BRASÍLIA
- Considerando-se a criatividade como um recurso humano
multiplicador e crítico, compreendemos que, ao comentarmos sobre
alguém "de visão", estamos reconhecendo a sua capacidade
para agir no presente com perspectivas futuras. Os indivíduos que
se destacam, em sua comunidade, por esse conhecimento muito
especial, na realidade atuam regularmente com padrões
tridimensionais, pois se fundamentam nas lições do passado, próximo
e remoto.
Em contato com uma realidade limitada, insistem em examiná-la até
descobrirem o seu potencial de transformação e os instrumentos de
mudança que deverão ser utilizados, em sua dinâmica e seu
contexto específicos. Ao contrário do que pensam os conformistas,
eles não vivem loucamente "em outro mundo": pelo contrário,
inseridos na sociedade, não se deixam por ela dominar, conservando,
portanto, a sua liberdade para enxergar alternativas que consideram
superiores. Assim, ao invés de prisioneiros de estruturas com as
quais não concordam, mostram-se capazes de visualizar, às vezes
com antecedência de séculos, o mundo que vale a pena ser construído.
Felizmente, com esta visão interior que mantêm de forma permanente
diante de seus olhos (abertos ou fechados), já começam a construí-lo,
sozinhos ou com a ajuda de seus companheiros.
Os artistas das cavernas pré-históricas, por meio de suas pinturas
rupestres, transmitiram às gerações futuras um testemunho de sua
vida primitiva: máscaras, atividades culturais e de sobrevivência.
O fato de que não dispunham de escrita não se constituiu um
impedimento a que buscassem, de algum modo, um instrumento de
comunicação. O teatro grego da Antiguidade Clássica, com
personagens da mitologia, destacou a figura de um cego, Tirésias,
porque a sua sabedoria lhe dava uma visão mais profunda: conhecia a
tragédia pessoal de Édipo, assim como os desígnios do poder
divino; não se deixava intimidar pelo fausto e poder humanos; não
hesitava em advertir, revelar, profetizar. Na Idade Média, os
monges copistas que trabalharam humilde e exaustivamente, para que a
cultura greco-romana fosse preservada para os leitores dos séculos
seguintes, demonstraram compreender a importância das obras de
artistas, filósofos e estudiosos.
Leonardo Da Vinci, quando morreu, no ano de 1519, legou à
humanidade não somente a excelência de suas pinturas, como também,
inventos científicos os mais diversos. Na literatura, os romances
de Jules Verne deram a seu público o encantamento de viajar em balões,
descobrir o espaço, descer ao fundo do mar, lutar contra perigos
com recursos tecnológicos e dispor da televisão muito antes dessas
técnicas fazerem parte do cotidiano da sociedade.
Felizmente as dificuldades do ensino não desanimaram a poetisa e
professora chilena Gabriela Mistral, cujas obras foram homenageadas
com o Prêmio Nobel. Ainda bem que os rostos marcados pela fome e a
miséria de multidões animaram mulheres de visão, como Madre
Teresa de Calcutá e Irmã Dulce, a devotarem tempo e esforços ao
bem-estar desses marginalizados porque desamparados. Em qualquer
comunidade, pessoas com essa força interior para buscar soluções
(trabalhando com situações consideradas, no mínimo, dificílimas)
deixam um exemplo a ser seguido. Aliás, caso nos falte coragem para
tanto amor ao próximo, não sejamos omissos: ofereçamos o auxílio
que nos for possível proporcionar.
Em todas as áreas profissionais, a atuação de indivíduos capazes
de pensar e forma abrangente, em profundidade, resultará em benefícios
superiores aos obtidos por aqueles acostumados a repetir ou
reproduzir sem pensamento crítico. O objetivo primordial de todo
processo de educação, seja informal ou acadêmica, deve ser, de
fato, adquirir esse conhecimento lúcido, inquiridor, criativo, numa
atitude de permanente atualização e busca de aperfeiçoamento
individual e coletivo.
Esclarecidas e conscientes, as pessoas de visão jamais se acomodam,
mesmo quando aceitam e acatam; com tranqüilidade ou numa
"santa agitação" justificada pela urgência, estão
sempre enfrentando novos desafios, sem esperar que os outros se dêem
conta e tomem as suas decisões. Se o grupo se apressa, aquele
determinado a refletir sobre as implicações talvez se reserve o
direito de ficar na retaguarda, analisando o passado, repensando o
presente, preparando-se para o futuro.
Quando muitos se refugiam na inércia, os sábios percebem os
absurdos de tal alienação e, decididos, justificados por sua visão
tridimensional, não-limitada e não-alienada, gesticulam, falam,
escrevem, atuam, como a impulsionar a roda que parece estar presa ao
chão. Afinal, suas mãos estão guiadas por olhos permanentemente
fitos nas estrelas do amanhã desconhecido, mas libertador. Visão
pioneira e desbravadora, capaz de forjar o porvir!
Theresa Catharina de Góes Campos articulista do 180graus.com
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