A moda dos saraus na cidade-Reynaldo Domingos Ferreira

A MODA DOS SARAUS NA CIDADE

Ei, E-companheiros,

E eu que pensei que a poesia estivesse em declínio. Que diante desse mundo avassalador em que vivemos, as pessoas não sentissem mais necessidade de ouvir a sabedoria do espírito. E eu que pensei... Mas, como Garcia Lorca, estava enganado, pois, levado por amigos, fui ao Teatro dos Bancários, para lançamento do livro “Fadas Guerreiras”, o primeiro editado, por Carlos Augusto Cacá, um dos lideres do movimento que reabilita entre nós os saraus, remetendo de repente a Capital da Republica aos seus princípios ancestrais, os de Minas Gerais.  Pois de fato, a multiplicação que se verifica atualmente dos saraus na cidade dá a impressão de que Diamantina, se rendendo ao filho querido, JK, depois de muitos anos, se mudou para cá. A raiz do movimento está fincada no Coletivo de Poetas, criado há 13 anos, pelo poeta Menezes y Morais, no Sindicato dos Escritores do Distrito Federal. Mas foi sob incentivo da revista Tribo das Artes, que os saraus começaram, três anos atrás, a se impor  realmente em nosso meio. E esse movimento deve muito ao agitador de nossas paisagens culturais, Cacá, que interpretando seus poemas em diversos saraus,  foi conquistando espaço e demonstrando pela ação que sua função é -  como a de qualquer poeta -  “ compreender o homem e representá-lo para que ele se reconheça, se estranhe e se transforme”. Hoje os saraus em Taguatinga arrebanham multidões. E já avançam pelo Plano Piloto, onde os mais concorridos são o  “Sextas Intenções”, do Café com Letras, coordenado pelo criador do movimento, Menezes y Morais, o do Café.Com  e o da Biblioteca Demonstrativa de Brasília, esses, porém, isentos de militância política.  Na noite do lançamento de seu livro, Cacá  voltou  as ser ator e diretor, como nos tempos em que atuou no Grupo do SESI de Taguatinga  - de onde também saiu o ator Ademir Miranda - e no Grupo de Teatro Amador Retalhos, dramatizando e representando ao lado de Lilian Diniz, excelente atriz, seu próprios versos, que, embora precisem ser  burilados, têm o atributo da oralidade, isto é, foram escritos, não para ser lidos no silêncio de quartos fechados, isolados, mas falados, pregados a multidões. São versos discursivos, na linhagem dos de Castro Alves, que reclamam de injustiças sociais, como os que revivem a luta de Margarida Alves e sua seguidoras, na Paraíba, chamadas pelo poeta de “fadas madrinhas, guerreiras”, que dão título ao livro, sem nada a ter a ver, portanto, com as “fadas” de Jorge Luiz Borges.  É essa oralidade da poesia de Cacá que permite que a encenação se efetive, como se efetivou, iniciada por um conjunto de percussão -  Mambembrincantes - que deu mais vida ao canto sobre a Ordem dos Caminhantes, abordando marchas do MST a Brasília, em 1997. Daí, teve inicio o diálogo em versos, desnudando  a face lírica do poeta, que me parece, em termos formais, mais consistente. Assim, ele tenta, ao telefone, uma conquista amorosa,  obtendo da mulher de seu encanto, em resposta, do outro lado da linha, palavras de desengano: “O amor é poeirento/ ruidoso e embaçado/Quem ama já esta errado/Fica chato, ciumento./O amor é violento, traiçoeiro como um cão./ Amar é o pior castigo/ Quem ama não põe sentido/Nas dores do coração. Diante, porem, da insistência do poeta, a mulher acaba cedendo. E vem a ele, mansa e tranqüila, para lhe dizer quase ao pé do ouvido, lembrando Dolores Durand: Hoje eu quero uma flor/Da mais vermelha que houver/ Hoje me esqueço da dor /Sou mais eu e mais mulher. Terminada a encenação, Cacá deu espaço livre  para que outros poetas presentes se expressassem, como acontece nos saraus de Taguatinga.  E esses, em sua maioria, disseram poemas também de Cacá, confirmando o apelo popular de seus versos.  Outros, porém, declamaram Antônio Gonçalves da Silva ( Patativa do Assaré) e Vinicius de Moraes. O deslize da noite ficou por conta de versos declamados de cunho político-partidário, lembrando fatos do governo anterior já superados infelizmente pelo atual em relação aos nossos idosos aposentados. Mas o espetáculo de sagração da poesia terminou em festa ao som do Congado das Minas Gerais, ainda pela Companhia Mambembrincantes.  Seria bom, penso eu, que se aproveitasse esse ímpeto dos saraus para se criarem, entre nós, mais concursos de poesia. A Secretaria de Cultura poderia pensar nisso.

REYNALDO DOMINGOS FERREIRA

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