E por Falar em Convivência

Publicado no Diário de Pernambuco de 21/8/03, p.A-3:

E POR FALAR EM CONVIVÊNCIA..,

Tereza Halliday

Jornalista e analista de discurso

Circulou pela Internet texto explicando por que Romeu e Julieta permanecem símbolo do amor eterno. Em resumo: porque Romeu não teve tempo de conviver com a TPM de Julieta, nem esta com as mentirinhas de Romeu e porque morreram antes de sofrer cobranças e expectativas não preenchidas. Sua curta vida a dois foi só suspiros e arrebatamentos. Tornaram-se trágicos no amor impossível, escapando da tragédia quotidiana do amor inviável pelo desencontro de valores, sentimentos, corpos e almas.

Com ares de experiente, um rapaz apontou-me o “x” da questão nos relacionamentos: “A mulher espera que o homem mude e ele não muda. O homem espera que a mulher não mude e ela muda”. Não obstante, há mulheres que não mudam, enquanto alguns homens ficam mudados. Da direção e teor das transformações aos olhos do outro, costuma depender a continuidade da relação. 

Há casos em que a mulher muda porque, no início, por medo de desagradar ou gosto em agradar, cede muito pensando que lhe custa pouco. Acha que vale a pena, a bem do amor. Lá um dia, cansa de não ser plenamente ela mesma e passa a sê-lo, de vez ou aos poucos – em qualidades e em defeitos, que soube travestir de mulher adequada àquele homem – o seu amado. Aí, ele se espanta: “não é a mesma mulher de quando a conheci”. Conheceu nada... Ela não deixou.

Segundo minha avó, no começo, nem o homem mostra quem ele é, nem a mulher quem ela vai ser. Para não ferir, para parecer bacana. Às vezes, ser verdadeiro fere o outro. Não o ser, também. Aí, como é que fica? Não fica. Ou vai se levando. Recordo pequena escultura humorística, representando um adulto, ao pé da qual se lia: “Tenha paciência comigo. Deus ainda não acabou de me fazer”. É assim mesmo: somos todos sinfonias inacabadas, às vezes cacofonias. E desejamos desesperadamente acertar o compasso com alguém, tocar o dueto perfeito – utopia do romantismo. Alguns aprendem que é melhor tocar juntos, meio desafinados, do que dar show de solista desacompanhado. O concerto da vida, sem estréia triunfal nem grand finale, vale pelos ensaios quotidianos com o parceiro, pelo empenho em tocar limpinho, como exortam os professores de música.

Vi na TV o casamento de uma artista holandesa consigo mesma. Diante de amigos e parentes, prometeu solenemente amar-se e respeitar-se, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença e cuidar de si própria até que a morte a separe de seu corpo. Assumiu publicamente o compromisso de ser fiel a seus sentimentos todos os dias da sua vida. Disse que aos 30 anos já se conhecia o bastante para aceitar esta responsabilidade. 

Talvez o autocasamento seja um bom pré-requisito para outras convivências. Como não somos ilhas, permanece o desafio de encontrar o delicado equilíbrio entre ser fiéis a nós mesmos e ser atentos aos outros. Se fosse fácil, os psicoterapeutas não teriam tanto serviço.

terezahalliday@yahoo.com

Tereza Lúcia Halliday, Ph.D

Criação, Análise e Assessoria de Textos

www.terezahalliday.com

Rua Setúbal, 1700/901 - 51130 - Recife, Pe

Fone/Fax: (81) 3341-5286

"Palavra quando acesa, não queima em vão".

 

Voltar