Theresa Catharina de Góes Campos

  As Confissões de Schmidt

Drama existencialista atual, "As Confissões de Schmidt" (About Schmidt – de Alexander Payne – EUA, 2002 – cor -124 min.) é uma história realista para espectadores adultos na qual o personagem principal ( interpretado de forma admirável por Jack Nicholson) vai sofrer mudanças fundamentais em sua vida...e, para surpresa sua, enfrentará obstáculos pessoais e familiares criados por ele próprio.

"Tudo que sei é que devo aproveitar da melhor maneira o tempo que me resta. A vida é curta. Você tem que apreciar o que tem enquanto ainda tem..."

De fato, a aposentadoria esperada com tanta ansiedade (presume-se...) chega sem que o indivíduo tenha se preparado, na área intelectual, interiormente, espiritual e afetivamente. Casado há 42 anos, Warren Schmidt, aos 66 anos, vive em Omaha, Nebraska,

" O que você vai dizer quando parar, olhar pra trás e se perguntar: Que diferença eu fiz ? "

Indicado ao Oscar 2003 nas categorias de Melhor Ator e Melhor Atriz Coadjuvante ( a sempre excelente Kathy Bates aparece nua, diante de Schmidt, em cena de banho apelativa!), o filme se destaca por sua temática, direção, interpretação, fotografia (belos cenários, paisagens onde a natureza se revela tranqüila) , trilha sonora, produção e, de modo muito especial, pelo desfecho comovente.

Vencedor do Globo de Ouro de Melhor Ator e Melhor Roteiro,
"É um filme humano e divertido sobre gente como a gente."( O Estado de S. Paulo)

June Squibb, Hope Davis e Dermot Mulroney são os outros coadjuvantes, nessa trama ao mesmo tempo engraçada e amarga, com reflexões sobre a existência, os parentes e o tempo.
O roteiro, co-escrito pelo diretor Alexander Payne, foi inspirado na obra homônima – " About Schmidt" – de Louis Begley. As cenas cômicas são provocadas por situações, personagens e diálogos de aparente absurdo, embora comuns. São os desencontros no dia-a-dia, as diferenças de personalidade.

A jornada de autodescoberta como ser humano inicia-se de repente, fruto da solidão e da consciência de sua incomunicabilidade nas relações mais próximas. Quando Schmidt vê sua rotina mudada, sente-se silenciosamente desesperado, procurando um sentido para a sua vida, forçado a entrar em processo de autoconhecimento, reexaminando o passado, perplexo diante do presente, temeroso pelas indagações do futuro.


Percebe, então, que, de olhos abertos, vivenciou uma condição de cegueira profunda, sem ouvir/enxergar com profundidade à sua volta. Experimenta a perda repentina da esposa Helen (cujas qualidades não sabia apreciar) e, surpreso com a falta dessa "estranha", sente a necessidade traumática de se adaptar sem demora.

Exerce sua capacidade para perdoar...à companheira e ao amigo, ao tomar conhecimento de cartas de amor trocadas entre eles. Entrega-se ao pranto, às lágrimas sinceras de arrependimento por não ter orientado sua vida de outra maneira.

"A viagem foi muito benéfica." (...) "Acordei como um novo homem, um homem transformado."

Entre outras coisas, Schmidt compreendeu a homenagem aos desbravadores do Oeste, louvados por sua coragem e determinação à entrada do Museu: "Os covardes, jamais começaram. Os corajosos fizeram(a sua parte)...e foram pioneiros."

O tributo a esses homens destemidos contribui para que ele sinta a frustração por não lembrar, em sua vida, de realizações semelhantes. O "fracasso" o deixa angustiado.

A cerimônia do casamento da filha ( que ele tentou impedir) revela o romantismo que sobrevive, apesar de tudo. "...o matrimônio como uma nova estrada a ser percorrida pelo casal." O ministro enfatiza a lição da epístola de São Paulo: "O amor é paciente." O pai do noivo declara, em seu discurso, que se trata (obviamente...) de um dia muito especial.

Ao voltar, solitário, para casa, Schmidt encontra uma carta a lhe falar de alguém que pensa nele com gratidão, e pede por sua felicidade, todos os dias, e lhe envia, de longe, um presente.

O abandono do egocentrismo significa a esperança, tanto para Schmidt como para o próximo de todos nós: a salvação está em alcançar o outro...numa atitude de disponibilidade solidária. E, por incrível que pareça, não faltam pessoas em busca de nós!

Theresa Catharina de Góes Campos
 

Jornalismo com ética e solidariedade.