|
|
|
|
A ESTRADA
"Só faça o que eu mandar", diz Zampanó a
Gelsomina.
A obra-prima de Federico Fellini (1920-1993), "A
estrada" (La Strada - p/b-35mm - Itália, 1954 -
107 min.), volta a ser exibida no Brasil (cópia
nova), atraindo jovens estudantes que a vêem no
cinema pela primeira vez e se emocionam com a
interpretação magistral dos protagonistas,
Anthony Quinn (o brutamontes Zampanó) e
Giulietta Masina (a frágil, delicada, pura e
sensível Gelsomina). O personagem cativante do
equilibrista (O Louco), interpretado por Richard
Basehart, representa um papel determinante na
reflexão de Gelsomina sobre a sua existência ao
lado do artista mambembe que a tinha comprado de
sua mãe. Esta, reflete a miséria do país.
Abandonada pelo marido e com 5 filhas para
alimentar, mostra-se desesperada ao se despedir
de Gelsomina, que se despede com uma falsa
"alegria", mas, dentro da carroça onde vai
"correr o mundo" e "viver", ela chora
silenciosamente. Para aprender o seu trabalho,
Gelsomina será maltratada, levando surras de
vara verde de seu companheiro.
"Minha esposa passará o chapéu. Quem puder dar
alguma coisa, obrigado. Quem não puder, obrigado
da mesma forma. "Sim, Zampanó trata cortesmente
o seu público! E a Gelsomina também, na hora do
espetáculo de rua. Quando ficam sozinhos, na
carroça, Gelsomina não consegue estabelecer um
diálogo. Ela sofre com essa "solidão a dois",
numa experiência em que os seus bons sentimentos
não são capazes de penetrar a couraça da força
egoísta. Nas exibições mambembes, revela sua
feminilidade de forma quase infantil.
"Se quiser ficar comigo, tem que aprender uma
coisa: fique de boca fechada."
Destaques: produção, direção, interpretação,
fotografia, roteiro, figurinos; temas e
personagens; realismo com momentos de poesia e
profundo lirismo. Recomendação: para
adolescentes e adultos.
Drama existencial, fruto do movimento
cinematográfico italiano, o neo-realismo
(pós-Segunda Guerra Mundial), "A Estrada" tem,
no entanto, características próprias, diferentes
das obras de Roberto Rosselini. De qualquer
modo, demonstra o que Cesare Zavattini definiu
como "cinema do encontro".
Vencedor do primeiro (dos seus quatro...) Oscar
de Melhor Filme Estrangeiro, "A Estrada"
(lançado originalmente nas telas brasileiras com
o título "A Estrada da Vida") recebeu críticas
marxistas, às quais Fellini respondeu: "Penso
que "A Estrada" procura realizar a experiência
que o filósofo Emmanuel Mounier definiu como a
mais importante e originária para abrir-se a uma
perspectiva social: a experiência comunitária
entre dois seres humanos. Para aprender a
riqueza e a possibilidade da vida social, hoje
que tanto se fala em socialismo, importa antes
de tudo aprender simplesmente a estar só com
outro homem."
Gelsomina sofre visivelmente quando Zampanó sai
de moto com uma ruiva, mandando que ela o
esperasse ali na rua. As mulheres se penalizam
com a sua situação, tentam alimentá-la,
oferecendo-lhe sopa. Mas Gelsomina está muito
triste e não aceita. Vai atrás do marido, que
dorme no chão, ao lado da moto e da carroça,
como tinham lhe informado. Ela se ajoelha no
chão de terra e se inclina para ouvir o coração
de Zampanó, preocupada com o seu bem-estar.
Olha-o com ternura. Depois, se entristece de
novo. Sai caminhando pela estrada, admirando as
flores do campo. Quando encontra crianças, sorri
para elas. Voltando para Zampanó, logo que ele
acorda Gelsomina lhe conta, entusiasmada, que
encontrou sementes e plantou tomateiros.
O casamento ao ar livre e o convite para o casal
também desfrutar da comida farta. O sofrimento
de Gelsomina, quando Zampanó segue a mulher que
lhe dará as roupas de seus ex-maridos, é a
revelação de seu ciúme. Aliás, ela passa da
alegria à tristeza alternadamente, com
facilidade. Gelsomina chega a dizer, depois, a
Zampanó, que vai embora, apesar de "gostar do
trabalho". Segue sozinha, magoada. Encontra e
acompanha com admiração a Procissão do Senhor
Morto; ajoelha-se na rua e faz o sinal da cruz
com devoção; comove-se com o quadro de Nossa
Senhora e o Menino, levado na Procissão. À
noite, vive a experiência desconhecida de estar
só na multidão, que assiste ao número do
equilibrista "O louco".
Quando as ruas se esvaziam, na madrugada,
Gelsomina está faminta, com sede e muito
cansada, fugindo de alguns mendigos que a
ridicularizam. Zampanó chega para apanhá-la.
Gelsomina não quer ir, mas ele faz com que a sua
força prevaleça. Mais adiante, Gelsomina
encanta-se ao ouvir O Louco tocar violino.
Em Roma, Zampanó e Gelsomina juntam-se ao circo.
Contudo, Zampanó briga com o equilibrista
folgazão, por causa de Gelsomina. Ela estava
ensaiando um pequeno número, para atuar com O
Louco.
"- Qual é o problema? Aqui todos trabalham
juntos."
O brutamontes, enciumado, tenta matar o
equilibrista, sendo preso pela polícia. Estando
Zampanó na prisão, Gelsomina tem uma longa
conversa com O Louco, que lhe dá o conselho de
abandonar o marido. Gelsomina lhe conta que
Zampanó deu 10 mil liras à sua mãe e fala sobre
as suas quatro irmãs pequenas. Sem auto-estima,
ela diz não servir para nada, porque nada sabe
fazer...e confessa não querer mais viver. O
Louco convida Gelsomina a ficar com ele. E
raciocina com Gelsomina: " Se você não servisse
para alguma coisa, Zampanó não ficaria com
você."
Diz a ela, também, que seu marido gosta dela, só
não sabe dizer que gosta.
"É como um cão. Só sabe latir."
Tentando consolar Gelsomina, o equilibrista
afirma:
"Tudo que existe neste mundo tem um propósito.
Até uma pedra pequenina. (...) O Padre Eterno
sabe de tudo. (...) Até você serve para alguma
coisa, com sua cabeça de alcachofra."
Gelsomina conclui, então: "Se eu não ficar com
ele, quem ficará?"
Ela conta ao Louco que o pessoal do circo, por
causa da briga, não quer mais os dois: nem ele,
nem Zampanó. Antes de se despedirem, o bondoso
equilibrista lhe dá de presente um cordão que
usava em seu pescoço. Quando Zampanó sai da
cadeia, encontra Gelsomina esperando por ele. E
continuam pela estrada. Quando Gelsomina vê o
mar, fica emocionada.
(...) "Agora, parece que a minha casa é com
você."
A Zampanó repete, em alguns momentos:
"- Você é um animal! Não pensa!"
Encontram uma jovem e alegre freira, a quem dão
carona. Ela lhes consegue hospedagem no
convento, onde todas as religiosas trabalham até
nas tarefas mais duras, como cortar lenha.
Sensível, sorridente, a freira elogia Gelsomina
a Zampanó:
"- É talentosa. Toca muito bem."
Com amabilidade, ela explica a Gelsomina que, de
dois em dois anos, as religiosas mudam de
convento, para que não se apeguem ao lugar, às
pessoas, às coisas, e se esqueçam do
fundamental: Deus.
Mas quando Gelsomina tenta conversar com o
marido, não consegue resposta, a não ser:
"- Você fala demais! (...) Deixe de pensar
bobagem e durma. (...)
- Você gosta um pouco de mim?"
Zampanó não responde.
Apesar de agradecer a bondade das freiras,
Zampanó rouba, no convento, imagens de prata,
não obstante as tentativas de Gelsomina para
demovê-lo. Ao despedir-se, chorando, de cabeça
baixa, ela comove a religiosa, que lhe pergunta:
"- Quer ficar aqui? Falarei com a nossa
Superiora."
Retomando juntos seu caminho sem destino certo,
encontram O Louco, a quem Zampanó agride e mata
covardemente, escondendo o corpo e jogando o
carro dele para fora da estrada. A partir desse
momento, Gelsomina enlouquece, não conseguindo
mais trabalhar e repetindo:
"- O Louco está mal!"
O marido tenta raciocinar com ela, explicando:
"- Ninguém nos viu. Ninguém está nos
procurando."
Gelsomina adoece de corpo e alma. E não deixa
mais que Zampanó entre na carroça para dormir
com ela.
"- Eu não queria matá-lo! Só dei dois socos
nele...Ele só estava sangrando um pouco no
nariz...e aí caiu."
(...) Quer que te leve para casa?
Gelsomina responde: "- Se eu não ficar com você,
quem ficará?
-Você está doente! Doente da cabeça! lhe diz
Zampanó.
(...) - Eu queria fugir, mas ele me aconselhou a
ficar com você."
Sem forças, Gelsomina se deita ao sol de
inverno, junto a um muro de pedra. Zampanó
decide abandoná-la. Deixa-lhe o trompete e os
seus poucos pertences, saindo silenciosamente
enquanto ela dorme, toda encolhida.
Anos depois, em uma das localidades onde o
artista mambembe foi trabalhar, ouve a melodia
preferida de Gelsomina, cantada por uma jovem, a
quem pergunta onde aprendera aquela música. A
moça lhe responde que tinha sido de uma jovem
que por ali passara... Diz que ela chorava
muito, não comia, quase não falava. E morrera há
4 ou 5 anos.
Nas cenas seguintes, Zampanó está bêbado, sendo
expulso do bar.
"- Eu não tenho amigos! (...) Não preciso de
ninguém. Quero ficar sozinho,
só."
Ele vai até o mar. Na praia, olha para o céu,
para os lados, agarrando a areia com desespero e
angústia. E o filme termina ao som da melodia
que tanto encantava o coração delicado de
Gelsomina.
Theresa Catharina de Góes Campos
São Paulo, 24 de janeiro de 2003 |
|
|
|