Conhecimentos milenares dos nossos índios são valorizados como tecnologia tradicional
11/9/2003 10:31:59
Theresa Catharina de Góes Campos
, articulista, jornalista, escritora e professora universitária

Especialista em transferência de tecnologia e negócios internacionais, o professor Christian Meyer, brasileiro radicado na França, teve o seu primeiro contato profissional com a Amazônia em 1983, quando escreveu um livro, prefaciado pelo Colège de France. Publicada pela UNESCO, organização da qual é consultor, a obra analisa as plantas medicinais utilizadas pelos índios. Mestre convidado junto às Universidades de Paris, lecionando na área de Biotecnologia e Ciências do Meio Ambiente, Meyer vem prestando consultoria a importantes grupos tecnológico-industriais.

Nas conferências que pronunciou em países europeus, os seus estudos despertaram interesse não apenas dos intelectuais, como da nova geração de ecologistas, e dos grandes laboratórios farmacêuticos e de cosmetologia. Ele não tem medido esforços para que a “tecnologia tradicional” - ou a sabedoria milenar dos nossos índios - no tratamento com plantas medicinais, venha a representar, na balança dos investimentos, tanto quanto a tecnologia de ponta das nações desenvolvidas. Enfatiza que cerca de 2/3 dos medicamentos atuais provêm das plantas; e cerca de 2/3 das espécies vivas do planeta - patrimônio genético e biodiversidade - se encontram na Amazônia.

Sobre as dificuldades no processo de transferência tecnológica, Meyer faz uma comparação irônica:
“Se a riqueza da biodiversidade amazônica deve ser considerada como patrimônio da humanidade, posto que, criada por Deus para todos os homens, por que, então, a tecnologia de ponta originária do cérebro humano - também criado por Deus - não seria igualmente patrimônio da humanidade, podendo assim estar disponível a nós, amazonenses?”

O valor dessa biodiversidade, para a economia e a população regionais, já está sendo reconhecido por industriais da área, esperando-se que alguns dirigentes políticos do Primeiro Mundo e grupos ecologistas passem da posição de crítica à política desenvolvimentista da região, a uma postura de apoio à solução dos problemas reais do ecodesenvolvimento.

Documentário sobre a Amazônia
Amigo fiel da Amazônia e defensor permanente do desenvolvimento racional e auto-sustentado de suas riquezas naturais, fundamentado no conhecimento milenar de sua população nativa - “verdadeiros cientistas da selva” - o professor Meyer trouxe a Manaus uma equipe de filmagem da emissora de TV francesa Antène 2 RF 3, da qual é consultor especial.

O documentário realizado objetivou, primordialmente, transmitir ao Primeiro Mundo uma imagem verdadeira, realista, visando desmitificar conceitos inverídicos, veiculados pela imprensa internacional e motivados sobretudo por razões sensacionalistas e outros interesses econômico-financeiros.

Meyer denunciou que essa visão preconceituosa procura tirar a culpa dos países ricos, causadores da devastação e do extermínio de seus próprios recursos naturais, exigindo das nações pobres o congelamento de suas fontes de recursos.

O Ministro da Pesquisa e Tecnologia da França está interessado em fazer um acordo de cooperação privilegiada com o Estado do Amazonas, nas áreas de biotecnologias equatoriais e tropicais. Meyer explicou que tais acordos permitirão que o Amazonas explore harmoniosamente as suas riquezas naturais em relação à preservação ambiental.

Quanto ao documentário da emissora francesa, foi a primeira vez que uma grande produtora do Primeiro Mundo buscou a divulgação de uma imagem positiva e criativa da região. Procurando evitar “as armadilhas de um jornalismo tendencioso”, o cientista sugeriu a participação exclusiva de crianças, procedentes de continentes diversos, que vieram a Manaus para atuar como repórteres. Os jornalistas-mirins entrevistaram os caboclos da região, além de autoridades.

Cumprindo outro objetivo de sua viagem, Meyer discutiu aspectos do desenvolvimento sócio-econômico com autoridades civis do Estado, empresários e cientistas da região. Os primeiros contatos ocorreram quando o professor Meyer preparava uma Conferência sobre a Amazônia, promovida pela UNESCO e por organizações francesas.

Ao invés de atuar somente como intelectual e filósofo, conferencista, autor de publicações e consultor de tevê, Meyer passou a examinar a realidade “in loco”, decidindo permanecer mais algumas semanas no Amazonas, visando melhor conhecer o funcionamento das estruturas sócio-econômicas. Entrou em contato, portanto, com autoridades governamentais, sem negligenciar o universo empresarial, dos pesquisadores e da população regional.

Propostas concretas para o desenvolvimento regional
Joint-ventures, joint-research e joint-marketing são as propostas concretas que Christian Meyer trouxe, como proposições pragmáticas, escritas, tanto do governo francês, quanto de grupos industriais sólidos, europeus e japoneses, como grandes laboratórios químicos, farmacêuticos e de cosmetologia de renome internacional.

As áreas de cooperação e negociação são múltiplas, desde a simples importação de matérias-primas beneficiadas, como madeira e minérios, até a implantação de usinas polivalentes de beneficiamento de produtos agro-alimentares (cacau, castanha, guaraná, dendê) e de purificação de extratos de plantas medicinais, para as indústrias química e farmacêutica.

Entre os produtos nativos, estuda-se a viabilidade de introduzir o cupuaçu no mercado internacional, como substituto parcial do cacau para a produção do chocolate. Da semente do cupuaçu, extrai-se um óleo, rico em propriedades úteis à cosmetologia.

Sempre valorizando o know-how indígena, Meyer pesquisa os benefícios do guaraná e outras plantas nativas, na medicina tradicional dos “cientistas da selva”.

Theresa Catharina de Góes Campos

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