônia apenas consolidou como língua franca o idioma herdado - anglo-saxão, mas cheio de termos de origem latina e de importados das línguas modernas. Empréstimos lingüísticos são inerentes às línguas vivas. O português cresceu assimilando palavras de suas irmãs neolatinas, do grego, árabe, idiomas africanos e indígenas. Como patrimônio dos países lusófonos, seu valor agregado vem de um vastíssimo vocabulário, nuances próprias e palavras estrangeiras que se naturalizam com o tempo: chique, toalet, chef (francês); maestro (italiano); show, gol, jipe, deletar (inglês); salamaleque, leilão (árabe), pixote (chinês) gambá (tupi), carona, otário (espanhol) e muitas outras. O que faz mal ao português não é a importação - apropriada ou desconchavada - de termos, mas o mau trato por seus usuários nativos. Na França, concursos anuais de ditado pela TV, envolvem torcidas regionais e concorrentes em categorias por faixa etária e nível de instrução. Os estudantes americanos participam de competições chamadas Argumentação e Debate, onde aperfeiçoam o manejo da língua nacional. Os brasileiros (com sempre honrosas exceções) preferem transferir para os gringos a culpa por sua desídia e descompromisso com o português. Zelo por nossa língua não é depurá-la inutilmente de estrangeirismos. É cultivá-la e dominá-la com a competência imprescindível ao usufruto da cidadania e à boa qualidade da comunicação. terezahalliday@yahoo.com Tereza Lúcia Halliday, Ph.D Rua Setúbal, 1700/901 - 51130 - Recife, Pe Fone/Fax: (81) 3341-5286 "Palavra quando acesa, não queima em vão".
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