“Se
você se ama, pode amar outra pessoa.”
O
drama das mulheres iranianas, com algumas semelhanças universais, é
apresentado em “ Dez “ ( Irã/França
– 2002 – de Abbas Kiarostami -
94 min – p/b – 35mm), com a rotina da protagonista
que, sendo profissional e mãe de um filho, vive por amor um segundo casamento.
Ela dirige o próprio carro,
organiza seus horários de trabalho, levando e trazendo o garoto insolente,
machista como o pai, que tem o privilégio de ser conduzido pela mãe mas, no
entanto, em nenhum momento lhe dá qualquer
demonstração de carinho. Nem mesmo quando ela lhe pede, carinhosamente, um
beijo...
“
Não me casei de novo só para te dar um bom pai. Ele é um bom companheiro para
mim. (...) Mas você nem olha para ele.”
“
Dez seqüências na vida emocional de 6 (seis) mulheres
e os desafios com que elas se deparam num momento particular de suas
vidas.”
Os
principais intérpretes são: Mania Akbari
e Amin
Maher, sob a direção do mesmo diretor de “ Gosto de cereja “, “ A
vida “ e “ A vida e nada mais
“.
“Você
fala demais. (...) Você nunca vai aprender a conversar.”
O menino
se queixa, reclama, exige, como se fosse um adulto e superior à
“
motorista “. No tom de voz, nas
críticas que se sucedem e multiplicam, age como se aquela mulher lhe
pertencesse, lhe fosse subordinada. Trata a mãe como alguém destinado a lhe
satisfazer. Não quer ficar com ela. Prefere ir para a casa da avó.
E
como critica a mãe! De forma irritante, desrespeitosa. Reclama sobre o
atraso dela, que estava trabalhando. Diz que ligou “mil vezes” para casa e a
empregada falou que a mãe não
tinha chegado.
“
Por que não abasteceu o veículo?”
O
crítico Sérgio Rizzo, colaborador do jornal
Folha de S. Paulo, escreveu: “ Dá vontade de bater no menino.”
Tive
reação idêntica! (Isso apesar da aparência física da criança, que se
parece bastante com o galã norte-americano George Clooney...) O garoto se
mostra abusado nas atitudes e palavras. Jamais diz “ por favor “, nem
“obrigado”! E conta à mãe sobre os canais de sexo, aos quais seu pai
assiste sozinho à noite, bloqueando o acesso do filho a esses programas para
adultos.
“
As leis apodrecidas de nossa sociedade não dão direitos às mulheres! (...)
Para conseguir um divórcio, a mulher tem de falar que apanha do marido ou que
ele usa drogas! “
Quando
uma das irmãs da motorista começa a chorar, ela admoesta:
“
Você é fraca, muito fraca! Por que ser dependente de um homem? (...) Por que
sua vida e sua ruína devem depender de uma pessoa só? (...) Nós, mulheres,
somos muito dependentes. Não nos amamos.” (...)
“Querida,
não se vive sem perder! Viemos ao mundo para isso! Perder e ganhar! Ganhar e
perder!
(...)
Sei que é difícil perder. Muito difícil.”
A
personagem principal vai a diversos lugares, cumprindo obrigações regulares,
familiares, dialogando com as personagens femininas que entram em
seu veículo. Enfim, realizando tarefas cotidianas, esforça-se por
dialogar, conhecer e compreender, se expressar e se manifestar.
“
Hoje em dia, as crianças acusam os pais de tudo.”
O
ex-marido mal se dirige a ela, nos momentos em que se encontram quando a mãe
vai apanhar o filho na residência do pai. Mal responde à ex-esposa, quando
esta procura saber qual deve ser o horário em que deve levar a criança de
volta. A mãe procura organizar, providenciar o roteiro do filho cheio de
vontades e caprichos, um garoto que não se envergonha de manifestar suas opiniões
sobre os “ defeitos “ da jovem
“motorista” como dona de casa e mulher.
O
garoto acha que sabe tudo, conhece tudo. Não tem limites com as palavras usadas
contra a mãe. Compreende-se que é
um privilegiado: não passa necessidades materiais, entretanto, demonstra
claramente considerar monótona a sua vida. Nada parece entusiasmá-lo.
Uma companhia bem desagradável!
“
Quantos menos laços você tiver, melhor você vive.”
Talvez
por ser fotógrafa, a mãe observa melhor; registra a realidade, enfoca as
maiores dificuldades femininas, revela uma compreensão maior
da tragédia experimentada por mulheres que dependem material e
sentimentalmente de outra pessoa. Ela
expõe o drama, conversando sobre essa profunda dependência emocional, que
cerceia uma possibilidade de crescimento, limita o potencial, impede o
amadurecimento individual. Oferece carona a uma velhinha. Depois, a uma
prostituta, que não se acanha de falar sobre sexo.
Escuta
o que têm a dizer. Fala o que pensa.
“
Acha que seu marido é fiel e só ama você? (...) Você se prende demais a seu
marido.”
Se
o roteiro pode ser acusado de repetitivo, também é verdade que essa repetição
denuncia uma realidade que não deveria ser ignorada por mais tempo.
“
Quando crianças, somos dependentes da mamãe e do papai. Depois, do nosso
marido e de nosso filho.”
Apesar
de proclamar a independência feminina, a mãe fica pedindo um beijo ao filho,
no carro...
Uma
jovem mulher, que foi orar num templo, também aceita a carona da fotógrafa .
“
Eu não acreditava. De qualquer forma, quando venho rezar, eu me acalmo.”
Ela
ainda não se tranqüilizou de todo porque não conseguiu realizar seu
“pequeno desejo”: casar-se.
Segundo
confidencia, seu amor “ está cheio de contradições”.
Ele gosta de outra pessoa. Pensa em outra mulher.
A
motorista também lhe confessa: “ Agora tudo que faço é rezar.”
A
moça solteira complementa: “Antes, eu achava rezar uma atitude ridícula.”
Os
dez episódios que compõem o roteiro do filme são melancolicamente realistas e
atuais. Os destaques: a direção, interpretação e montagem; os diálogos,
temas e personagens; o roteiro; a trilha sonora; a solidariedade feminina.
A
mãe diz ao filho:
“
Não grite! “
E
ele responde imediatamente: “Gosto de gritar!”
Quando
a mãe vai apanhar o menino na casa do ex-marido, logo que entra no automóvel o
garoto exige, iniciando o último “diálogo “ do roteiro, que encerra o
filme:
“
- Quero ir para a casa da vovó . “ (Uma das irmãs da “motorista “ já
se queixara do sobrinho ter tratado mal a avó, durante as férias...)
-
Está bem.” (responde a mãe “moderna”, que se considera independente,
emancipada)
Será
um círculo vicioso? Um túnel sem saída? Claro que não! Precisamos aprender
com a vida – a nossa e a do próximo. E todo
aprendizado conduz a uma transformação
íntima que vai se manifestar externamente.
“
Dez “ é
uma lição, ministrada pelo cineasta e acessível a todos nós.
Theresa Catharina de Góes Campos
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