Nem
sempre é fácil indicarmos um filme ao público, justificando nossa
opinião sobre a sua qualidade técnica, formal e/ou de conteúdo.
Precisamos seguir um caminho profissional que reconheça nossas
características pessoais e circunstâncias externas, além de
exercermos a aptidão necessária da empatia, colocando-nos
insistente e sucessivamente no lugar dos leitores e ouvintes. Nessa
busca persistente, orientada pela consciência de nossa
responsabilidade, iluminada pelo amor que devotamos ao cinema como
"síntese de todas as artes", visamos, não à chegada de
um porto seguro de "verdades"passivas, mas vislumbramos o
empreendimento de uma viagem cultural, humanística e dinâmica, a
cada dia reiniciada com maior entusiasmo (mesmo disfarçado,face à
preocupação de objetividade).
De nós, jornalistas, formadores de opinião, numa atividade
constante de procurar as informações, e num contexto de reflexão
crítica, interpretá-las para que sejam encaminhadas aos que muito
esperam de nosso trabalho, a sociedade aguarda nossa contribuição.
Ao transmitirmos os informes - objetiva e subjetivamente (sim, o público
quer a avaliação pessoal do crítico!), estaremos nos colocando em
uma situação dinâmica, pois as nossas palavras provocarão
efeitos individuais e no mercado. Compreender isso significa
entender que somos responsáveis, também, no processo da comunicação
cinematográfica.
Escrevo essas observações não somente para os meus colegas;
dirijo esses comentários, também, ao público, para que se
conscientize igualmente do que precisa exigir de todos os
profissionais que assumiram a proposta de freqüentar com
assiduidade as salas de exibição. Para confiar nos textos
informativos/opinativos, a sociedade supõe a dedicação a uma
atividade regular (jamais esporádica, eventual...) de
comparecimento, estudo comparativo, pesquisa de bibliografia e
filmografia. Assim, os conceitos emitidos (sejam de elogio ou repúdio)
estarão fundamentados: na presença às sessões de cinema (em vídeo,
dizem os entendidos, "não é o mesmo filme"); observação
das platéias; verificação das condições da sala e da projeção;
bem como leituras e conversas que representem um autêntico intercâmbio
de pensamento.
Afinal, opiniões próprias não devem resultar de isolamento, e
sim, de coleta de informações, análise desses dados e convicção
no exercício do mister jornalístico. Embora se possa afirmar que a
obra de arte vale por si mesma, o contexto em que a vemos influi,
sem dúvida alguma, na apreciação que fazemos.
RITUAL DE CULTURA
A sociedade necessita do cinema como ritual de cultura. Uma prática
salutar, intelectual, afetiva. Uma forma de lazer, muitas vezes;
contudo, não podemos esquecer seu papel documental, sua ação
denunciadora, perturbadora,seus convites à reflexão crítica.
Instrumento de educação da sensibilidade a idéias, sons, imagens,
diálogos, expressões faciais; oportunidade para crescermos como
seres humanos, saindo de nosso espaço individual limitado e
penetrando nas mentes e nos corações revelados na tela, unindo as
nossas preocupações às de outros povos, outras cidades, regiões,
nações. Ouvindo vozes longínquas... Abraçando - sem sairmos da
poltrona - companheiros de humanidade. Há ocasiões em que
resistimos, porém a nossa comoção mostra-se mais forte, mais
avassaladora, nesses momentos especiais, que o constrangimento
social: e as lágrimas vêm, poderosas, inevitáveis porque o filme
as provocou de imediato, sem nos dar tempo de erguer barreiras ou
correr para a nossa solidão.
As nações se transformam em bairros conhecidos; os forasteiros, em
vizinhos sobre os quais conversaremos depois da sessão com os
amigos ou desconhecidos; familiarizados com o seu comportamento nas
cenas a que assistimos, conhecedores de seus sentimentos e suas
atitudes...até de seu vocabulário. E como ocorre na vida real, não
é todo dia que lhes concedemos a nossa concordância; diretores e
personagens ocasionalmente suscitam discussões acaloradas,
sobretudo quando procuramos compreender os objetivos de seu
trabalho. Estilos e linguagens tão diversificados proporcionam múltiplas
escolhas, opções para estados de espírito do freqüentador,
necessidades culturais as mais variadas.
Escrever sobre cinema demanda, além do mais, uma postura de
incentivo a esse ritual de cultura. Damos o exemplo de comparecermos
às salas de cinema, de conversarmos com entusiasmo sobre o assunto,
de nos debruçarmos, diligentemente, sobre as leituras referenciais
e outros materiais. Da empolgação com os travellings, as panorâmicas
e os closes, retiramos o fôlego para vermos os filmes repetidas
vezes, memorizando os diálogos preferidos, absorvendo as suas
cores, luzes e sombras.
A interpretação nos convence e surpreende; a sonoplastia parece
ter vida própria, a fotografia de qualidade transforma em quadros
originais os lugares mais comuns.
Um bom filme: enriquece a nossa rotina! Faz, do ritual do cinema, em
sua repetição convicta, uma festa,uma celebração da vida, mesmo
quando se mostrou a morte em traços impressionistas ou na crueza do
realismo-naturalismo. E a velocidade da projeção dos fotogramas,
criando a ilusão do movimento, vivifica o que parecia fugaz,
eterniza o temporário.
A JORNADA DO OLHAR
Numa peregrinação que pode até ser inconsciente, o trio coração-
mente-visão (a ordem dos fatores é variável...) segue a jornada
de filme a filme, num processo de capacitação emocional e de
observações intelectuais aberto a qualquer ser humano que se
disponha a conhecer o cinema cada vez mais intimamente. Acredito nos
efeitos benéficos dessa jornada que nos aproxima de outros seres
humanos, envolvidos na criação, realização e divulgação das
obras cinematográficas. A sétima arte - em todos os seus estágios,
entre os quais há desdobramentos como produtos comerciais
disseminados no mundo inteiro (fotos,livros, camisetas,etc.) -
emprega crescentemente um maior número de pessoas.
A necessidade da empatia é fundamental, pois não se trata de uma
estrada de mão única...Ninguém realiza um filme para que ninguém
o veja. Busca-se um público, limitado ou não. Encontramos,
portanto, na peregrinação dos olhos que desejam VER, uma atitude,
ao mesmo tempo passiva e dinâmica, de comunicação humana. A visão
interior pode - e deve - crescer com o passar do tempo, exigindo um
nível de qualidade.
Há numerosos exemplos na literatura e nos textos bíblicos que se
referem aos olhos que não vêem, aos ouvidos que não ouvem...
Nossa proposta de caminhada com o cinema representa a esperança de
que a platéia se aperfeiçoe, concomitantemente, obtendo/alcançando
os efeitos de um aprendizado humanístico.
A educação da sensibilidade conduziria a um respeito maior pelo próximo,
à valorização da vida, à solidariedade e à criatividade. Isso não
se restringe ao campo emocional. Sentir significaria uma abertura
para a filosofia aplicada a nós mesmos e aos outros; uma
oportunidade contínua e permanente de pensar em termos míticos e místicos;
um repúdio a todas as formas de violência.
Pensar com sensibilidade inclui o próximo, em nossas opções. Bem
sabemos que há filmes capazes de revolver profundamente nosso íntimo.
Ao nos sensibilizar, o cinema nos transforma como pessoas. Comédia,
drama, documentário, aventura, suspense...o gênero é uma questão
da multiplicidade de escolhas a nosso dispor. O que importa: a
qualidade dos filmes. E a nossa disposição de, em busca do lazer e
da cultura, nesse ritual encontrarmos mais um caminho para SER.
Theresa Catharina é articulista do 180
graus.com
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