A Noite de São Bartolomeu da classe média brasileira - Cândido Prunes

A NOITE DE SÃO BARTOLOMEU DA CLASSE MÉDIA BRASILEIRA

Cândido Prunes*

Quando o Congresso Nacional fizer a derradeira votação da reforma tributária, a classe média brasileira viverá a sua noite de São Bartolomeu. Explica-se: no século XVI a França sofria com conflitos entre católicos e protestantes. Catarina de Medicis, a rainha-mãe, então urdiu uma trama diabólica: concedeu a mão de sua filha Margot ao Duque de Navarra, um nobre protestante. Seria um sinal de boa-vontade e tolerância da rainha católica para com os súditos protestantes. Organizou-se uma grandiosa celebração em Paris, a qual compareceram em massa os companheiros protestantes do noivo. Após as bodas, na Nôtre-Dame, começaram as comemorações por toda a cidade, até que os sinos de uma igreja atrás do Louvre começaram a badalar: era a senha para a guarda de Catarina de Medicis atacar os huguenotes protestantes, começando um massacre que literalmente lavou de sangue as ruas de Paris. A dizimação de milhares de protestantes, na noite de 24 de agosto de 1572, entrou para a história como a "Noite de São Bartolomeu".

O governo e o Congresso brasileiros estão prestes a desfechar uma "Noite de São Bartolomeu" contra os "contribuintes" de classe média. O ministro da Fazenda, como Catarina de Medicis, cheio de aparente boa vontade, promete que não haverá aumento da carga tributária. Os congressistas de oposição, tal como o Duque de Navarra, parecem ignorar que parte de seu eleitorado está a beira de um massacre. A classe média, a exemplo dos seguidores do Duque, foi iludida com um convite para o "espetáculo do crescimento". E a Receita Federal, como a igreja de St. Germain-l'Auxerrois, está pronta para tocar os sinos iniciando o verdadeiro espetáculo: o massacre da classe média.

É fácil compreender a comparação. O Estado brasileiro e todos os seus entes têm gastos incontrolavelmente crescentes, cobertos com recursos extraídos da sociedade, através de impostos e empréstimos. Ora, esgotada a capacidade de endividamento, resta ao governo federal e aos demais "leviatãs" estaduais e municipais acossar os contribuintes. Somente através de uma armadilha política, como a usada por Catarina de Medicis, poderiam eles promover uma nova derrama.

Mas nos atuais níveis de tributação (encostando nos 40% do PIB), quem poderia ainda ver a sua margem de "contribuição" elevada? Os ricos, além de representarem, infelizmente, um diminuto percentual da população brasileira, podem se proteger com o planejamento tributário. E mesmo se fosse possível cercá-los completamente do ponto de vista fiscal, ainda haveria um último recurso: deixar o país. No outro extremo do espectro tributário está a numericamente expressiva classe baixa. A maior parte vive na informalidade e nem a sua renda, nem o seu consumo, são detectáveis pelos órgãos de arrecadação. Exceto se o Brasil se transformasse num estado policial, é muito difícil aumentar a arrecadação contando com esse segmento de "contribuintes".

Assim sendo, resta apenas a classe média, que já vem sendo há anos escorchada pelos governos, mas com especial empenho desde o início do mandato do Prof. Fernando Henrique Cardoso. É ela a única classe que tem uma renda visível e absolutamente vulnerável ao apetite do fisco. Um assalariado não tem nenhum recurso contra a sanha tributária: nem tem acesso ao planejamento tributário, nem à informalidade.

O assalto contra a classe média se dará em várias frentes: 1) não-correção da tabela progressiva de imposto de renda; 2) diminuição do valor das deduções admitidas, especialmente aquelas relativas a saúde e educação; 3) manutenção da alíquota máxima de 27,5% (que deveria retornar ao patamar original de 25%); 4) aumento da carga tributária sobre os prestadores de serviços, que irão repassar esse custo adicional para a classe média, a maior consumidora desse setor da economia; e 5) cobrança de um novo imposto, desta vez sobre os ativos / bens das pessoas físicas (chamado de "imposto sobre grandes fortunas").

Trata-se de uma conspiração que conta com a sagacidade de seus executores e a ingenuidade das vítimas. Entretanto, todos os sinais de perigo estão visíveis. Quando se viu nos últimos anos o apetite tributário dos governantes diminuir? Quem não sabe que é a classe média, como formadora de opinião, que pode verdadeiramente se revoltar contra as ações arbitrárias do governo? Basta responder a essas duas questões para concluir que a reforma tributária tem tudo para se tornar a "Noite de São Bartolomeu" da classe média. A sua extinção atende a interesses tanto políticos quanto econômicos.

A missa da reforma tributária no Congresso está no fim. A festa já está há muito tempo prometida pelo Executivo federal. Os sinos na Receita Federal já estão prestes a repicar. Falta pouco para o início do massacre.

*Vice-Presidente do Instituto Liberal

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